Pela primeira vez um campeonato do mundo feminino vai ter o mesmo número de equipas que o masculino, 32. O prémio monetário oferecido pela FIFA aumentou, mas continua abaixo que é pago aos homens. Em busca de valorização fora de campo, há 32 equipas e 32 realidades dispares. Para Portugal é a primeira oportunidade.
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Foi longa a travessia até ao mundial de Austrália e Nova Zelândia para Portugal. Nenhuma outra seleção no futebol mundial fez tantos jogos para garantir uma vaga na competição máxima da FIFA. O selecionador Francisco Neto aproveitou a maratona de jogos de qualificação - fase de grupos, playoff europeu e play off intercontinental - para criar um grupo coeso de jogadoras que pouco tem mudado entre convocatórias. Essa estabilidade é uma das armas de Portugal num grupo que tem as duas seleções que estiveram na última final de um campeonato do mundo, Países Baixos e Estados Unidos (bi-campeãs mundiais), mas também a seleção do Vietname.
Ao desafio de igualar as possibilidades dentro de campo junta-se a necessidade de equilibrar condições fora do relvado. Em Portugal a igualdade nos prémios distribuídos pela federação entre seleções femininas e masculinas continua a ser uma promessa com uma data longínqua - 2030 como meta definida pela Federação -, uma oportunidade que muitas das jogadoras que estão presentes neste mundial não vão conseguir aproveitar.
Portugal surge no mundial com um dos grupos com maior rodagem internacional. Para além da escalada no ranking FIFA nos últimos anos - Portugal chega ao mundial no lugar 21 -, a seleção portuguesa apresenta-se no grande palco com sete atletas com mais de 100 jogos com a camisola da equipa nacional. São os casos de Sílvia Rebelo, Carole Costa, Dolores Silva, Tatiana Pinto, Ana Borges, Carolina Mendes ou Jessica Silva, base importante da equipa.
A experiência no campeonato da Europa de 2022 ajuda a equipa portuguesa a encarar o torneio com outra tranquilidade. O resultado diante da seleção dos Países Baixos (derrota por 3-2 na segunda jornada da fase de grupos), faz a equipa acreditar que se pode bater entre as melhores.
Equilíbrio de forças dentro e fora de campo
Em 2011, a seleção japonesa surpreendeu o mundo do futebol com uma vitória na final sobre a seleção dos Estados Unidos. De lá para cá a realidade em muitos dos países participantes na edição de 2023 mudou radicalmente. Em Portugal, o crescimento do número de praticantes e o investimento de muitos clubes, como Benfica, Sporting, Sporting de Braga ou Famalicão à cabeça, valorizou a formação de jogadoras, acrescentou oportunidades para jogadoras estrangeiras aumentarem a competitividade, atraíram treinadoras e treinadores, elementos profissionais para as equipas técnicas e estruturas.
Nos últimos quatro anos as greves e processos - mais ou menos violentos - em federações como a Dinamarca, Noruega, Estados Unidos, Canadá, França ou Espanha aproximaram as condições para as jogadoras da realidade do futebol dos homens. As receitas da FIFA cresceram, mas também cresceram competições como Womens Super League (no futebol inglês o equivalente à Premier League), a liga espanhola - com o Barcelona como baluarte -, equiparando-se às ligas de França, Alemanha ou às competições nórdicas.
Mas há ainda diferenças gritantes nas condições das atletas que podem fazer pender a balança. A seleção jamaicana surge no mundial após a denúncia pública por parte das jogadoras de dúvidas sobre o empenho da federação local nesta participação.
As queixas sobre a desorganização interna da federação, a falta de preparação logística para um mundial num país distante, obrigou mesmo as famílias das atletas e a fundação Reggae Girlz Foundation a criar dois programas de recolha de fundos para custear a presença da equipa jamaicana no mundial. Até à véspera do arranque da prova, as duas iniciativas captaram mais de 100 mil dólares em conjunto.
Um elogio ao talento
Dentro das quatro linhas há a expectativa que este mundial faça emergir novas figuras da modalidade. O domínio dos Estados Unidos vai ser colocado à prova mais uma vez neste mundial. Vencedoras das últimas duas edições do Campeonato do Mundo, as norte-americanas assistem na Austrália e Nova Zelândia ao fim de um geração de jogadoras que marcaram a modalidade.
Alex Morgan (33 anos), Megan Rapinoe (37 anos) ou Alyssa Naeher (35 anos) devem despedir-se dos grandes palcos e passar o testemunho a alguns dos talentos emergentes. A liga norte-americana contínua dominante e capaz de se regenerar, com nomes como o de Sophia Smith prontas a arrebatar o palco.
Em Espanha, a seleção local apresenta um dos conjuntos mais jovens neste mundial. Uma geração liderada por Alexia Putellas ou Aitana Bonmatí (jogadoras do Barcelona), mas ainda com as vozes de comando de Irene Paredes (31 anos, Barcelona), ou de Jenni Hermoso (33 anos, Pachuca, México). O investimento recente do Real Madrid - já é a equipa com mais jogadoras neste grupo - e o domínio do Barcelona aproxima o peso desta seleção ao conquistado na vertente masculina. Faltam os títulos internacionais.
Em França, o selecionador Hervé Renard deixou a seleção masculina da Arábia Saudita - que venceu a Argentina no mundial de 2022 na fase de grupos com uma defesa férrea -, para travar a fuga de jogadoras em protesto contra os métodos da antiga selecionadora nacional, Corinne Diacre.
Já a Inglaterra conquistou o campeonato da Europa de 2022 e provou que a geração atual pode transportar para as seleções o atual poderio da liga local, capaz de captar (tal como a Premier League nos homens), os maiores talentos. Entre os nomes em destaque está Lauren James (irmã de Jeece James, lateral direito do Chelsea).
Há ainda que ter em conta as seleções nórdicas, a Noruega (com Ada Hegerberg ou Caroline Hansen), a Dinamarca (Pernille Harder) ou a Suécia (que venceu Portugal no europeu do último ano por 5-0). Um mundial de 2023 que é para Marta, camisola "10" do Brasil, o sexto mundial de futebol (2003, 2007, 2011, 2015, 2019), ainda em busca do prémio maior do futebol, numa seleção que, com "a Rainha" em campo, chegou à final em 2007 (derrotada pela Alemanha).