O Teatro da Cornucópia, fundado em 1973 em Lisboa e dirigido por Luís Miguel Cintra fecha portas este sábado. Os vizinhos mostram o desgosto. Eunice Muñoz visitou Luís Miguel Cintra.
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O dia foi estranhamente silencioso no Teatro da Cornucópia. Luís Miguel Cintra chegou de cara tão fechada ao último ensaio que nem via Eunice Muñoz. A atriz foi de propósito despedir-se.
Eunice Muñoz sabe bem o que custa sair de palco. Em 2013 foi obrigada a desistir da representação por causa da doença. Aos 88 anos diz respeitar as razões de Luís Miguel Cintra, "todos temos um momento em que desistimos, paramos. Ele tem as suas razões e terão de ser muito fortes. Deve ser muito difícil e muito triste ter de se afastar".
Na sua longa carreira, Eunice Munhoz subiu ao palco da Cornucópia apenas uma vez, "foi um prazer enorme estar em palco com o Luís Miguel Cintra. Tivemos um entendimento muito profundo".
A atriz tem o sorriso de sempre, aberto, enquanto fala. Mesmo quando está triste, como ficam todos os atores no dia em que fecha um teatro. "Sentimo-nos muito em baixo, fatalmente deprimidos. Temos um país que é o nosso, que eu amo, mas no que diz respeito ao teatro é tudo muito difícil".
O adeus
Sem programação anunciada para os próximos meses, a companhia de teatro decidiu por fim à atividade com um recital, de entrada gratuita às 16:00, a partir de textos do poeta francês Guillaume Apollinaire, com a participação de atores e músicos que têm trabalhado com o teatro.
Num balanço do percurso da companhia, será ainda lançado o segundo volume do livro "Teatro da Cornucópia - Espetáculos de 2002 a 2016", que reúne informação sobre 52 criações, e o DVD do espetáculo "Fim de citação", de Joaquim Pinto e Nuno Leonel.
O Teatro da Cornucópia foi fundado em 1973 por Luís Miguel Cintra e Jorge Silva Melo. A estreia deu-se com a peça "O Misantropo", de Molière, a 13 de outubro de 1973 no antigo Teatro Laura Alves, na Rua da Palma, em Lisboa, hoje transformado numa sapataria.
Em 1975 a companhia mudou-se para o Teatro do Bairro Alto (antigo Centro de Amadores de Ballet), onde permaneceu até à atualidade.
Em quatro décadas, centrou-se sobretudo na dramaturgia contemporânea "com a intenção de construir um teatro de reflexão com uma função ativa na realidade cultural portuguesa", como se lê no site do grupo de teatro.
Encenaram-se pelas de Shakespeare, Tchekov, Moliére, Genet, Pasolini, Strindberg, Holderlin, Brecht, Garcia Lorca, mas também Gil Vicente, Camões, Almeida Garrett e António José da Silva.
São "126 criações no histórico, três estreias mundiais, 25 textos dramáticos portugueses, dezenas e dezenas de atores de todas as gerações, encenadores convidados, espetáculos acolhidos e coproduzidos", elencou o teatro.
Na rua onde está instalado o teatro da Cornucópia, os vizinhos ouvidos por Dora Pires revelam a mágoa que sentem com o encerramento da companhia.
No teatro da Cornucópia ninguém quis falar com os jornalistas.