"Vamos comprar o acervo d'A Cornucópia e integrá-lo no Museu Nacional do Teatro"
A notícia do encerramento do Teatro da Cornucópia foi conhecida em dezembro. Na altura, Luís Miguel Cintra, fundador da companhia, disse que a decisão tinha sido tomada devido a cortes nos subsídios.
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O convidado da entrevista TSF/DN é o ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, nascido em 1950, em Idanha-a-Nova. Muito antes de o conhecermos nestas funções que desempenha há um ano, já era um poeta premiado, foi diplomata...
Continuo a ser embaixador, embora esteja na disponibilidade em serviço.
Veio de uma função diplomática para o Governo, quando estava a pensar em deixar a atividade.
Estava a pensar na reforma. Já passei à disponibilidade, que é como a reserva dos militares, uma espécie de pré-reforma. Estava a pensar no que ia fazer após acabar o meu período de carreira ativa. O convite do primeiro-ministro veio surpreender-me no meio da preparação de uma visita do Presidente da República a Estrasburgo. Estava no fim da minha carreira diplomática e vim assumir estas funções, com muita honra. Fui convidado no dia 9 de abril e tomei posse no dia 14 de abril.
Foi muito difícil decidir?
A decisão foi rápida porque o primeiro-ministro não me deu muito tempo. Foi entre as oito e a meia-noite. Quando me telefonou eu estava no metro, em Paris, na estação de Monceau. Não achei estranho, não só porque tenho relações pessoais de amizade com o primeiro-ministro, António Costa, como estávamos a preparar uma visita do Presidente da República, poderia haver qualquer coisa que o primeiro-ministro tivesse... E fui surpreendido com o convite. Pedi para pensar uma noite e foi-me dito que tinha de dar uma resposta até à meia-noite desse dia e aceitei. E acho que fiz bem, sinceramente.
Passado um ano continua a pensar que fez bem?
Continuo a achar que fiz bem.
Pensou que - vamos usar aquela palavra que não se deve usar ao pé dos ministros - a geringonça ia aguentar-se tão bem e tanto tempo?
Eu apostei muito... Pessoalmente, sou muitíssimo a favor da solução que foi encontrada, do apoio de toda a esquerda a um governo do PS. Isto corresponde exatamente àquilo que eu desejava, como próximo do PS. Só não fui militante porque as minhas funções diplomáticas não me permitiam ter uma militância ativa.
Mas era lá que estava o seu coração?
Sempre estive próximo do PS, sempre tive uma ligação - que é, aliás, conhecida por todos os meus colegas - ao PS que, aliás, nunca me prejudicou na minha carreira diplomática. Era conhecido como uma pessoa do PS, mas não sou militante, nunca entrei nas decisões internas do partido. Sou um independente. Neste momento, tenho o estatuto de simpatizante, porque me inscrevi para as primárias que deram a vitória a António Costa como secretário-geral do partido.
A minha pergunta era se pensava que a solução, independentemente de estar de acordo com ela, ia aguentar tanto tempo.
Todos nós tínhamos dúvidas quando nasceu a geringonça. Começou por ser um termo depreciativo, mas hoje tornou-se já um termo simpático. Vê-se, pelas sondagens de opinião, que os portugueses estão contentes com a solução. No início, todos estavam perplexos porque não havia uma tradição de unidade de esquerda em Portugal desde o fim do fascismo. Em 1975/1976, houve confronto entre uma visão de sociedade do PCP e a visão de sociedade do PS. Esse confronto tem 40 anos e, à luz da situação económica e mundial da época, tinha um significado. Embora haja diferença e divergência de posições, de conceções, nomeadamente no que respeita à Europa, entre o PS, o PC e o Bloco de Esquerda, em todo o caso há hoje uma convergência num ponto que é nós sermos capazes, dentro da Europa - é a nossa aposta, enquanto PS, dentro da Europa -, de mudar as políticas europeia. É difícil, mas trabalhamos para isso. E, internamente, conseguir ao mesmo tempo repor rendimentos e direitos, integrar precários, e no que toca à Cultura - repor os cortes que foram feitos.
Esse retorno aos valores anteriores está a avançar. Creio que estão à volta dos valores de 2010, não é? Estamos em 2017...
