Aos 22 anos, Antonio Laureano é um dos mais jovens surfistas de ondas grandes do mundo. Antes de sair para o mar, não dispensa avaliar o risco. Na TSF, o surfista explica porque gosta de escutar o mar e sentir o vento antes de sair para a água. Há uma vibração particular em locais como a Nazaré
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Há uma vibração inesquecível junto ao Forte de São Miguel Arcanjo. Ao subir ao farol do promontório da Nazaré, António Laureano gosta de olhar o mar com cuidado. Foi o pai que o levou para a Nazaré, mas também foi o pai que lhe ensinou a fazer contas de cabeça aos riscos que corre diariamente ao sair para o mar para os treinos nas ondas gigantes daquele local.
“Algo que eu gosto de fazer antes de entrar na Praia do Norte da Nazaré é a gestão de risco. Gosto de ir ver o mar, de perceber como está o vento. Preciso de perceber se a corrente vem numa determinada direção, entender que tenho de ter atenção a uma corrente perto das pedras. É como construir um plano para o que possa correr mal”, explica à TSF o surfista de 22 anos.
Laureano procura uma fórmula para domar as ondas (ou o medo), um plano de sobrevivência em capítulos de ação e reação a circunstâncias concretas.
“O lado mental é o mais difícil de trabalhar para um surfista de ondas grandes. O mais difícil é controlar a mente, porque não podemos pensar demasiado. É duro ficar de fora, mais então quando as lesões são no inverno, quando passamos o dia a ver os nossos amigos, os outros surfistas a apanhar grandes dias, grandes ondas, e nós distantes, , porque não podemos fazer aquilo que mais gostamos”.
Por causa das lesões, o medo está sempre presente. “Já tive uma queda na qual passei demasiado tempo debaixo de água a levar com ondas na cabeça. Lembro-me de ver estrelas, ficar zonzo e depois começar a ver tudo a preto. Foi numa remada [disciplina do surf de ondas gigantes] na Nazaré. Fiquei quase um ano sem remar em dias de ondas) grandes naquele lugar.
A vibração
A família de António Laureano mudou-se para a Nazaré por causa das ondas.
“Nenhum lugar se compara à Nazaré. Se estamos no farol, num dia de ondas gigantes, quando as ondas rebentam, sentimos o farol a tremer. As pessoas que vão lá para assistir, acabam por sentir a mesma força do mar que nós, surfistas, sentimos lá dentro da água”.
Antonio Laureano nasceu em 2002. Em 2011, tudo mudou para a Nazaré. “Eu lembro-me que estava a jantar com os meus pais e, de repente, aparece na SIC "surfista norte-americano bate o recorde da maior onda surfada no mundo". Lembro de pensar que, "bolas, isto é em Portugal".
“Outras pessoas surfavam na Nazaré antes do Garrett [McNamara]. Eu entrei neste mundo do surf de ondas grandes por causa do meu pai. Ele foi um dos primeiros surfistas a surfar na Nazaré. Mas a verdade é que a Nazaré se tornou o palco das ondas grandes no mundo depois da onda recorde de Garrett McNamara em 2011”.
Temos em Portugal a maior onda do mundo. “É nossa. A característica que a diferencia é que é um beach break, ou seja, um sítio onde as ondas rebentam na areia, e não na pedra. É o único sítio (conhecido) no mundo onde uma onda tão grande rebenta num fundo de areia”.
Esta explicação técnica vem acompanhada de uma avaliação de risco, um pensamento automático, causa-efeito no discurso de Laureano. “Esta característica torna a onda mais difícil, uma onda difícil de prever. Quando falamos de uma onda de pedra, esta acaba por rebentar sempre no mesmo sítio, ou seja, é sempre igual. Num fundo de areia, a onda torna-se mais difícil de prever. E também aumenta bastante o risco”.
A disciplina
“Ser surfista profissional é muito mais do que ter uma mota de água, ter um amigo que me puxa lá para dentro. Para mim, é algo que envolve bastante estrutura. É a nossa vida que está em risco. Tenho uma equipa larga comigo. Pessoas que fazem acompanhamento físico, treinos na piscina, também um head coach, um treinador que me ajuda a escolher as outras pessoas da equipa e aquilo em que, ano a ano, preciso de investir”.
