"A Liga portuguesa é um bom trampolim." De Espanha não vem só vento, chega cada vez mais talento
Há cada vez mais futebolistas espanhóis a dar o "salto" para o outro lado da fronteira. Neste momento, há 32 nos plantéis da primeira Liga, o maior número de sempre. Em 2018/2019 eram apenas cinco
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"Não era a prioridade, mas falaram-me bem do clube e da Liga portuguesa." O médio ofensivo Santiago García González, ou simplesmente Santi, é uma das caras novas do Gil Vicente para a temporada que está a iniciar.
Depois de quatro épocas no Getafe B e prestes a completar 23 anos, eis a primeira experiência fora de Espanha. A oportunidade apareceu por recomendação dos seus agentes, seguiram-se negociações com os dirigentes do clube desde janeiro e uma conversa com Samuel Lino, ex-avançado dos gilistas e que representa atualmente o Atlético de Madrid. "Creio que a Liga portuguesa é uma excelente oportunidade para mostrar o meu nível e para que me vejam. É um bom trampolim para dar seguimento à carreira”, frisa.
Na temporada passada, o Gil Vicente não contava com qualquer jogador espanhol. Entretanto, já tem quatro: além de Santi, os avançados Diego Collado e Jorge Aguirre são reforços da equipa principal e o lateral-esquerdo Marcos Fernández começa nos sub-23. Todos vieram de equipas B, respetivamente, de Villarreal, Osasuna e Maiorca.
Apesar de o idioma não ser muito diferente, o médio natural de Alcorcón não esconde que o facto de ter compatriotas no plantel é uma "ajuda".
Exemplos do passado "encorajam" aposta no futuro
O Gil Vicente volta a apostar em atletas espanhóis, duas épocas depois de ter contado com três: Kevin Villodres, agora no Málaga, Adrián Marín, atual jogador do SC Braga, e o principal destaque, Fran Navarro, que tenta a sorte no FC Porto. Em Barcelos deixou saudades e muitos golos. Com 33 apontados, é o melhor marcador de sempre do clube na primeira liga.
De acordo com o diretor-geral para o futebol do emblema minhoto, casos de sucesso como o do ponta de lança recrutado ao Valência B são dados como "exemplo" na hora de contratar, procurando "dar confiança a quem está do outro lado".
Na ótica do Gil Vicente, explica Tiago Lenho, acaba por ser "encorajador", ao perceber que é possível apostar em jogadores vindos de campeonatos inferiores, capazes de proporcionar "sucesso desportivo à equipa" e, posteriormente, "rentabilidade financeira".
Falta de espaço em Espanha propicia "salto" para o futebol português
A quantidade de atletas espanhóis nunca foi tão grande. Neste momento, há 32 nos plantéis da primeira liga, divididos por dois terços dos clubes, 12, e ainda falta um mês para o fim do mercado de transferências. Em 2018/2019 eram apenas cinco e, desde aí, o número tem aumentado época após época.
O dirigente do Gil Vicente apresenta uma explicação para esse cenário: "Por tradição, em Portugal, clubes com a dimensão do Gil tinham o mercado brasileiro sempre como uma porta grande, mas está cada vez mais difícil por causa de questões financeiras. Agora temos de olhar para outros mercados."
Um fator adicional a ter em conta, segundo Jorge Picón, do portal online desportivo Relevo, é "a sensação em Espanha que o futebol português está a crescer e que trata muito bem os talentos jovens". Além disso, retrata o jornalista espanhol, "o nível é menor em Portugal" e, por isso, há atletas que preferem "atuar numa equipa que dê a oportunidade de lutar pelas competições europeias" do que num clube da segunda metade da tabela de La Liga.
Em alguns casos, o "salto" é bem maior. No mercado de verão de 2022, Héctor Hernández trocou o Rayo Majadahonda, da terceira divisão de Espanha, pelo GD Chaves, da primeira liga portuguesa. O avançado assume que, na altura, foi "um risco", mas duas épocas e 21 golos depois, não tem dúvidas de que se tratou de "uma das melhores decisões" da sua carreira.
Aos 28 anos, atualmente sem clube e com "a porta aberta em Portugal", lamenta que, no país de origem, se dê "mais oportunidade a estrangeiros do que a espanhóis". "Depois há muitos espanhóis que vão para outras ligas e acabam por se destacar", afirma.
Toñito recorda chegada a Portugal: "Fui totalmente às cegas"
Em três décadas passaram pela primeira Liga portuguesa cerca de 150 jogadores naturais de Espanha. Não faltam referências para Hector Hernández e Santi. Em 1997, quando Toñito trocou o Tenerife pelo Vitória de Setúbal, o cenário era bem diferente. O antigo centrocampista recorda que foi "às cegas" para Portugal porque, na altura, era "muito difícil conhecer qualquer campeonato fora de Espanha". A "única ambição" que tinha era "jogar na primeira divisão de um país, fosse qual fosse".
Foi um dos pioneiros a atravessar a fronteira e a ter sucesso em Portugal, jogando também no Sporting, Santa Clara, Boavista e União de Leiria. Quinze anos depois de terminar a carreira, encontra-se no terceiro lugar dos espanhóis com mais partidas realizadas na primeira liga portuguesa: 158. Alejandro Grimaldo, ex-Benfica, com 197, lidera a lista, seguido por Iván Marcano (166), um dos atuais capitães do FC Porto.
Para Toñito, na altura, só era possível chamar a atenção de outros clubes "quando se jogava contra um grande". Agora, considera, "a dificuldade é menor", já que "muitas ligas têm transmissão televisiva".
Há duas décadas, o futebol português não era uma prioridade para os atletas espanhóis. Nos tempos que correm, o outro lado da fronteira é cada vez mais valorizado, como refere Santi: "A Liga portuguesa é uma boa montra. Em Espanha, por vezes, não te dão oportunidades. Então tens de sair de tua casa para encontrares fora o teu lugar."