Quando se discutem números há sempre várias maneiras de olhar. O nosso objetivo é retomar o nível de apoios à cultura que eram dados em 2011. Essa reposição, como a reposição salarial, como os escalões do IRS, faz parte de todo um conjunto de grandes objetivos que temos para a legislatura e para além da legislatura, se tivermos a vitória nas eleições. Como o primeiro-ministro disse, somos favoráveis à continuação do acordo parlamentar com os nossos parceiros para além das eleições. Isso depende do que acontecer nas eleições em 2019. Essas reversões estão a ser feitas. Estamos a recuperar os cortes feitos às fundações. Ainda recentemente houve a notícia de 600 mil euros para a Casa da Música. Mas isso não é apenas um donativo à Casa da Música. É um processo, é um programa político de reversão dos cortes feitos a todas as fundações - Casa da Música, Serralves, a Fundação do Douro, o CCB... Queremos repor a capacidade, repor o financiamento do Estado.
A Lei das Fundações está a caminho de ser alterada?
Não. Está a referir-se à Lei-Quadro das Fundações - para irmos diretamente ao assunto que está a pedir. Desejamos revê-la e nalgumas coisas, repare, já alterámos, nomeadamente na capacidade de apoio pelas câmaras municipais às fundações de que são fundadoras, ao nível, pelo menos, da aquisição de bens e serviços. É um processo gradual. Nós não vendemos ilusões e não dizemos que vamos obter os nossos objetivos imediatamente, amanhã ou daqui a um mês. O que estamos a fazer vai neste sentido: estamos a repor as bolsas de criação literária, estamos a reforçar o apoio às artes - ainda agora com mais 2,5 milhões de euros, estamos a equilibrar financeiramente... Desculpe, mas eu estou a referir-me agora à área da comunicação social.
Também é da área do seu ministério, portanto, naturalmente...
Não é por acaso que a área da comunicação social está na Cultura. É porque nós pensamos que a comunicação social é um meio de difusão de cultura e queremos reforçar na comunicação social. Na que é tutelada pelo Estado - as empresas públicas Lusa e RTP -, queremos reforçar a componente cultural e queremos, também, apoiar toda a comunicação social no sentido de encontrarmos trabalho comum entre a comunicação social e a cultura. Estava a dar à comunicação social a sua dimensão de cultura e é por isso que é fundamental que a comunicação social esteja na área da cultura. Abrimos mais dois canais de TDT e vão abrir mais dois depois de um concurso. E conseguimos - e, aqui, vamos falar outra vez em reversões, vamos voltar às reversões - um reforço financeiro de 20%, bastante forte, à Agência Lusa, que tem um papel importante como agência noticiosa, internacional, portuguesa e virada para Portugal e para os países de língua portuguesa e as comunidades portuguesas no mundo.
Portanto, com o pouco dinheiro que tem... Porque, vamos concordar, tem pouco dinheiro.
Quem não tem?
Em particular, a Cultura tem sempre pouco dinheiro.
Pergunte a qualquer um dos meus colegas se tem o dinheiro que desejaria.
Que instrumentos arranjou para reverter esse problema do pouco dinheiro?
Tivemos um reforço de 19 milhões, entre o Orçamento de 2016 e o Orçamento de 2017.
E isso vai continuar? No próximo ano, prevê que haja um reforço?
Eu gostaria que fizesse essa pergunta ao primeiro-ministro. E ficaria muito contente.
Imagino que já anda a fazer contas.
Todos andamos a fazer contas, naturalmente. Mas penso que o sinal é bom. Já tivemos um reforço de 19 milhões de 2016 para 2017 e, no futuro, vamos ver. Porque tudo depende, também, de variáveis e de condicionantes que não dependem de nós. Temos os nossos compromissos europeus, como se sabe, os compromissos relativamente ao défice, à execução orçamental e, portanto, é um equilíbrio entre as exigências europeias, as exigências de consolidação orçamental e o nosso desejo de fazer de uma maneira diferente essa consolidação. Penso que está à vista de todos os portugueses que durante este ano conseguimos obter resultados, por exemplo, relativamente ao défice, superiores a todos os anos anteriores - inclusivamente dos tempos mais prósperos - e, no entanto, conseguimos aumentar salários, conseguimos aumentar pensões. Claro, aumentámos os salários e pensões aos níveis mais baixos e, como os nossos salários são muito baixos, há pessoas que dizem: "Mas na minha pensão ninguém tocou". Bom, está bem, mas é uma pensão de topo da função pública. O que acontece é que os salários em Portugal, pelo menos os salários da função pública - e eu sou um funcionário público -, são muito baixos.
