O humor é o que nos distrai da certeza da nossa morte. Palavra de Ricardo Araújo Pereira
Ricardo Araújo Pereira foi desafiado a falar sobre a "Morte e humor" no I Congresso Internacional "A Morte - Leituras da Humana Condição" que decorre em Guimarães.
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O humor é o que nos distrai da certeza da nossa morte, a nós, "o único animal que tem consciência da sua própria extinção". Conviver com a ideia da nossa finitude é "difícil" e por isso é que há "pessoas que contam anedotas em funerais, tentando espantar a ideia de que, mais cedo ou mais tarde, estará numa caixa igual àquela que está a velar", diz Ricardo Araújo Pereira.
O humorista foi convidado a falar sobre o tema "Morte e humor" pela organização do I Congresso Internacional "A Morte - Leituras da Humana Condição", que começou ontem e decorre até domingo no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães.
Na relação com a morte, o humor é então um "analgésico", nem sempre eficaz, nota o autor e humorista: "O que o humor faz é retirar um pouco de peso às coisas, de uma forma bastante ineficaz e se calhar apenas temporária. É muito frequente abandonarmo-nos a uma gargalhada, que funciona como um analgésico mas, às vezes, a dor regressa ainda antes do fim da gargalhada".
Na sessão, Ricardo Araújo Pereira assinalou ainda a existência de "uma coincidência enorme entre o momento da morte e aquilo a que chamamos muito prosaicamente de uma piada", referindo-se aos epitáfios humorísticos. "Por exemplo, o de Raul Solnado. Bem sei que é de um humorista e que foi ele que o escreveu, ainda assim... 'Aqui jaz Raul Soldado, muito contra a sua vontade'", provocando o riso da plateia.
Nos epitáfios ou no leito de morte, como a lenda que se conta de São Lourenço, são vários os exemplos que "têm graça", apesar de estarem relacionados com um evento associado a tristeza e sofrimento. "O que a história de Tiago de Voragine conta é que o São Lourenço foi queimado e a lenda diz que as suas últimas palavras, já deitado na grelha, foram 'este lado já está, podem virar'", recuperou Ricardo Araújo Pereira.
No final, ninguém escapa à morte, os que a temem e os que a satirizam, mas a vida de uns e de outros pode ser bem diferente: "A ideia de que no fim somos sujeitos a um exame [purgatório], se passarmos temos uma recompensa e se chumbarmos temos um castigo, talvez seja importante para que não vivamos todos que nem selvagens mas também me parece importante a ideia oposta, a de que a morte não deve ser temida, de que se vive melhor se o temor da morte for, ao menos, mitigado", disse.
Já sobre o que nos espera depois da morte, o humorista, ateu confesso, diz-se convencido de que "vou exatamente para o mesmo sítio que estava antes de ter nascido. Por um lado sabe a pouco mas por outro tranquiliza um bocado porque não tenho más recordações dessa altura".