A exposição "1968: o fogo das ideias" traz a Lisboa o trabalho de Marcelo Bradsky. Imagens de manifestações em todo o mundo no final dos anos 60.
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Paris, Bruxelas, Praga, Córdoba, Madrid, Roma, Rio de Janeiro, Pequim... mas também Coimbra. O fotógrafo e artista visual argentino Marcelo Brodsky reuniu meia centena de fotografias de arquivo de diferentes países fixadas no final dos anos 60, quando as ideias fervilhavam e a luta pelos direitos civis levou multidões à rua.
Em "1968: o fogo das ideias", a exposição que abre ao público esta quarta-feira, no Museu Coleção Berardo, em Lisboa, mostra que 68, não é, não foi só Paris.
Estamos em Coimbra, em 1969, o ano da revolta estudantil. Numa das fotografias, uma cerimónia oficial. É a inauguração de um pavilhão na Faculdade de Medicina da Faculdades. A imagem mostra um desfile militar, com soldados que marcham de armas na mão e atrás uma multidão que segura cartazes de protesto onde se lê: "Democratização do Ensino"; "Educação para Todos"; "Em Portugal 40% de analfabetos"; "Estudantes no governo da Universidade".
A fotografia chamou a atenção do artista. "É bastante estranho para um latino-americano presenciar a imagem de um desfile militar com um grupo de estudantes com cartazes à frente. Nós fazemos muitas manifestações na rua, mas nunca em coincidência com desfiles militares. Se tem desfile militar, ninguém chega perto. Nesse caso, como era em Coimbra, na universidade, houve uma espécie de despiste das forças de segurança, ou maior liberalidade... sei lá. Isso para mim é estranho", explica.
Nesta fotografia a preto e branco, Marcelo Brodsky coloriu os soldados e a polícia, a paisagem atrás, duas bandeiras de Portugal e os cartazes, onde realçou as palavras de ordem. Em baixo, uma legenda escrita à mão dá contexto à imagem. E na parede as palavras: "o exército colonial".
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É este o método na exposição "1968: o fogo das ideias". Ao todo, são 50 fotografias de arquivo que retratam manifestações do final dos anos 60, que exigiam liberdade e mais direitos para todos. O artista usa a cor para destacar pormenores, objetos perdidos ao primeiro olhar.
"A intervenção sublinha alguns aspetos e torna evidente, tanto em texto como com a cor, alguns aspetos da imagem que estou interessado em mostrar para contar a história", revela Marcelo.
Com tinta ou lápis de cera, uma pedra na mão de um manifestante torna-se vermelha, um punho erguido fica laranja, panfletos que pairam no ar destacam-se a amarelo. As imagens de 68 ganham uma nova vida para contar o que aconteceu. E o artista assume essa missão.
"As novas gerações, se não há imagem, não prestam atenção a nada. A História só pode ser contada se partir de uma imagem. Porque se parte de um papo, ninguém dá bola. Não interessa! Nem veem! Se não tem imagem passam a outra coisa que tem. Então, se única forma de contar a História é com imagens, é preciso desenvolver uma linguagem da imagem e da palavra que seja capaz de atrair o público, a juventude para se interessar pela História".
Marcelo está empenhado a contar esta história que tem meio século, quando ainda era um adolescente de 13 anos em Buenos Aires. "Estava a começar a escola secundária. Uma escola muito politizada em Buenos Aires, onde tivemos 108 desaparecidos. Foi uma escola muito ativa na resistência à ditadura. Estava a estudar nessa escola e a receber a influência dos estudantes das ruas de Paris. Já desde a adolescência", recorda.
Anos depois, durante a ditadura militar na Argentina, Marcelo foi obrigado a fugir para Barcelona. Para trás ficou o irmão mais velho, um dos mais de 30 mil desaparecidos da ditadura. Marcas que ficaram e criaram uma urgência de contar o que se passou e denunciar o que ainda continua a acontecer.
"Este trabalho não é neutro. É um trabalho engajado politicamente com uma série de ideias. As mesmas ideias de 68".
Um engajamento que se nota, por exemplo, numa imagem de uma greve em 68 na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. Um grupo de artistas da Globo protesta contra a censura. Marcelo Brodsky sai do espaço da moldura para escrever na parede: "Agora tem censura de novo no Brasil".
"A questão da censura voltou há pouco tem no Brasil. E depois há um candidato à presidência do Brasil que é nazi, fascista. As coisas voltam", defende, "mais do que regressar ao Passado, trago o Passado ao Presente. Porque interessa-me o efeito sobre o Presente, o hoje. O que é aconteceu? Onde é que estamos agora?".
Nesta exposição, Marcelo Brodsky fez questão de incluir imagens de Portugal. Com a ajuda da curadora Inês Valle, vasculhou fotografias de arquivo e escolheu três (duas de Coimbra e uma de Lisboa). Também em exclusivo para a exposição no Museu Berardo, selecionou três imagens de antigas colónias portuguesas. Estas são de 1974.
Em Moçambique, numa manifestação de apoio à Frelimo, um cartaz com Samora Machel destaca-se em frente a uma faixa: "Independência ou Morte". Em Angola, um protesto exige o fim ao colonialismo. Na Guiné Bissau, Luís Cabral, irmão de Amílcar Cabral, discursa no meio de uma multidão.
Depois de Lisboa, a exposição segue para outros países. E talvez as imagens de Coimbra em 1969 sigam viagem com o artista e os estudantes que exigiram ensino para todos nas escadarias da universidade possam vir a gritar pelo mundo fora, ao lado dos parisienses que encontraram a praia debaixo da calçada.
A exposição de Marcelo Brodsky pode ser vista no Museu Coleção Berardo, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, até 6 de janeiro de 2019.