Disse há pouco que havia algumas linhas que tinha conseguido avançar. Uma delas é o regresso das bolsas de criação literária. Estive a ler o documento e falta saber quando e como e com quanto dinheiro se pode contar.
Posso-lhe dizer, são 180 mil euros, para já. Prevemos que as bolsas de criação literária sejam 12. Estamos a terminar a constituição do júri. O regulamento já está pronto, foi publicado na Portaria nº 123/2017, mas, para quem quiser consultar, é no Diário da República nº 61/2017, Série I, de 27 de março. Digo isto porque tenho recebido muitas perguntas sobre o assunto e, portanto, basta consultar o Diário da República. São definidas as modalidades de ficção, poesia, dramaturgia, banda desenhada e obras para a infância e juventude. As bolsas de criação literária foram interrompidas em 2002. Agora vamos conceder as bolsas de criação literária com duas inovações: vamos admitir também a banda desenhada e a literatura infantojuvenil. E vamos fazer também uma aposta nos autores novos, com obra não publicada. As bolsas serão concedidas por um júri - enfim, o número não é muito grande e o crivo tem de ser apertado - que terá pessoas responsáveis de todas estas áreas de criação literária. O júri fará a seleção dos pedidos de bolsa e decidirá a quem serão atribuídas. Estas bolsas têm, em princípio, 1250 euros por mês, o que dá a possibilidade aos que forem beneficiários de se dedicarem, em exclusividade, à escrita. Não é, obviamente, compatível com o exercício de outra atividade remunerada. As bolsas destinam-se a um projeto, como uma bolsa científica. Há um projeto e o autor, no fim, terá de apresentar um projeto literário. O projeto literário é julgado pelo seu mérito, tendo em conta a capacidade do criador, mas não forçosamente por ter obras publicadas, porque podem candidatar-se autores inéditos. E atribui-lhe depois uma bolsa mensal, de 1250 euros, pelo prazo ou de seis meses ou de um ano.
As linhas de apoio às artes que foram anunciadas, no valor global de 2,5 milhões de euros, têm uma primeira, que é de 1,5 milhões, com 64% de aumento em relação ao ano anterior. E a linha de apoio extraordinário?
Diz respeito a entidades já apoiadas pelo Estado, com contratos plurianuais. Enquanto a linha de apoio de 1,5 milhões de euros dá apoio a projetos pontuais que uma entidade qualquer de edição, de teatro, de dança, de qualquer atividade de criação artística, peça para eventos pontuais. Estes apoios na ordem de um milhão e meio de euros - que tiveram um aumento de 64% - permitem mais projetos (mais 42% de projetos podem ser apoiados relativamente a 2016) e novos patamares máximos: os projetos poderão ir até 40 mil euros, contrariamente a 30 mil euros no ano passado. Mas isto são os apoios pontuais. Quanto aos apoios plurianuais, está a ser elaborado um novo regulamento de apoio às artes, que está a ser submetido a uma consulta intensa e muito alargada do setor - com mais de 500 consultas pessoais e um inquérito. Os apoios plurianuais destinam-se a que, durante o intervalo entre um modelo de apoio e o novo modelo, não deixe de haver a atividade artística. Os contratos plurianuais são prorrogados, damos 11,3 milhões a essa prorrogação. E lançámos uma linha de apoio extraordinário de um milhão de euros para as entidades com contratos bienais, quadrienais ou tripartidos que tenham sofrido corte face ao apoio de 2011. Cada entidade poderá receber até 25% do orçamento, face ao apoio em curso, um reforço até 30 mil euros, não podendo ultrapassar a verba recebida em 2011. Estamos a retomar o financiamento às artes. Dirá que é insuficiente. Também no que fizemos nos salários e nas pensões ainda falta muito para fazer. No entanto, estamos a fazer.
