
Uma das 134 obras escritas por Camilo Castelo Branco (A Brasileira de Prazins) serviu de base inspiradora ao chef Renato Cunha do restaurante Ferrugem.
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O último grande romance de Camilo Castelo Branco serviu de base à elaboração de uma ementa especial disponível num moderno espaço de restauração, onde se pratica uma cozinha de autor, no concelho de Vila Nova de Famalicão.
A iniciativa partiu do município da cidade minhota, empenhado em requalificar e dinamizar o coração da Rota Camiliana, um percurso delineado em torno da memória do escritor, que viveu um terço da vida em S. Miguel de Seide.
Ali podem ser visitados a casa de Camilo Castelo Branco; o Centro de Estudos Camilianos, desenhado por Siza Vieira, e outros locais relacionados com a presença do escritor, que deixou vasta obra.
Uma das muitas criações dadas à estampa esteve na base do menu, recheado de vitualhas, que deliciaram os personagens de um famoso romance de Camilo.
Uma das 134 obras (total de 180 volumes) escritas por Camilo Castelo Branco (A Brasileira de Prazins) serviu de base inspiradora ao chef Renato Cunha do restaurante Ferrugem, que aceitou o repto do município famalicense e criou uma ementa singular, descomprometida.
Pão, pataniscas e presunto de porco bísaro preenchem o prelúdio.
Para acompanhar, um Vinha da Bouça, um alvarinho de Ronfe (Guimarães), em vez do verdasco «em que o tanso do abade cascava rijo», tal como referido por Camilo, apreciador de pitéus hoje recriados graças a modernas técnicas de culinária.
O primeiro momento: «Sardinhas de escabeche? Se gosto!... Vamos a elas, que estão a dizer: comei-me». E, com «uma sofreguidão pelintra», sardinha, cebola e pimenta deliciam o palato.
Para cortar sabores, um elixir de limão e genebra, uma bebida tantas vezes referenciada por Camilo.
Mais intensos e com maior substância, os momentos seguintes.
Um divinal caldo de legumes e tora com feijoca branca, uma sopa rústica, pelo sabor e apresentação e, em seguida, imagine-se «a criada que surgiu, então, esfandegada, que o frango com arroz, era preciso comê-lo logo, que estava feito».
Um galo de raça amarela e arroz carolino, um típico pica no chão, servido sem coxas, nem peito, asas ou pernas, peças separadas inteiras.
Estufado o galo, os músculos da ave foram separados e reintroduzidos na fase final deste opíparo arroz.
De se lhe tirar o chapéu! E com harmonização perfeita: Pardusco Private DO 2012, um vinho verde tinto elaborado de acordo com técnicas utilizadas no século XIV.
E, para terminar, «vai uma pinga do choco»?
Pois bem: um Porto Cottas, um tawny 20 anos para saborear o arroz de leite.
Um manjar que, certamente, deliciaria Camilo Castelo Branco. Uma opinião corroborada por José Manuel Oliveira, diretor da Casa de Camilo.
«Camilo repetiria esta refeição e traria amigos, Tomás Ribeiro, (António Feliciano) Castilho e o próprio Eça de Queirós».
Alimentado o corpo, deixemos o restaurante Ferrugem na fregueisa da Portela para rumar a S. Miguel de Seide.
Na Rota Camiliana há vida, património e obra. Não só literária, valiosa, magnífica, farta.
Em marcha está um trabalho em várias frentes, adiantou José Manuel Oliveira, aludindo à requalificação da quinta como era no tempo de Camilo; à recuperação da casa dos caseiros e à colocação de nova sinalética no coração da Rota, onde, para além da Casa do Nuno e do cemitério, se encontram vários locais marcados pela presença do escritor.
Faltava dar este passo. A valorização da obra de Camilo Castelo Branco não é feita apenas com livros e visitas.
Há uma outra dinâmica movida pelas instituições, pelos parceiros que estão ligados à memória existencial e bibliográfica.
O Menu Camiliano do restaurante Ferrugem é mais um passo dado nesse sentido.