Rui Pedro Tendinha descreve António-Pedro Vasconcelos como homem "não consensual” que soube “encontrar o público”
O crítico de cinema privou com o cineasta algumas vezes em tertúlias e descreve-o como um homem de ideias e pontos de vista “muito fortes”.
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O jornalista e crítico de cinema Rui Pedro Tendinha lembra que António-Pedro Vasconcelos ainda estava em atividade. Lançou o filme KM 224 em 2022 e deixou ainda duas obras em pós-produção.
"Uma delas acho que tem a ver com o 25 de Abril. O António Pedro partiu hoje, mas ainda vamos ter António-Pedro Vasconcelos nos ecrãs e era alguém que estava sempre em movimento, precisamente. A marca que ele deixa é de alguém que soube sempre reinventar o seu cinema, era um contador de histórias, alguém que acreditava, contra tudo e contra todos num certo cinema português, na arte de contar histórias. Era um contador de histórias e era alguém que tinha uma visão própria e isto percebia-se", recordou à TSF Rui Pedro Tendinha.
O jornalista privou com o cineasta algumas vezes, em tertúlias, e descreve-o como um homem de ideias e pontos de vista “muito fortes”.
“Era um excelente conversador e não era consensual. Hoje em dia é preciso ter coragem para não ser consensual no cinema e defender ideias diferentes, sobretudo diferentes de certas correntes estéticas do cinema português. Ao querer fazer um cinema de grande público de qualidade, foi quase um pioneiro nessa tentativa de não fazer apenas o cinema mais autoral da arte e ensaio e nisso devemos todos muito ao António-Pedro”, lembrou o cineasta.
Para o crítico de cinema, António-Pedro Vasconcelos foge à identificação dos realizadores portugueses como criadores de cinema de autor porque pegava num argumento de outra pessoa e transformava-o em algo dele.
"Isso aconteceu algumas vezes e aí o António-Pedro fugia à regra, porque se formos ver todos os grandes nomes do cinema português fazem questão também de ser autores do argumento. O António, pelo contrário, pedia bons argumentos. Muitas vezes em Portugal um dos grandes problemas era não termos bons argumentistas, coisa que felizmente, neste momento, creio que já mudou e ele também percebeu isso. O António-Pedro tinha esse lado de querer fazer um cinema que também pudesse ancorar numa qualidade de cinema europeu narrativo que Portugal não tem, mas ele foi muito importante em querer mostrar que é possível e se virmos bem o seu filme Os Imortais está lá tudo, está narrativa, está uma boa realização e está um desejo de produção de qualidade e isso devemos muito ao António-Pedro porque lutou e mudou de produtores. Quis sempre levar essa ideia avante e acho que conseguiu”, explicou.
No entanto, Rui Pedro Tendinha afirma que, ultimamente, o realizador não estava a conseguir o público que tinha nos anos 1980 e 1990. Exemplo disse foi o filme KM 224.
"Não fez espectadores porque também estamos numa altura em que o cinema português, sobretudo quando tenta ter valores de qualidade, não encontra público. Sejamos francos, é um flagelo, mas Call Girl e Os Imortais são filmes de grande público, foram grandes sucessos e depois O Lugar do Morto, que na altura foi um grande sucesso do cinema português. Ele há pouco tempo, numa entrevista, disse que fez muito dinheiro, ou seja, na altura um filme com sucesso poderia gerar dinheiro a quem o produzia e, neste caso, foi ele que produziu O Lugar do Morto. Era um cineasta que soube encontrar o público e isto é muito raro. Sobretudo nos anos 1980 e 1990 ele foi muito importante e, com Joaquim Leitão, conseguiu esgotar sessões. Lembro-me que naquele período o Call Girl foi muito importante e tornou a Soraia Chaves uma Estrela em Portugal. Ele conseguiu encontrar ali uma maneira, com comédia, com triller, de encontrar público e sempre com projetos diferentes. Quem vê a sua filmografia percebe que ele quis ir aos géneros todos. Isso é notável”, acrescentou Rui Pedro Tendinha.