João Glama não só viveu o terramoto de 1755, como passou mais de 30 anos a pintar o que viu. A tela que retrata a memória do artista foi restaurada e é agora exposta no Museu Nacional de Arte Antiga.
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Ao entrar na sala do Teto Pintado, é possível notar que as luzes do espaço estão propositadamente colocadas de forma a realçar a parede onde se encontra a moldura dourada, que envolve um dos mais importantes testemunhos do terramoto de 1755.
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"Podemos ver as vítimas caídas no chão, vemos aqueles que na altura, muito assustados, imploravam a proteção divina", descreve a curadora do Museu Nacional de Arte Antiga, Alexandra Markl, enquanto desliza com a ponta dos dedos pelos pormenores da pintura numa folha A4 que contém a imitação do quadro de João Glama.
O tempo parece pouco para as três responsáveis pela exposição sobre o artista do século XVIII explicarem a importância de divulgar as obras do pintor.
A investigadora Celina Bastos confessa que leu muito sobre a época para compreender o que exatamente aconteceu na catástrofe, e para confirmar se João Glama estava realmente na cidade de Lisboa na altura do terramoto. "São muitos os dados documentados sobre o artista e há que reler todos os que escreveram, não só sobre a pintura desta época mas, sobretudo, sobre o pintor e também sobre esta obra".
Celina Bastos afirma que há vários desafios durante o processo, desde logo recuperar uma memória, uma biografia que foi escrita por quem o conheceu.
"Será que ele estava mesmo em Lisboa quando aconteceu o terramoto?"- a interrogação da investigadora foi feita com o sorriso de quem já sabia a resposta: "Se olharmos para esta composição e lermos toda a literatura dos sobreviventes, é coincidente. São estas as cenas que eles relatam".
João Glama dedicou mais de três décadas a pintar uma obra que não conseguiu terminar. A especialista em restauro Teresa Moura explica que foi só depois de remover a camada de verniz amarelo que o quadro mostrou o que sempre tinha estado invisível: "Há alterações, como a da personagem que agora é central, [ela] estava do lado direito, e um frade que estava representado como uma figura feminina".
"Anatomia de uma Pintura" é a exposição que abre portas a uma coleção que descreve a história e a forma de arte do pintor João Glama. Nas palavras da curadora Alexandra Markl, a exposição inclui "um dos poucos testemunhos do grande terramoto de 1755" e acredita que não é todos os dias que há a oportunidade de poder ver uma coleção assim: "rara".