A equipa que hoje é (eternamente) de meio da tabela, não era a de Mantovani, que, sobre esta história de amor, dissera: "A única coisa de que não me arrependo na vida é ter-me tornado presidente da Sampdoria".
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Unione Calcio Sampdoria, clube fundado em 1946, na cidade italiana de Génova, pela fusão de dois emblemas: Ginnastica Sampierdarenese e Società Ginnastica Andrea Doria. É assídua no que toca a presenças na Serie A, mas no final dos anos 1980 e início dos 1990 conheceu a verdadeira glória.
No princípio, então, da última década do século XX, a Samp não contava com nenhum Scudetto no seu currículo. O clube genovês contava, porém, com três Taças de Itália e no ano anterior havia vencido a extinta Taça das Taças (2-0, na final disputada com o Anderlecht, em Gotemburgo).
Essa final europeia havia sido, então, um presságio para o ano seguinte. Comandado pelo, na altura, jugoslavo Vujadin Boškov, o onze base dos Blucerchiati, um 4x4x2 clássico, era composto pelo mítico Pagliuca na baliza, Dossena na esquerda, Lanna e Vierchowod no centro e Mannini na direita, jogador que completava o eixo defensivo. Pari e Srečko Katanec, compatriota do técnico principal, faziam a linha de dois no meio e Invernizzi e Lombardo espalhavam o terror nas faixas, com uma dupla avançada temível, conhecida por Gemelli del Gol (Gémeos dos Golos, em português), composta por Roberto Mancini e Gianluca Vialli (este último o principal artilheiro da equipa e da... Liga). O brasileiro Toninho Cerezo, Oleksiy Mykhaylychenko (ucraniano, na altura URSS) e o italiano Marco Branca foram, igualmente, jokers importantes desta conquista dourada.
O sonho e a sua respetiva crença começaram a tomar forma em Nápoles, aquando da visita ao San Paolo na 9.ª jornada. O na altura detentor do título, com Maradona na batuta, recebeu a Sampdoria e adiantou-se no marcador, mas os genoveses cerraram fileiras e saíram do sul de Itália com uma histórico 1-4, que iniciou, então, o conto de fadas.
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A derrota na jornada seguinte, diante do eterno rival Genoa Cricket and Football Club, voltou a adensar as dúvidas sobre as reais possibilidades desta equipa em lutar pelo título, mas os Blucerchiati foram ultrapassando obstáculos até visitarem, na jornada 30, Milão para jogarem com o Inter, que se encontrava a três pontos da Sampdoria (na altura, a vitória valia dois).
No jogo do título dessa temporada (o AC Milan estava quatro pontos atrás, na 3.ª posição), a Samp provou ter estofo de campeã e derrotou o conjunto interista, liderado por Trapattoni, por dois golos sem resposta, confirmando duas jornadas depois, em casa, diante do Lecce, o inédito Scudetto. 3-0, tendo todos os golos sido obtidos na primeira meia hora de jogo, numa entrada verdadeiramente à campeã do melhor conjunto da história do clube genovês.
57 golos anotados e apenas 24 sofridos constituiu o registo de uma equipa que era uma ópera de bom futebol, numa altura em que o catenaccio fazia lei no país da bota.
Mas há, nestes anos dourados em que a Sampdoria conquistou Itália e além-fronteiras, uma figura incontornável e máxima responsável por este sucesso retumbante: o mítico presidente Paolo Mantovani, que era, imagine-se, romano e adepto laziale, mas que, fruto da sua atividade de empresário petrolífero, se mudou para Génova. Chegado à cidade, o seu amor à primeira vista não resultou, quando decidiu participar ativamente na vida do emblema grifone, o Genoa, eterno rival da Sampdoria.
Desencantou-se, então, pela curta incursão pelos rossoblù, mas o sonho de fazer algo no futebol não o fez baixar os braços e é aí que a umbilical história entre Mantovani e a Sampdoria inicia, como, curiosamente, assessor de imprensa do clube.
A ambição de Mantovani, porém, era maior, até que em 1979 adquiriu mesmo o clube, que na altura militava a Série B. A partir daí, tudo mudou. Em 1981/82, chegou à Série A e sucederam-se boas classificações e... conquistas. Três Taças de Itália entre 1984/85 e 1988/89, a supracitada Taça das Taças, única competição europeia do palmarés do clube, em 1989/90, seguido, então, desse Scudetto, em 1990/91, e da Supertaça Italiana, no ano seguinte, ano em que também esteve perto de vencer a Liga dos Campeões, perdida, na final, para o Barcelona, num verdadeiro míssil enviado por Ronald Koeman. A Sampdoria não venceu, mas atingiu o topo do futebol europeu! Voltaram as conquistas em 1993/94, mais concretamente com (mais) uma Taça de Itália, com o mítico Sven-Göran Eriksson ao leme da equipa, temporada que, porém, acabaria por tornar-se no início do fim de todos os sonhos do mundo de Mantovani, em virtude da sua precoce morte, a 14 de outubro de 1993.
Não pôde, assim, prosseguir o seu sonho, assim como, claro está, a própria Sampdoria. Ambas estavam intrinsecamente ligadas. Desconcertante e eternamente insatisfeito (queria sempre mais e o céu, para ele e a sua Samp, era o limite), o seu consulado coincidiu com os grandes títulos de que hoje o clube dispõe. A equipa que hoje é (eternamente) de meio da tabela, não era a de Mantovani, que, sobre esta história de amor, dissera: "A única coisa de que não me arrependo na vida é ter-me tornado presidente da Sampdoria". Para a eternidade e mais além!
Esta rubrica é uma parceria TSF e A Economia do Golo