Há um mês, disse ao Expresso que, quando chegou, encontrou uma situação em que os instrumentos administrativos estavam completamente desarticulados. Esse trabalho foi o primeiro que teve de fazer?
Quando chegámos ao ministério - e agora refiro-me ao governo, e não a mim, pessoalmente, a situação no Ministério da Cultura era muito grave pela fusão acrítica de serviços que foi feita.
Está a falar mesmo do momento em que João Soares chegou a ministro da Cultura?
O João Soares não teve tempo, naturalmente em três meses, de dar resposta. E nós também ainda estamos no processo de dar resposta. Um dos pontos em que me bato para que haja uma alteração, que é difícil por razões administrativas e financeiras, é chegar a uma autonomia dos Livros relativamente aos Arquivos. Misturar as estruturas de Apoio ao Livro e às Bibliotecas e à Promoção do Livro com o Arquivo Nacional não deu bom resultado. Como englobar os museus e os monumentos na DGPC, juntamente, ainda por cima, com a Direção Regional da Cultura de Lisboa e Vale do Tejo. Houve aqui um processo de aglomeração de serviços acrítica.
Que resultava de critérios económicos, não?
Era preciso cortar. Era preciso cortar e cortava-se. São os chamados cortes cegos, fusões acríticas. Tínhamos os cortes de financiamento, são conhecidos de todos, tínhamos uma relativa secundarização da Cultura, que também era clara. O facto de a Cultura ser ministério não é apenas simbólico, na medida em que o ministro tem acesso ao Conselho de Ministros. Além de ser um sinal simbólico da importância da cultura, além de o Ministério da Cultura ter também a comunicação social, não há dúvida nenhuma que passar de secretário de Estado a ministro tem significado, contrariamente ao que alguns estão a dizer. Mas a situação que encontrámos era essa: os serviços desmobilizados, frustrados, sofrendo cortes e críticas, não sendo prezado o seu trabalho. Os funcionários públicos eram os culpados de tudo - em geral - e havia uma desmobilização e um desgosto na estrutura administrativa da Cultura. Nós damos muita importância a esta estrutura administrativa, às nossas direções-gerais, aos nossos museus, aos nossos monumentos, que enfrentam grandes problemas de gestão, não apenas pelos cortes que têm, mas também pelas dificuldades que este modelo administrativo, perfeitamente caótico, introduziu. Se me disser: "Mas tem já a solução?" Não, não temos a solução na mão.
Porque é mais fácil desfazer do que fazer?
Ora aí está. Mas penso que também aqui o processo de descentralização vai ajudar-nos a repensar todo o modelo. Estamos a trabalhar que na descentralização. Mas isso é uma matéria em que estamos a trabalhar coletivamente no governo e que interessa a todos, não é uma matéria para eu estar aqui a desenvolver.
Mas acaba de dizer, portanto, que essa descentralização...
Vai ajudar. Vai ajudar.
É verdade que a cultura não vive apenas do Ministério da Cultura, vive muito das autarquias, não é?
Exatamente!
A própria verba que está disponível para a Cultura não é apenas a do Orçamento do Estado.
É isso que eu tenho também tentado dizer. Quando se olha para o orçamento do Ministério da Cultura, não se está a olhar para o orçamento público na Cultura. Porque nós estamos a contar com as autarquias locais e com as empresas públicas. As autarquias têm tido um notável ativismo cultural que apoiamos e que entendemos que deve ser impulsionado. Tem dado apoio a coisas notáveis: museus municipais, teatros municipais - não vou agora citar nenhum para não criar problemas. Eu tenho visto por esse país...
Imagino que tendo vivido muitos anos fora de Portugal, visto que foi diplomata, a realidade que encontrou no mundo cultural do país era muito diferente da que conhecia antes.
Bom, eu tinha acompanhado em Lisboa. Embora vivesse no estrangeiro, acompanhava o que se passava aqui. Vinha muito a Lisboa, fui chefe de gabinete no governo Guterres. Na altura, vi como o Ministério da Cultura ganhou expressão. Mas a minha surpresa ao regressar ao país foi tudo o que se passa no interior do país. O que se passa nos grandes centros eu sabia, mesmo vivendo no estrangeiro e vindo aqui passar férias a Lisboa e ao Algarve. O que tenho visto nos meus percursos pelo país, o que eu tenho visto de ativismos, de vontade de fazer coisas, de muito maior qualificação dos jovens é notável. Estou profundamente impressionado.
