"Portugal não se fez com pessoas sedentárias." Festival "A Arte de Ser Migrante" arranca esta quinta-feira em Lisboa
Criado por duas investigadoras que quiseram levar o tema das migrações para fora da academia, o objetivo é desafiar estereótipos e construir empatia. O programa estende-se até domingo e que inclui debates, concertos, cinema e banda desenhada. A entrada é livre
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Migração
"Deslocação de populações de uma região para outra, ou de um país para outro, geralmente por motivos económicos ou sociais"
- Dicionário da Porto Editora, 2025
"Carte Blanche" (em português, Carta Branca) é a música que se ouve na peça da TSF sobre o festival "A Arte de Ser Migrante", que decorre nos Jardins da Bombarba, em Lisboa. É da autoria de Virgine Janela, uma compositora luso-suíça que toca guitarra portuguesa. Pela letra, em francês, e pelo instrumento lusitano que a acompanha, pode dizer-se que a canção representa algo que se pode encontrar neste evento: uma fusão de culturas e experiências.
Liliana Azevedo, uma das organizadoras do festival, afirma que não se pode separar a migração da história do país, e até da história individual de cada um. "Portugal não se fez de pessoas sedentárias. Podemos não ser migrantes, os nossos pais podem não ser migrantes, mas algures na nossa história há migrantes", sublinha, em declarações à TSF.
A programação é diversa, contando com conversas, registos e arte. "Destaco vários debates que vão sempre cruzar olhares entre investigadores de várias ciências sociais e artistas de várias disciplinas. Nós temos aqui da fotografia à literatura, o cinema, o teatro", indica.
Liliana Azevedo menciona a Borboleta (2024), uma banda desenhada de Madeleine Pereira que aborda a identidade. "[A autora] fez um trabalho de investigação sobre si própria e sobre a migração portuguesa". Madeleine Pereira é também uma das convidadas que marcará presença no festival.
Um outro destaque da organizadora vai para o filme "Além do Silêncio" (2025), do realizador luso-francófono Christophe Fonseca, com uma história próxima de muitas pessoas. "A experiência de vida dos portugueses no bairro Champigny-sur-Marne, em Paris, nos anos de 1960 e 1970. É um filme que ele demorou, como ele diz, muitos anos a fazer, que idealizou quando era adolescente, e três décadas depois é que o consegue fazer. É o primeiro visionamento público [da longa-metragem]", adianta Liliana Azevedo.
Outra distinção do festival, para Liliana Azevedo, é que o público também é chamado a participar. "Deixem os seus testemunhos, as suas reflexões, tragam objetos seus, fotografias, documentos, o que seja de migrações suas, das suas famílias, dos seus vizinhos. Eu acho que esse o momento alto, é o público também ser participante e não vir só para ver e ouvir", convida.
Liliana Azevedo é também investigadora em sociologia no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE). O seu trabalho foca-se nos estudos migratórios, tal como o de Amandine Desille, investigadora no Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa (IGOT-ULisboa). Após muitas conversas, começou a crescer a vontade de criar um espaço de reflexão sobre o que é ser migrante, e aí surgiu a ideia deste festival.
A socióloga sublinha que a migração não faz parte apenas do passado do país, mas também do presente, com a atualidade a ser marcada por notícias sobre refugiados, o conflito na Palestina, ou sobre deportações em massa concretizadas neste mandato de Donald Trump. "É urgente e necessário [falarmos da migração]. Não podemos ignorar a questão da migração. Temos de criar empatia e perceber o que é a experiência migratória", defende Liliana Azevedo.
Abril, para as organizadoras, é o mês ideal para realizar este festival. "A ditadura foi um dos motivos pelos quais muitas pessoas saíram do país. No 25 de Abril também houve vários fluxos de entrada. Portanto, achamos que esta é uma temática, que não podia passar despercebida neste aniversário", confessa.
O Festival "A Arte de Ser Migrante" começa esta quinta-feira à tarde, dia 3 de abril, e dura até domingo, dia 6, nos Jardins da Bombarba, em Lisboa. A entrada é livre e toda a programação pode ser consultada neste PDF ou no Instagram ou Facebook do evento.
