Nos arredores de Rosário, na Argentina, mora o Clube Atlético El Torito, ao lado de um bairro de barracas. Aqui começou Di Maria a jogar. O presidente, também Ángel, está orgulhoso do campeão do mundo que voltou ao Benfica.
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Apanho um táxi chamado por Pablo à porta do VIP Messi, o bar da família do Dios Dez II (o primeiro soberano do futebol será sempre, para os argentinos, El Pibe Diego Maradona) debruçado sobre a zona fluvial de Rosário, nas margens do Paraná. Meia hora de viagem para chegar ao bairro de outro astro argentino. Ángel Di María, o rosarino regressado ao Benfica e que já começou a fazer o que melhor sabe: golos.
Começou a marcá-los aqui, no El Torito - nome completo Club Atlético El Torito - Asociación Rosarina de Fútbol - clube de bairro que fica no cruzamento entre o Camiño de los Granaderos e Baigorria, a algumas dezenas de quilómetros da maior cidade da província de Santa Fé. Até cá chegar passa-se por La Florida e mais alguns bairros onde, atualmente, o narcotráfico se substitui ao Estado e organiza (pela violência e tráfico mas também pela prestação de serviços como a distribuição de refeições) a vida das comunidades. O El Torito fica em frente a uma área de serviço de aspeto ultra moderno e de costas para o interior do bairro de lata.
Baigorria tem estradas esburacadas e barracas (entre lata, tijolo e barro, desse que faz os pés de alguns ídolos, há de tudo) e outras casas muito arranjadinhas com jardim cuidado e lugar de estacionamento, e crianças a brincar na rua e alguns mais jovens a olhar com atenção e controlo o táxi onde sigo, que parece perdido. Não só parece como está. E já é fim de tarde. "Não devíamos estar a circular por aqui a esta hora; conheço tanto isto como você que vem de tão longe", atira, receoso, Joaquin, o taxista rosarino que simpatiza com o Rosário Central onde Di María jogou mas que admite ser ferrenho (hincha) do Lanus, de onde é natural, na província de Buenos Aires. "No pasa nada, tranquilo", digo-lhe para o acalmar. E acrescento: "vou ligar ao presidente".
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German Ángel é presidente do El Torito há quase cinco anos e está à nossa espera. Afinal não está. "Não sei se ainda vem", responde a simpática Verónica, que toma conta do bar, do armazém, dos balneários e das balizas e bancadas de um relvado que de relva tem pouco num espaço onde, a esta hora, não está mais vivalma. Tanto liguei e escrevi a pensar que estava atrasado e, afinal, Germán ainda não chegou. "Podes fotografar à vontade; mais dez minutos e chego", diz-me por whatsapp áudio. "Por favor, senão perco o meu voo para Buenos Aires". Dez, vinte, vinte e cinco minutos, nada. "Tenho de ir German, senão perco o avião, falamos depois". E assim foi: por whatsapp.
"Sou presidente do clube há quatro anos e meio. O clube começou com 120 miúdos. E estamos em 550, 600. O Torito cresceu muito". Porquê? Graças ao Di María? "Foi também o boom da vitória na Copa América e no Campeonato do Mundo, não é? E com a nossa referência que é, de facto, o Ángel Di María. Todos os miúdos cresceram no bairro. E ele está sempre a mandar-nos cumprimentos. Ele vive muito a sua vida. É um jogador de elite que tem muito pouco tempo para passar aqui, para estar em Rosário, na nossa cidade, mas manda sempre cumprimentos aos miúdos, manda saudações e abraços a todos nós. Eu tenho mais contacto com o seu pai, o pai já foi o carvoeiro do bairro, vendia carvão para fazer carne assada. E continua a ser a mesma pessoa, está sempre a visitar-nos, portanto, esse é o contacto direto que temos. Estamos muito orgulhosos pelo facto de o Angel nos ter representado a nível mundial e, como dizemos num logótipo, um lema do clube El Torito é "a paixão do bairro que chegou ao mundo por causa do nosso Angel Di María".
Orgulhoso está este outro anjo, German Ángel, pelo entusiasmo que os pequenos Di Marías demonstram nos treinos naquele relvado que quase não o é, amparado numa lateral por uma bancada de pedra de poucas filas e muito a desfazer-se: "Os miúdos chegam ao clube entusiasmados. Em cada sessão de treino, em cada jogo que disputam. E tiram uma fotografia com o mural do Di María. O sonho é chegar onde ele chegou. Um futebolista sonha sempre em chegar ao topo do futebol e ele, sendo tão jovem, escolheu o El Torito. Por isso, é um grande representante nosso. Os miúdos sonham em ser como ele e em tornarem-se campeões do mundo como ele. É esse o sonho de todos os miúdos do clube."