Hoje a cultura portuguesa mostrada no estrangeiro já não é só o que se passa em Lisboa?
Absolutamente. Nós temos a ação cultural externa, que está a ser coordenada entre o Ministério da Cultura e o Ministério dos Negócios Estrangeiros e estamos a trabalhar seriamente numa integração dos recursos da política cultural externa que o Instituto Camões desenvolve e das nossas linhas de internacionalização que passam pelas nossas direções-gerais. Estamos a fazer um trabalho em comum. É verdade o que diz: o que temos mostrado no estrangeiro não é apenas o que se produz em Lisboa, Porto, nos grandes centros. Recordo que estive recentemente em Estrasburgo, numa iniciativa da Câmara Municipal de Idanha-a-Nova (desculpem citar a minha terra natal), que conseguiu fazer um programa cultural e gastronómico e uma feira no mercado de Natal de Estrasburgo, que é o mais importante mercado de Natal da Europa central - enfim, também há os de Viena e de Berlim, mas Estrasburgo está na confluência de muitos países. Nesse mercado de Natal, frequentado por centenas de milhares de pessoas, Portugal esteve presente como país convidado, com os produtos portugueses, com manifestações gastronómicas, provas de vinhos, manifestações culturais, orquestra de câmara, o coral... Isto é só um exemplo, podia dar muitos mais, mas já agora dou o da minha terra e o de Estrasburgo, que foi a cidade onde eu estive em posto e onde fui muito feliz.
A banca também tem tido um papel importante no financiamento da cultura. A crise da banca não veio complicar isso tudo?
É evidente. Os bancos são mecenas. Queria prestar testemunho ao Millennium BCP, ao BES, ao BPI que também tem prestado apoio, nomeadamente à Casa da Música, a Serralves...
O próprio Montepio também.
O Montepio, sim. Todos os bancos têm o seu mecenato. Com a crise financeira e com os problemas que os bancos têm vindo a enfrentar, é claro que temos uma redução do nível do mecenato. Penso que era a isso que se estava a referir.
Era a isso, era, exatamente.
Neste momento, todos podemos ser mecenas, sem sermos bancos.
Está a falar do 0,5% do IRS?
Exatamente. No IRS pode, no quadradinho do apoio a instituições, pode colocar, a instituição a que quer que sejam dados 0,5% do imposto que paga. Pode subsidiar, diretamente, a instituição cultural da sua escolha - não estatal, porque estes subsídios nunca vão para o Estado, vão para instituições, ranchos folclóricos, orquestras. O cidadão escolhe o rancho folclórico da sua terra ou o teatro Rivoli do Porto, por exemplo - que me desculpem todos os outros teatros municipais -, para inscrever o seu contributo.
Pouco tempo depois de chegar ao ministério, teve uma espécie de momento zen, com A Cornucópia. Há alguma coisa que o ministério ainda tenha para fazer relativamente à Cornucópia?
Nós estamos a trabalhar, e já há muito tempo, com A Cornucópia. Uma vez assumida, pelo Luís Miguel Cintra, a decisão de terminar o teatro, tomámos a decisão de ir continuando a dar um apoio significativo à Cornucópia, para o futuro das instalações e do seu acervo. O acervo d'A Cornucópia é riquíssimo, desde os cenários da Cristina Reis, aos fatos, a... enfim, toda a história d'A Cornucópia é um bem que consideramos um bem patrimonial de grande importância. Por isso, decidimos comprar esse acervo e integrá-lo no Museu do Teatro e da Dança. É, portanto, essa a notícia...
Isso é uma grande novidade.
É a notícia que eu trazia para lhe dar.
Obrigada, mas é uma notícia sobretudo importante para A Cornucópia.
