"O fim de um imbróglio enorme": após 18 ilegal, Câmara de Lisboa está a regularizar Fábrica Braço de Prata
A Associação Cultural vai assinar com a câmara um contrato, que inclui uma bonificação de 95% na renda pelos três pisos, com quase 3300 m². Na prática, serão cobrados pagar cerca de 250 euros por mês pelo aluguer do espaço
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A Câmara Municipal de Lisboa está a regularizar a Associação Cultural da Fábrica Braço de Prata, presidida por Nuno Nabais, que está há 18 anos a ocupar de forma ilegal o espaço que sobreviveu de uma antiga fábrica de material de guerra, em Marvila, Lisboa.
Em causa estava um negócio com a Obriverca, que, entretanto, acabou nas mãos do município lisboeta.
Em declarações à TSF, o presidente da Associação Cultural, Nuno Nabais, confessa estar aliviado com este desfecho: "Isto é o fim de um imbróglio enorme."
A história da Associação Cultural da Fábrica Braço de Prata começa em 2007, com um acordo com a Obriverca, empresa que comprou a antiga fábrica de material de guerra para fazer um condomínio de luxo. Da obra sobrou um edifício classificado como de interesse municipal.
"É um palácio que estava abandonado em 2007 e eu, então, propus à Obriverca ocupá-lo em regime de comodato, ou seja, não pagaria nada de renda, mas garantiria a conservação do edifício, pavimentos, revestimento, caixilharia (...) e a Obriverca, se voltasse a precisar do edifício, bastava que me informasse com um mês de antecedência e eu abandonaria o edifício. Fiz imensas obras de reabilitação do edifício e pavimento e, em 2008, para minha enorme surpresa, recebi um e-mail da Obriverca para eu abandonar o edifício, passado apenas um ano de ter iniciado esta aventura", conta.
O acordo com a imobiliária com ligações ao antigo presidente do Benfica Luís Filipe Vieira não correu bem. E é aí que Nuno Nabais pede ajuda à Câmara de Lisboa através da então vereadora Helena Roseta, que apresenta uma solução.
"A Câmara ia oferecer o terreno ao lado já existente da antiga fábrica para a Obriverca construir um pré-fabricado, que funcionasse como stand dentro dos apartamentos, e a Obriverca permitia que eu cá continuasse. Foi uma vitória enorme, graças à intervenção da arquiteta Helena Roseta. E ela diz-me: 'Então, agora entra em contacto com a Obriverca para ver se eles fazem consigo um de alugue para poder legalizar a sua presença nesse edifício'", recorda.
Contudo, o responsável da Obriverca não terá aceitado a proposta, e Nuno Nabais diz que também não conseguiu fazer um contrato diretamente com a Câmara Municipal de Lisboa, porque o edifício era da construtora.
"Resultado: a partir de 2008 eu estive na fábrica em regime ilegal, porque tinha um acordo de comodato, mas que não se traduzia em nenhum contrato de aluguer e, portanto, sempre que vinha a ASAE e pedia alvarás para vender bebida e comidas, eu era multado e ia para tribunal", lamenta.
Os anos passaram e, apesar de ilegal, a Fábrica Braço de Prata continuou a ser o lugar da música ao vivo, do cinema e dos livros. Nuno Nabais sublinha que só renda e luz estavam em falta.
"Sempre pagámos a água, sempre pagámos o gás, sempre pagamos todos os nossos impostos. Ainda este mês o nosso IVA foi de 21 mil euros no primeiro trimestre, portanto. Só não pagámos a eletricidade. Mas por que é que não pagámos eletricidade? Porque quando para cá vim, com o contrato comodato, como eu não tinha o estatuto legal, não era possível estabelecer um contrato com EDP", esclarece.
Agora, a regularização está à vista. A Associação Cultural vai assinar com a câmara o contrato, que inclui uma bonificação de 95% na renda pelos três pisos, com quase 3300 m².
"Estou muito satisfeito porque o valor da renda é de facto muito baixo, porque a própria direção da câmara sugeriu que eu fizesse um pedido de bonificação. Eu fiz o pedido, escrevi 20 páginas a explicar os contributos que a fábrica tinha dado à cidade de Lisboa, sem nunca ter recebido um cêntimo da câmara, de uma paróquia, do Ministério da Cultura, da Gulbenkian. Toda a nossa atividade que contribuiu imenso para a revitalização da cena musical em Lisboa e das artes plásticas", aponta.
Na prática, vai pagar cerca de 250 euros por mês. À renda acresce também a água, a luz e o gás.