Perfeito coração português na homenagem a Amália Rodrigues num Carnegie Hall cheio
“Ela haveria de gostar”. Os cantores Cristina Branco, Raquel Tavares e Ricardo Ribeiro com a Orquestra Sinfónica Portuguesa prestaram homenagem a Amália Rodrigues e encantarm na mítica sala de Nova Iorque cheia, principalmente com a comunidade emigrante nos EUA. Ponto alto dos 40 anos da FLAD.
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Três cantores e uma orquestra sinfónica. Foi um êxito a noite portuguesa no mítico Carnegie Hall em Nova Iorque, numa homenagem a Amália Rodrigues. Não cabia em si de contente o maestro nascido na Polónia mas criado no Porto, Jan Wierzba, quando falou com a TSF e outros jornalistas portugueses, numa sala dos bastidores do Carnegie Hall: “Ainda estou com um nó na garganta, por variadíssimas razões: pela sala, pelo reportório, pela homenagem que fizemos tanto à comunidade portuguesa, aqui nos Estados Unidos, e a homenagem à grande figura que foi Amália. E, sem dúvida alguma, ainda por cima, acompanhado por pessoas tão bonitas, desde a orquestra até aos nossos três solistas, ainda estou com um nó na garganta, e acho que vai ficar durante algum tempo”.
Wierzba assume o privilégio de dirigir a orquestra que permitiu um brilho acrescido ao espetáculo, sem ignorar a responsabilidade que daí advinha: “Sem dúvida alguma que é uma responsabilidade, mas costumo dizer que quando bons músicos se juntam, a música é boa e sai facilmente. E foi isso que aconteceu, porque a verdade é que os três, tanto a Cristina, como a Raquel, como o Ricardo, inspiram-nos a todos. A mim, à orquestra, portanto, sem dúvida alguma que é menos difícil do que parece. É óbvio que há uma responsabilidade acrescida, mas acima de tudo penso que falo por toda a gente que foi uma honra e foi um prazer fazer isso, trazer esta música e trazer esta memória tão maravilhosa que é a Amália, e com todo este repertório que é tão conhecido, Portanto, sim, responsabilidade acrescida, mas acima de tudo um prazer”.
O que é que esta sala tem de especial? “Bom, é uma sala paradigmática para qualquer músico, é uma sala, em primeiro lugar, lindíssima, e acusticamente é uma coisa absolutamente maravilhosa. E termos sido a primeira orquestra portuguesa a atuar aqui é um enorme privilégio”.
A ideia de fazer entrar a gravação com a voz da própria Amália no meio do tema “Gaivota” terá sido do arranjador Daniel Bernardes, mas o jovem maestro assume que “realmente é um momento que é absolutamente arrepiante, e penso que foi para toda a gente que assistiu ao concerto”. E foi. Consta – porque o fado também é um apelo à imaginação - que choraram as pedras da calçada – não portuguesa – à porta do Carnegie Hall.
Maestro e cantores gostariam de repetir: “Ui, sem dúvida alguma, isto agora é correr o mundo, era correr o mundo com isto, sem dúvida alguma”. Há planos para isso? “Não faço a mínima ideia também, portanto, não me posso pronunciar”.
De pé em frente aos jornalistas e ladeada por Cristina Branco e Ricardo Ribeiro, Raquel Tavares admite que “o mais inesperado foi sentir-me profundamente acolhida numa sala como o Carnegie Hall. Ou seja, das muitas salas onde já cantei, imagino que a Cristina também e o Ricardo, salas, enfim, que são de alguma maneira grandiosas, o todo histórico desta sala, o peso que traz. achei que ia ser engolida por esse peso. E a verdade é que não fui. Senti-me tão acolhida, tão confortável. foi surpreendente estar particularmente confortável no Carnegie Hall e depois o público que foi surpreendente, foi incrível. Foi mesmo muito bonito, mesmo”. Cristina Branco, no mesmo tom de profunda satisfação pelo que tinham conseguido: “Estamos muito satisfeitos. Acho que posso fazer falar pelos três. Sim”.
Ricardo teve ali um momento difícil. Emocionado, teve de se voltar de costas para o público alguns segundos e enxugar as lágrimas: “Então... Ah, sim. Quer dizer, há coisas que não se explicam, não é? A música é a primeira coisa que não se explica. Mas é de facto um momento extraordinário poder pisar este palco e esta já ninguém me tira. Acho que a nós já ninguém nos tira. É um privilégio. E depois emocionei-me por duas razões. A primeira é porque eu sou um 'Amaliano' convicto. E quando ela canta, há qualquer coisa que não se... Não há palavras para explicar. E depois porque, no fundo, entre aspas, vou dizer uma coisa: é à conta dela que eu aqui estou. Ou seja, isso tem um peso enorme no meu coração porque... Primeiro porque gosto muito dela e de a ouvir cantar e ela é uma referência muito profunda. E depois porque digo, obrigado Amália! Porque, por si, eu estou aqui. Portanto, acho que não quer emocionar-me outra vez.”
Cristina Branco não esconde o quão inspirador é pisar o mesmo palco que já foi dos Beatles, ou de Duke Ellignton ou Martin Luther King Jr ou, ainda há um par de dias, de Pat Metheny: "Completamente inspirador. Quanto mais não seja pelo facto de pensarmos que já passaram tantos nomes incríveis nesta sala, nós estarmos a pisar as mesmas tábuas, faz do momento qualquer coisa de muito especial".