A Cornucópia já sabe, naturalmente. O momento zen a que se refere foi um momento emocional. Nós todos estávamos comovidos com a hipótese de A Cornucópia acabar, embora soubéssemos e estivéssemos já a trabalhar com eles no sentido de criar condições para uma preservação do acervo e na questão do edifício. Como sabe, o edifício é alugado, mas estamos em conversações com os proprietários e está tudo a correr muito bem. Lamentamos imenso a situação pessoal do Luís Miguel Cintra... Mas repare, o Luís Miguel Cintra, neste momento, está a fazer teatro, está a fazer o Um D. João Português, em várias cidades. Ele nunca está parado. Mas compreendeu que não tinha condições para dar continuidade à companhia.
A vida de ministro da Cultura não deve ser tão calma como em certos sítios onde esteve como diplomata. Embora possa dizer que quando esteve como cônsul no Rio de Janeiro tinha a casa aberta, não é?
O Palácio de S. Clemente, onde era a Embaixada de Portugal, foi construído no final dos anos 1950/60 e é um edifício lindíssimo. É um edifício de arquiteto português, escultores portugueses, pintura portuguesa - belíssimo. Em 1961, a capital mudou para Brasília mas a nossa embaixada só mudou em 1972 para Brasília (em 72 ou 74, agora não tenho a certeza)...
Com um belo edifício de Chorão Ramalho.
Sim, uma bela chancelaria. E pensou-se: "para que vai servir este palácio no Rio de Janeiro, uma vez que é apenas um consulado geral?" Como o palácio foi mantido, a ideia que tivemos - e, antes de mim, um antecessor meu, já falecido, o José Guilherme Stichini Vilela - foi transformar o palácio num centro cultural permanente não apenas para a cultura portuguesa, mas para os brasileiros, para os cariocas, para os meus amigos do Rio. Tivemos lá lançamentos da TV Globo, o lançamento da novela Os Maias, com o Mário Vieira de Carvalho a explicar a música d'Os Maias, o Carlos Reis a dar cursos aos atores da Globo sobre a densidade das personagens. Fazíamos lá concertos semanais, lançamentos de livros, e tornámos o palácio, penso eu e acho que não estou a ser imodesto, uma referência na cultura do Rio de Janeiro. Há uma outra grande referência da cultura portuguesa no Rio de Janeiro, que é o Real Gabinete Português de Leitura que também terá novidades, mas isso são os Negócios Estrangeiros...
Vai haver novidades?
Deixe o meu colega dos Negócios Estrangeiros, mais tarde, falar sobre isso. Respeito muito as competências dos meus colegas.
A sua vida diplomática começou com dois grandes sobressaltos: foi para Luanda quando abriu a primeira embaixada e houve o golpe Nito Alves; e depois foi para Madrid e houve o golpe de Tejero de Molina. Não voltaram a acontecer-lhe coisas assim?
Foram os meus dois primeiros postos. Depois fui para Paris e Paris, nesse aspeto, foi uma desilusão... Não houve nenhum golpe de Estado em França, as instituições democráticas mantiveram-se. Angola foi uma experiência muito especial, porque eu tinha... enfim, tínhamos saído do PREC, em que eu era muito novo...
E esteve muito envolvido.
Estive, com o Melo Antunes, com quem trabalhei. Era também ligado ao Jorge Sampaio, ao Grupo de Intervenção Socialista; sou um ex-MES, sem ter sido MES. Foram, realmente, dois momentos fortes: esse de Angola, o golpe do Nito Alves; e o golpe do Tejero. Se quiser posso contar histórias sobre esse tempo, mas não sei se tem tempo.
Tem tempo para escrever?
Cada vez menos, mas não é o tempo de trabalho, é a disponibilidade mental. Enquanto fui chefe de gabinete de um membro de governo Guterres escrevi imensos livros e tinha imenso trabalho! Mas o trabalho, quando se está deste lado, quando se é responsável, é diferente. Há uma tensão. Não para, a cabeça não para. Portanto, não tenho tido disponibilidade para escrever. Espero voltar a ter. Até antes de sair do governo, espero voltar a escrever. De qualquer modo, já agora aproveito para fazer publicidade - se calhar não devia -, mas para o ano, em 2018, daqui a um ano, devo lançar as minhas poesias reunidas. Não serão completas, porque espero não morrer. Há muita coisa que está esgotada. Neste momento, só tenho três livros no mercado e queria recuperar tudo isso e fazer uma edição da poesia reunida.
A entrevista ao ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, passa na antena da TSF este domingo, depois das notícias das 13h.