"Peça importante" para compreender Abril. Os 65 anos da Fuga de Peniche libertam um dossier digital sobre prisões da ditadura
Em declarações à TSF, a comissária executiva Maria Inácia Rezola argumenta que "a forma como o regime se apropriou da justiça, constituindo tribunais e prisões políticas, é uma peça importante para percebermos não só o que foi a ditadura, como o que representou o 25 de Abril e o fim dessa mesma ditadura"
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Foi a 3 de janeiro de 1960, há 65 anos, que teve lugar uma das mais audazes fugas de presos políticos durante a ditadura de Oliveira Salazar. Dez reclusos, incluindo Álvaro Cunhal, escaparam da Cadeia do Forte de Peniche, um edifício de alta segurança controlado pela polícia política, a PIDE. E é precisamente a 3 de janeiro, mas agora de 2024, que a Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril lança no seu site um dossier sobre as prisões políticas e como o antigo regime controlava o poder judicial. É o que explica a comissária executiva Maria Inácia Rezola, em declarações à TSF.
"Temos investido sistematicamente num conjunto de iniciativas deste tipo. A constituição de dossiers temáticos, com materiais diversificados, uma linguagem acessível e informação abundante sobre os temas tratados e, neste caso, aproveitando mais uma efeméride dos 65 anos da célebre fuga da prisão de Peniche, lançamos este dossier sobre as prisões políticas", revela.
Maria Inácia Rezola argumenta que a realidade sobre a forma como a ditadura tratava a questão jurídica é ainda "relativamente desconhecida do público", mas uma "peça importante" para perceber o que foi de facto viver sob uma ditadura durante 48 anos.
"A forma como o regime se apropriou da justiça, constituindo tribunais e prisões políticas, é uma peça importante para percebermos não só o que foi a ditadura, como o que representou o 25 de Abril e o fim dessa mesma ditadura", defende.
As prisões da PIDE são então um elemento fundamental para a compreensão da história de Portugal, permitindo ao público "perceber o que é que era a assistência médica ou a sua ausência", assim como outras situações do dia a dia.
"O que é que eram questões tão práticas e lineares como a alimentação, a correspondência, as visitas e os contactos dos presos com os seus familiares e o receio. O que aconteceu em algumas iniciativas - no Forte de Caxias isso está documentado - que foi a constituição de bibliotecas pelos próprios presos e a forma como o regime foi reagindo, proibindo ou autorizando estas iniciativas. Qual era a realidade das mulheres presas políticas nestes casos da PIDE", enumera.
Entre os conteúdos apresentados em 50anos25abril.pt, conta-se, por exemplo, o documentário "As grades que nos guardaram" (2000), de Luís Filipe Costa, e a reportagem da RTP sobre a libertação dos presos políticos da prisão de Caxias, nos dias seguintes à revolução de 25 de Abril de 1974.
Nos textos apresentados é lembrado que "a primeira lógica de afirmação da autoridade da ditadura tinha um caráter dissuasivo, preventivo e de intimidação do indivíduo face à iminência de um castigo" e que a polícia política teve várias designações entre 1933 e 1974, nomeadamente Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE) e Direção-Geral de Segurança.
"O recurso abusivo às medidas de prisão preventiva e de segurança, os julgamentos sem advogado de defesa, a criação de tribunais especiais militares e tribunais plenários para julgar crimes políticos, e as condenações sem possibilidade de recurso foram instrumentos fundamentais para a neutralização dos adversários do regime", lê-se num dos segmentos do dossier informativo.
É ainda possível saber quais as prisões e campos penais que funcionaram em Portugal, nomeadamente a Cadeia do Aljube e o Forte de Caxias, e nas ex-colónias, como o Campo de Concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, a Colónia Penal do Bié, em Angola, e a Cadeia da Machava, em Moçambique.
As informações são retiradas de várias fontes, nomeadamente da Fundação Mário Soares e Maria Barroso, dos arquivos da RTP, do Arquivo Nacional da Torre do Tombo e do Museu do Aljube.