O trabalho social no El Torito
O que sobra em entusiasmo, sonho e dedicação, falta em condições financeiras: "É um clube que está rodeado por vários bairros de lata. E bem, para nós é um trabalho muito árduo e constante. Com a questão dos materiais, com a questão do local, do equipamento, dos campos. A gente luta dia a dia no clube para atingir o objetivo de continuar a revelar talentos. Continuar a trabalhar com os miúdos. O trabalho que fazemos é muito forte. Não só a nível desportivo, mas também a nível social, na alimentação das crianças. Temos cantinas solidárias dentro do clube em que trabalhamos muito, porque dizemos sempre que, para além das exigências que lhes podemos dar em termos desportivos, a criança tem de ser alimentada para isso. Trabalhamos muito nisso, na alimentação das crianças".
Uma empreitada imensa, tal é a carência de meios. Di María ajuda? "Sim, de facto, custa-nos muito este trabalho, é um grande esforço. Quem está sempre connosco é o pai do Ángel. A ele, por vezes a família também não o vê durante anos, por isso é muito difícil para ele cá vir nesta altura. Mas como dizia, os recursos do clube são geridos com coisas que fazemos para cobrir as despesas e isso custa-nos muito, mas é tudo".
Ou seja, Di María não é aqui banqueiro nem sequer investidor ou acionista. "Penso que quando ele estiver mais na Argentina vai chegar e vai passar pelo clube e o clube gosta muito dele. Para nós é um orgulho e nós deixamo-lo em paz, como nosso ídolo, tem uma vida difícil como jogador. O jogador de elite tem uma vida muito difícil em termos de tempo, de horários e não pode estar com toda a gente. Para nós, basta que nos represente e que tenha sido o nosso ídolo, o nosso campeão do mundo. Para além da necessidade que o clube possa ter. Nós estamos muito orgulhosos dele", afirma o jovem presidente.
A parceria estratégica e o sonho
O El Torito parece casa onde não há pão mas ninguém ralha. Vão à luta e procuram os meios para o clube sobreviver. German Ángel não o diz, longe disso. Mas percebe-se que uma ajuda de craque global seria bem-vinda para melhorar aquelas instalações. O presidente do clube de Baigorria não esconde planos e sonhos: "o nosso objetivo é continuar a aumentar o ensino, continuar a aumentar tudo o que representa a formação de um jogador de futebol. O meu sonho é que o clube cresça. Também gostaria que outros países vissem o trabalho do berço do futebol. Dizemos que Rosário é como o berço do futebol. Muitos talentos surgiram aqui. O meu sonho é que outros países, outros grandes clubes, olhem para o nosso clube e nos dêem essa ferramenta para continuar a trabalhar, trabalhando juntos. Uma parceria. Tenho visto que muitos clubes trabalharem com clubes do exterior. Aqui em Rosário, o clube Villarreal, de Espanha, trabalha com outro clube daqui. Os nossos clubes grandes também fazem o mesmo. Eu gostaria que tivéssemos um acordo internacional com um clube que nos desse esse financiamento para a formação do jogador e depois esse jogador vai para esse clube, para tentar terminar a formação que lhe corresponde. Temos 600 jogadores hoje no clube e isso é muito importante. Daqui saiu um campeão do mundo, muitos jogadores passaram pelo Torito, mais de 25 jogadores chegaram à Primeira Divisão, como Roberto Sensini, que também jogou no Campeonato do Mundo, ou Pepe Basualdo, que é jogador da seleção argentina, passaram todos pelo Clube Torito. Mas bem, o meu sonho é esse, ter um acordo internacional com clubes que nos deem as ferramentas para trabalharmos muito bem no clube e podermos continuar a revelar talentos. É esse o meu sonho".
O sonho vive. Se os anjos ajudarem, os deuses estarão com o clube. Cai a noite em Baigorria. O taxista conta, já a chegar ao aeroporto, que quando Messi vem a Rosário, chega de avião privado e ninguém o vê. E Di María? O Clube Atlético El Torito ali tão perto...