O coração de Ginola parou durante oito minutos num jogo de caridade em 2016. Depois de recuperar, o médico voltou a parar-lhe a máquina. "Estive morto duas vezes." Agora o francês quer salvar vidas.
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-- Foi muito simples. Foi num dia bonito. Eu estava a jogar num jogo de caridade e, na segunda parte, quando ia voltar para trás, caí.
É assim, neste tom "era uma vez", que David Ginola começa a contar a sua história no Web Summit. O ex-internacional francês, senhor de uma técnica sublime, com alguns golos especiais, teve um ataque cardíaco durante a tal partida de solidariedade, entre amigos. Craque como era, fintou as probabilidades: apenas 5% das pessoas sobrevivem àquele tipo episódio. O coração esteve parado durante quase dez minutos...
"Caí, fiquei inconsciente, comecei a engolir a língua. Os meus amigos chamaram os médicos e explicaram-lhes: esqueçam a língua, concentrem-se no coração. Tive a sorte de ter amigos que sabiam fazer a massagem cardíaca. Fizeram durante nove minutos. Eu estava morto durante nove minutos", conta. Como (des)bloqueador de tensão, o entrevistador, um jornalista do The Irish Times, provocou-o dizendo "isso aconteceu enquanto voltavas para o teu campo, para trás, não era muito normal...". Gargalhadas aqui e ali, Ginola sorriu, admitiu que pouco defendia e lá prosseguiu a história.
Foram precisos cinco choques do desfibrilador até o coração voltar a dar sinais de vida. "Foi muito interessante. Não senti nada, não senti dor. Quando tens um ataque de coração, sentes pressão no coração, uma pressão no peito. Eu caí no chão sem sentir nada."
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Durante a cirurgia, o médico foi obrigado a parar-lhe o coração outra vez. Ou seja, esteve morto duas vezes, informa com uma senhora naturalidade. Este homem de 50 anos, que foi orientado por Artur Jorge no PSG e que jogou com Dominguez e Abel Xavier, viveu um milagre. Pelo menos foi o que o médico lhe disse.
"Vinte mil pessoas morrem assim por ano, a fazer desporto. Podemos ser todos vitimas de ataque cardíaco. A taxa de sobrevivência é 5%", insiste. E diz que teve sorte, pois naquele dia os seus colegas sabiam como prestar-lhe auxílio. "Quantos aqui sabem fazer a massagem cardíaca? Só dois... Pois. Temos de levar isto mais a sério. Somos fracos nisto no Reino Unido e França, mas nos países escandinavos os miúdos aprendem a fazê-lo."
E é aqui que entra o seu projeto: Nodds (de "nod", como quem acena ao outro). A ideia da app é conectar pessoas e informação para aumentar as probabilidades. "Como é que a taxa de sobrevivência não sobe?", indigna-se. "Como!? Temos de perguntar porquê. Com tanta tecnologia que nos rodeia, temos de otimizar a emergência. Queremos dar uma resposta mais rápida." A equipa de Ginola, que já não é o PSG, Tottenham, Everton e Aston Villa, contextualiza a ideia: os serviços de urgência demoram entre 10 a 15 minutos a chegar; a cada minuto, as probabilidades descem 10%. Nodds quer acelerar a resposta à urgência.
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Com o cabelo branco impecável, de fato escuro, elegante, David Ginola vai tabelando com os números, para dar dimensão ao drama que viveu recentemente. "Pode acontecer a qualquer um de nós", lembra.
"Tirei muito tempo para pensar naquilo e entender. Porquê eu? Fiz muitas perguntas. Porque estou vivo? 95% das pessoas morre. O cirurgião falou-me em milagre. Como posso fazer a minha experiência boa para os outros? O meu objetivo é salvarmos milhões de vidas. Queremos um sistema disponível para todos. A tecnologia é salva-vidas. O tempo é crucial, pode ser a diferença entre viver e morrer."
E aquele episódio mudou o homem? "Não sou diferente. Sou o mesmo, creio... espero. Fez-me melhor? Também não sei. Mas tenho a certeza que voltei para fazer algo diferente. Era jogador de futebol, depois televisão, mas isto é de interesse público. Quero ser menos egoísta. Quando jogas no topo, tens de ser egoísta. É outro mundo. Depois voltas para a tua vida e a tua vida é rodeada por pessoas." E as pessoas têm um coração que pode falhar.
David Ginola, de 50 anos, pendurou as botas quando jogava no Everton, em 2001/02.