“Povo sem cultura é mais fácil de enganar.” Filarmónicas admitem acabar se forem obrigadas a pagar várias vezes pelas partituras
O assunto foi levantado pela Iniciativa Liberal (IL) que já apresentou um projeto-lei para garantir que estas bandas possam reproduzir gratuitamente partituras que já tenham comprado
Corpo do artigo
Na Sociedade Filarmónica Artistas de Minerva, em Loulé, o ensaio do naipe dos clarinetes vai começar. Os músicos, quase todos jovens mulheres, aquecem os instrumentos, ensaiam as primeiras notas. O professor diz-lhes para iniciarem com um pasodoble de um autor espanhol que já tinham tocado anteriormente. No dia 15 de dezembro, a banda sobe ao palco do Cine-Teatro Louletano para o seu concerto de Natal. Há que dar tudo por tudo para que o espetáculo corra bem.
A Sociedade Filarmónica Artistas de Minerva, em Loulé, existe desde 1876 e nunca parou a sua atividade. Está quase a completar a bonita idade de 150 anos. Mas, depois de saber que a associação AD EDIT– Associação de Editores de Partituras e Compositores pretende que também estas filarmónicas paguem por cada fotocópia das partituras, mesmo que as tenham comprado aos seus autores, instalou-se a preocupação. Em Loulé e em todas as filarmónicas do País.
O assunto foi abordado pelo deputado da Iniciativa Liberal Carlos Guimarães Pinto e na última quarta-feira, a IL apresentou no Parlamento um projeto-lei onde propõe uma alteração ao Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, para que, no seu artigo 81, passe a prever que a reprodução de obras é consentida "para uso exclusivo do detentor, de partituras e respetivas partes, adquiridas de forma lícita, quando a sua reprodução, por qualquer meio, se destine exclusivamente à utilização como cópia de trabalho, para estudo ou para preservação dos respetivos originais, em contexto escolar, académico, associativo, cooperativo, filantrópico ou por entidades públicas, sem fins lucrativos".
José Branco foi o maestro da Filarmónica Artistas de Minerva durante 34 anos e hoje é o presidente da Direção. "Se compramos marchas para usar na rua, não vamos comprar originais, nenhuma banda o faz", diz o músico, que lembra muitos dias em que tocam ao vento e à chuva e as partituras se estragam.
“Se já gastamos tanto dinheiro para comprar o reportório - e bem - porque devemos comprar aos compositores e às editoras, não faz sentido que se tenha que pagar a dobrar ou triplicar quando os papéis se estragam numa atuação”, alerta.
A Filarmónica assegura que compra aos compositores muitas das obras do seu reportório e José Branco dá um exemplo: só para o concerto de Natal gastou mil euros nessas novas composições que estão a ensaiar. A banda tem quase 70 músicos, vários professores, 218 alunos e muitas despesas.
”Já temos os encargos com a taxa da cultura que por ano letivo nos custa quatro mil e tal euros, encargos com a segurança social, se viesse mais esse encargo acabaríamos no caminho de muitas”, lamenta. E o caminho será o fim de muitas filarmónicas do país.
José Branco espera ainda que tudo não passe apenas de uma intenção que não terá seguimento: “Ninguém pode substituir as Filarmónicas. A não ser que venha o velho ditado 'Um povo sem cultura é mais fácil de enganar', se é isso que se quer, pois poderá acontecer”, critica.