O padre Vasco Pinto de Magalhães é o segundo convidado do novo programa da TSF com a colaboração de 7Margens
Corpo do artigo
À primeira questão colocada, sobre o suposto elitismo jesuíta, o padre Vasco Pinto de Magalhães, entrevistado no programa Vidas Com História, da TSF e com a colaboração do 7MARGENS, foi respondendo que a sua ordem religiosa faz o que outras não fazem. Caminham, como Santo Inácio lhes ensinou, pelas diferentes culturas, de forma missionária, mas não desprezam outras actividades, mesmo de carácter social, como a pastoral da terceira idade e das pessoas ciganas, no Algarve, em Sines e no Porto, com imigrantes.
Os jesuítas foram expulsos de Portugal por três vezes: pelo Marquês de Pombal, pelo Liberalismo e pela Primeira República. O Marquês, recorda o padre Vasco, conseguiu a proeza de deixar o país, por um século, sem os 30 colégios secundários que, na época, eram por eles dirigidos.
Havia outra espécie de elitismo nas cortes europeias, em Portugal, Espanha e França: entre a classe eclesiástica há, por vezes, irritações pela diferença de preparação cultural, artística e pastoral.
Uma mãe e um pai exemplares
Vasco Pinto de Magalhães nasceu na freguesia de São Sebastião da Pedreira, em Lisboa, em 1941. Contavam-se já aos milhões os mortos da Segunda Guerra Mundial.
O padre Vasco enaltece o papel dos seus pais, oriundos de Lamego. “A mãe tinha um grande poder de encaixe e era muito discreta. O pai, engenheiro agrónomo, era um apaixonado pelo râguebi, incentivando a construção de três estádios, a nível nacional. A paixão pelo râguebi foi transmitida ao filho, que seria também jogador da seleção de râguebi de Lisboa, enquanto estudava engenharia no Instituto Superior Técnico de Lisboa, depois de ter frequentado, sem sobressaltos, o Colégio de São João de Brito.
Com cinco irmãos (uma já falecida), Vasco tinha o selo de “herdeiro da família”. Teve duas namoradas, uma já falecida, e a outra era “bem exigente na vida cristã”.
Nunca o apoquentou a dialéctica entre ciência e fé. Uma leitura atenta das teses do jesuíta cientista Teilhard de Chardin, que muito estudou e a que ainda recorre. Cita ainda a Morais Editora que publicou, nos finais dos anos 50, o pensamento deste paleontólogo e místico, da filosofia e da teologia.
Não olhando com simpatia para os padres diocesanos, depressa se consolidou a ideia de tornar padre jesuíta, “sem clericalismo nem beatice”. Em Março de 1965, entregou-se à Companhia de Jesus. Estudou Filosofia, em Braga, na Universidade Católica, onde se licenciou em 1970. Esteve, entretanto, no Colégio das Caldinhas, em Santo Tirso, como prefeito e professor. No ano seguinte, em 1971, ruma para a Universidade Gregoriana de Roma. Quatro anos depois, licencia-se em Teologia Espiritual.
Entre outras actividades, foi, durante oito anos, mestre de noviços, em Coimbra, defendendo sempre o lema transcrito nos Exercícios Espirituais de Santo Inácio, um ex-militar espanhol, fundador da ordem da Companhia de Jesus no século XVI: “O mais importante é ter a liberdade de escolher a vontade de Deus.”
A brigada negra e o centro cultural
Os jesuítas só no início foram “uma brigada negra do Papa”, numa alusão às batinas negras que envergavam. “Hoje já não se regem por essa imagem”, afirma o padre Vasco na entrevista, “e muito menos seria por qualquer brigada vermelha”. Fala com saudade do padre Pedro Arrupe, um dos superiores gerais mais eminentes da Companhia de Jesus, que morreu em 1991. Recorda que o padre Arrupe estava em Hiroshima, no Japão, quando foi lançada a bomba atómica. Seria ele a incentivar, no início da década de 1980, os três jesuítas que já trabalhavam em equipa e iriam fundar, em Coimbra, o Centro Universitário Padre António Vieira: Vaz Pinto, Alberto Brito e Vasco Magalhães.