Raquel Tavares concorda: "Sente-se, além da sala ser magnífica, além do público ser extraordinário, estar ali em cima é qualquer coisa de grandioso. E depois também gostava muito de ressalvar aqui uma coisa que é agradecer profundamente à Égide e à FLAD por esta iniciativa. E a toda a gente, à orquestra, a todos os parceiros e a toda a gente que esteve envolvida nisto".
"Porque em termos das condições que nós tivemos que foram extraordinárias, é preciso dar-lhes um grande abraço e agradecer-lhes profundamente esta iniciativa, porque não seria possível se não houvesse esta boa vontade e esta coragem de trazer esta orquestra, estes cantores, este repertório, e homenagear a Amália no Carnegie Hall. Foi uma noite memorável. Nós, a meio do concerto, já estávamos muito entusiasmados cá atrás a celebrar".
Acrescenta Cristina Branco que foi "um sucesso desde o início, tal como o Ricardo disse, por tudo o que nos trouxe aqui. Mas depois daquilo que nós estávamos a sentir a meio do concerto, como a Raquel diz, já celebrávamos porque já estava garantido. O sucesso era o facto de nós estarmos ali, de estarmos a cantar Amália e de estarmos a fazer qualquer coisa de memorável para as nossas vidas".
Acham que ela, Amália, ia gostar? "Tenho a certeza absoluta que ela ia amar. Acho que é uma homenagem lindíssima", responde Raquel. Vão repetir? "Sim, claro. Já está decidido? Já decidimos. Decidimos nós!", antecipa a emocionada cantora.
O Carnegie Hall foi casa para os cantores portugueses? "Foi casa! Não me parece pertencioso, mas poder dizer que o Carnegie Hall foi casa é o meu maior feito. Acho que esta noite, poder fazer acontecer este espetáculo, este repertório, com estas pessoas, os astros alinharam-se todos. Para este tipo de espetáculo acontecer da forma que aconteceu, há um fator de sorte, que é estarmos rodeados das pessoas certas, pelos motivos certos. E acho que viemos todos pelos motivos certos. Orquestra, maestro, meus queridos amigos e colegas".
Perguntámos a Raquel Tavares em que é que pensava quando estava a olhar para cima, à espera para poder cantar, a sorrir, a pensar em quê? "No meu caso em particular, é muito inesperado estar aqui. A cantar. No Carnegie Hall. A cantar. É muito inesperado. E, por isso, estou muito grata por estar a cantar. De novo".
Houve um momento em que o presidente da FLAD, Nuno Morais Sarmento, pediu para que todos os que nasceram em Portugal ou fossem luso-descendentes se levantassem. Viu-se praticamente toda a gente (os mais de 2500 que enchiam o Carnegie Hall) de pé, numa afirmação patriótica acompanhada de aplausos: "Eu devo dizer que foi um bocadinho para isso que este espetáculo aconteceu. Eu não sabia se aquele momento funcionava ou não, mas tinha o instinto que funcionava e quis passar uma mensagem de comunidade, de que (a vida) não é cada um por si, de que eles têm a força daquela sala, assim a saibam acariciar e desenvolver".
Sente que foi missão cumprida o que aconteceu aqui no Carnegie Hall? "Sim, de alguma forma sim. Nós começámos em Lisboa, não me esqueço, dia 20 de maio, que é o dia do aniversário da FLAD, com uma conferência grande sobre os oceanos. E depois com um concerto em Lisboa com conteúdo norte-americano, que tinha a ver com The City of Glass, do Paul Auster.
E acabamos em Nova Iorque, num concerto com conteúdo português. Portanto, procurámos fazer intencionalmente este caminho e com tudo o que fizemos no entretanto, acho que é missão cumprida por uma razão, porque ficaram mais algumas pontes, umas novas, outras reforçadas, que são outros tantos caminhos de trabalho para a frente.
40 anos depois, a FLAD vai continuar no mesmo rumo? Tem mudanças para os próximos 40? "Como é que vai ser? Para os próximos 40, não faço a menor ideia. Mas há uma coisa que vai acontecer nos próximos 4 anos, é este sublinhado, que de alguma forma ainda foi ligeiro, sobre os oceanos, o Oceano Atlântico. E portanto, nós vamos por aí, temos a ideia de desenvolver um conjunto de iniciativas, a começar já em 2026.
Vamos, aqui nos Estados Unidos, fazer algumas coisas que não se fizeram ainda. E portanto, o oceano é a primeira, nas suas diversas dimensões, perceber que é ali, se calhar, que temos, enquanto país, a solução para encontrarmos um caminho de diferenciação, de mais-valia do país. Eu acredito nisso".
O oceano já não é uma fronteira entre os dois países? "Não, é uma fronteira comum, que eu acho, francamente, que algumas das páginas mais importantes, pelo menos na relação destes dois países, ainda estão para acontecer, e vão talvez acontecer mais cedo do que pensamos. Quando pensamos, geostrategicamente, nos cabos submarinos, nos submarinos chineses a fazerem a rota do norte, nas realidades várias que nós sabemos estão a acontecer, isso torna desafiante um oceano de que nós somos com os Estados Unidos os principais responsáveis e participantes, os que estamos lá. E os Açores não são de menor importância nisto".