Abre ao público este sábado, a exposição que se espalha por Lisboa a mostrar 400 anos de escravatura em Portugal.
Corpo do artigo
Chama-se Prisão de Escravos a peça que bem pode servir de arranque para esta exposição. Por causa dela, logo à entrada do Museu de Etnologia ficamos presos. É uma peça pequena. Negra. De ferro. Arrepia porque se percebe que foi realmente usada.
"Servia para prender uma pessoa pelos tornozelos e pelos pulsos, ficava dobrada, totalmente subjugada", conta Paulo Costa, diretor do Museu de Etnologia. Por cima das grilhetas de ferro está uma gravura, cedida pela Biblioteca Nacional, um desenho algo ingénuo que acumula corpos lado a lado, no fundo de uma embarcação, não cabe nem mais um fósforo. "Quando coloquei o desenho, ocorreram-me outras imagens, que nos chegam todos os dias pela televisão: a dos refugiados, em barcos sobrelotados. Não é escravatura, mas há algo semelhante na desumanização".
TSF\audio\2017\04\noticias\21\dora
Anabela Valente, uma das comissárias da exposição aponta resquícios bem mais concretos do racismo, que vê como herdeiro da escravatura, "até nas palavras, os termos usados, por exemplo, para descrever o cabelo dos negros, é carapinha ou lã. O termo mulato, é uma palavra derivada de mula. Animalizavam, não reconheciam o estatuto de pessoa e ainda hoje usamos esses termos".
Outra comissária, Ana Cristina Leite começa a traçar o roteiro, ou um roteiro possível: a escravatura foi formalmente abolida em Portugal em 1869, por uma lei do Marquês Sá da Bandeira, mas ali na Biblioteca Central da Marinha podemos encontrar um documento, uma imagem, de um barco abordado - porque já era crime e a Marinha fiscalizava - onde um chefe africano está a transportar um grupo de escravos também negros".
Entre bibliotecas, museus, teatros ou arquivos foram dezenas as instituições que responderam ao desafio de trazer para a luz do dia alguma peça, geralmente guardada até agora, que nos ajuda a perceber melhor quem foram e sobretudo para que serviam estas pessoas.
Temos um papel moeda de uma empresa que comercializava escravos, no Museu do Dinheiro. Temos registos do negócio nos arquivos de Tribunal de Contas.
Depois há naturalmente muitos quadros. Ana Cristina Leite vai dando pistas. No Museu de Arte Antiga, uma pintura de uma mulher negra que era vendedeira, portanto já emancipada, livre. No Museu de Artes Decorativas, outro quadro a óleo mostra uma senhora, à porta de uma igreja, "acompanhada pela sua escrava, porque na capital as mulheres serviam muitas vezes de amas". O próprio Palácio de Mafra, "que só foi erguido graças ao outro do Brasil, extraído da terra pelos escravos" ou a bula papal, na Torre do Tombo, "que autoriza o Infante D. Henrique a comerciar negros em África".
Até final do ano, a memória da escravatura está de volta a Lisboa, "a cidade onde quase todas as famílias tinham escravos. Quantos mais tinha, mais rica era"