O jesuíta de quem se fala foi ordenado em 1974, o mesmo ano da Revolução de Abril. Estava a estudar em Roma. A televisão italiana era o espelho que lhe levava a tensão da democracia recém-instaurada em Portugal.
Apesar de ter estudado engenharia (revelou, entretanto, que preferia a arquitetura), dedicou-se de modo persistente à bioética (outro jesuíta, o padre Luís Archer, foi o seu maior dinamizador em Portugal).
Em 2016, o padre Vasco regressa a Lisboa, para a comunidade da biblioteca e revista Brotéria, onde reside agora. Orienta exercícios espirituais e dá apoio a grupos de casais, em acampamentos do CAMTIL, movimento de campos de férias e tempos livres dos jesuítas.
No Centro Cultural Brotéria, recentemente restaurado e já em alta, no Bairro Alto, em Lisboa, entende-se que a cultura não é apenas uma manifestação estética, mas um desafio a lançar no interior das pessoas com linguagens libertadoras. E queixa-se da indefinição que vai no reino da arte e da beleza. Na exposição de peças por ele esculpidas, escritas ou desenhadas e que, em Fevereiro, esteve patente na Igreja da Encarnação (Chiado, Lisboa), onde é pároco, refere, de modo especial, um crucifixo em latão e uma pintura aproximada à Guernica, de Picasso.
O padre Vasco meteu-se com Picasso, um pintor ateu? Sim, mas o ateísmo é também uma fé, uma crença. Só o diálogo pode permitir a compreensão entre crentes e ateus. “É minha convicção que é preciso ter muita fé para ser ateu”, afirma.
Clericalismo, mundanismo e o diabo
“Há, evidentemente”, diz o padre Vasco, uma crise política provocada pela extrema-direita no mundo global, que também atinge a Igreja. Quanto a esta, citando o Papa Francisco, “a questão está entre o clericalismo e o mundanismo”. A saudade do latim é uma das frentes do clericalismo. Mas o mundanismo, em que vale tudo, é tão perigoso quanto o clericalismo, acrescenta.
“O medo que percorre o mundo tem de ser ultrapassado. No fim, a fé e o amor ganham! São precisas lutas, desafios,
entregas por causas. O medo pode tornar-nos violentos, perigosos e fanáticos”.
O padre Vasco Magalhães escreveu cerca de 20 livros, na maioria sobre espiritualidade. “A espiritualidade não pode ser confundida com espiritismo. O ioga pode estar nesta onda…” E tocando na Ressurreição?
“A Ressurreição acontece, não depois da morte, mas do egoísmo que mata. Ela é a aposta em uma vida nova”.
“O demónio que se prega por aí e que representamos através de figuras esotéricas é claro que não existe. Mas quando se diz que a felicidade está no poder e no ter, isso é o demónio.”
E a moral católica não é, muitas vezes, filha do demónio? “Sim, quando ela era cheia de temor e de regras! A moral não pode cair em moralismos. A ética é a porta da humanização, mas também não se pode ficar pelas deontologias. A ética não pode substituir a fé.”
E um Papa doente e com prognóstico reservado, cujo futuro é incerto? “Sabe-se que já foi assinada uma carta de resignação, caso se dê a impossibilidade física ou mental de o Papa governar a Igreja. É um futuro incerto que vive a Igreja Católica, mas “temos que dialogar com a diferença e a mudança”.
E a esperança do padre Vasco? “A minha esperança é que ninguém desista. Este é um dos males do nosso tempo. Que se mantenha a janela aberta do Papa João XXIII, que convocou o Concílio Ecuménico Vaticano II. Que se dêem novos passos!”
(Este texto foi publicado também pelo jornal digital 7Margens, que colabora com a TSF neste programa)