Antonio Laureano avança na explicação sobre o que faz e como faz. “No tow-in, com a ajuda da mota de água, o surfista é rebocado pela mota até à onda. O trabalho do surfista é "dez por cento”. Nessa situação, 80 por cento (do mérito) é do piloto - que faz o resgate - e 10 por cento do spotter - alguém que fica no farol ou do cliff”.
É como ir de olhos vendados? “Os olhos do spotter são os olhos do piloto. Quando o mar está gigante, o piloto não tem visibilidade nenhuma. Ou seja, se eu estou a surfar a onda, a mota de água está atrás da onda, e não consegue ver se eu cair, se eu estou bem ou se eu já acabei a onda. O spotter vai dizendo qual a direção, se o surfista está ou não ainda na onda”.
“Há também a remada, hoje em dia com o apoio da mota de água. Levamos pranchas gigantes, num desporto um pouco mais individual. Somos nós surfistas que fazemos o processo todo. É a fórmula mais intensa. Na Nazaré é 1000 vezes mais difícil apanhar uma onda na remada do que em tow-in”.
Laureano passa grande parte do ano na Nazaré. “Passo lá a maior parte da minha vida, à espera das ondas gigantes. Só saio durante três ou quatro dias para perseguir uma outra ondulação, numa outra competição. Mas o inverno é passado lá, a tempo inteiro”.
Mas o calendário permite a surfista de 22 anos correr o mundo. “Tenho convites para três ou quatro competições no nosso verão, e, no nosso inverno, para outras quatro competições”, resume.
“Estive um mês e meio no Chile. Fui convidado para um dos campeonatos mais importantes e mais antigos de ondas grandes, que acontece por lá, o Lobos por Siempre. Só há três europeus convidados numa lista de quase 30 pessoas. Já participei uma vez, mas não correu da melhor maneira. Este ano decidi ir um mês e meio para treinar”.
Nessas viagens, o Chile domina a preferência de Antônio Laureano. “No hemisfério sul, sem dúvida, Ponta de Lobos. É uma onde para onde gosto de voltar sempre, para treinar. Fica a sul da capital do Chile, Santiago. Também gosto de Puerto Escondido, no México”.
“Mas eu diria que o único lugar semelhante à Nazaré pela presença do público, que pode ver a ação de perto, é no Chile - onde fui pela quarta vez - Punta Lobos. nesses locais, como público, conseguimos sentir a vibração, a força que o mar tem”.
A mala está sempre preparada. “Os campeonatos de ondas grandes acontecem muito à última hora. Eu tenho, 72 anos do arranque, de comprar o bilhete de avião e viajar para o outro lado do mundo”.
“Estamos a lidar com momentos de stress e adrenalina. Mas é aquilo que eu gosto de fazer, um stress saudável. O meu objetivo é ser um dos melhores surfistas de ondas grandes no mundo. Mas há poucas competições neste desporto. Passámos de uma fase com várias competições para uma fase de abrandamento, com menos provas. Agora está a voltar a evoluir bastante”.
Mal o verão [em Portugal] termina, Laureano fixa-se na Nazaré.
“Quando fui convidado pela primeira vez para o campeonato do mundo de tow-in na Nazaré, a minha parceira lesionou-se, a equipa ficou fora do campeonato. Da segunda vez que fui convidado, fui eu que me lesionei e não consegui participar. O meu maior objetivo é ganhar esse campeonato, no sítio de onde sou, com a família a ver”.
Talvez um dia tente também apanhar a maior onda de sempre, embora o sistema de medição utilizado nos dias de caça a essas ondas pelo mundo ainda não esteja padronizado. “O ideal seria a WSL ter um método para a medição que possa ser utilizado”.
“Quando estamos no mar não fazemos ideia. Sentimos a prancha a ir a 200/h. Conseguimos perceber que a onde é grande pelo barulho cá fora, do público a gritar. Ou então, dependendo da posição do sul, sentimos que estamos envoltos numa sombra. Só aí percebemos que a onda pode ser grande. Já aconteceu de sair do mar e pensar que não tinha apanhado nada de especial, e depois, com as imagens, percebi que a onde era grande”.
Termina a 15 de agosto o período de espera do Punta Lobos por Siempre, no Chile. António Laureano é um dos surfistas internacionais convidados para a edição de 2024.