Tunha, pivot do Belenenses e campeão da Europa, contou à TSF a sua história e alguns momentos da caminhada da seleção na Eslovénia. Ficámos a saber o porquê de Tunha Lam na camisola... e da barba.
Corpo do artigo
Há mais ou menos 20 anos uma caminhada triunfante no areal ardente da Praia da Rocha, em Portimão, permitiu a quatro amigos [três eram família] chegar à final do torneio de futebol de praia. Miguel estava na baliza, voava inspirado em Michel Preud'homme; na defesa estava João, um senhor com mentalidade de campeão e que não tinha medo de meter a cabeça na bola acabada de sair do pé do Sánchez da equipa brasileira. Na frente moravam este escriba e Tunha, o pivot do Belenenses e fresquinho campeão da Europa. Os quatro amigos ganharam e a lembrança ficou entranhada.
A TSF desafiou este professor de educação física nas atividades extracurriculares em duas escolas em Camarate para uma conversa depois de os portugueses terem assaltado o céu do futsal. O atleta de 33 anos explicou o seu percurso, o que o inspira e desabafou sobre o fascínio pelo futebol de 11, que jogou, mas que o deixou desanimado quando, no meio campo, via a bola passar do defesa para o avançado. "Tunha" é culpa da tia Ana Maria, Lam é uma homenagem às mulheres lá de casa. E a barba? "É charme."
964163264665063424
Tínhamos combinado, antes de ires para a Eslovénia, que faríamos esta entrevista contigo já campeão europeu...
É verdade, é verdade. Assino por baixo.
Lembras-te dos últimos segundos do jogo contra a Espanha?
Os últimos segundos... Lembro-me de quando o Ricas [Ricardinho] se lesionou e estava na bancada e depois houve o livre de dez metros antes de o Bruno Coelho marcar. Eu fui até ao Ricas e disse "isto vai dar, isto vai dar!". Depois estava eu e o Márcio no banco, em pé, a olhar e dizíamos "isto vai dar, vamos ser campeões europeus". Depois o Bruno, com muita qualidade, marcou o livre de dez metros. É preciso uma frieza inacreditável e qualidade para marcar um livre de dez metros contra um guarda-redes que é um poste autêntico. Conseguiu contorná-lo e dar uma taça a uma nação.
Já viste a final?
Ainda não, porque tenho estado de um lado para o outro, com entrevistas, com familiares, a ganhar tempo com a minha família. Estivemos 26 dias fora e agora estou a ganhar tempo, mas a minha mulher gravou os jogos e tenho lá tudo prontinho para ver.
https://www.instagram.com/p/BfDWkE-leb9/?taken-by=tunhalam14futsal
E és ou não és muito faltoso? Os comentadores diziam que não voltaste a entrar na final por isso...
(Sorriso) Confesso queeeeeee... faltoso não digo que sou. Mas como a minha zona de ataque e defesa é mais na primeira linha sou muito agressivo, o que faz com que faça mais faltas do que o normal. Se me querem caracterizar dessa maneira, que seja.
Mas o treinador falou nisso?
Não, não, não falámos sobre isso. Mas caso fosse essa a ideia dele, subscrevia obviamente. Se estivesse do lado dele também pensaria da mesma maneira: ganharíamos talvez agressividade na primeira linha, mas com cinco faltas não íamos precisar da agressividade. Eu faria a mesma coisa.
Eram, como dizia Pedro Cary num texto para o Expresso, uns bons rapazes que se juntaram em Rio Maior?
É mesmo. O Cary nesse texto disse tudo, foi um texto com muita qualidade, que lemos por lá. Adorei as palavras. Foram mesmo os 14 bons rapazes de Rio Maior que criaram ali uma boa harmonia, um grupo muito unido, sempre gozão, sempre disposto a ajudar o outro. Foi aí que fomos conseguindo alimentar o nosso sonho. Depois dentro de campo foi notória a união e entreajuda que tivemos. Quando cheguei a Portugal muitas pessoas falaram sobre isso. Quando vi resumos é notório.
Gostas de lembrar aquele lance em que três jogadores se mandam para o chão na final para bloquear um remate...
Sim. Estava o André Sousa em pé, acho que depois era o Pany, o André Coelho e o Cecílio, salvo erro. Publiquei essa foto no meu insta[gram]. Aquilo é mesmo a imagem da união do grupo. Vai ficar para sempre gravada no meu pensamento.
Quem acompanha o teu Instagram vê que és muito apegado à família. Como é competir a este nível e estar longe dos teus?
É duro. Às vezes as pessoas que estão de fora podem não dar muito valor, mas as nossas famílias, as nossas mulheres, os nossos pais, irmãos, as pessoas mais próximas, são uma ajuda muito forte. Nós, jogadores, estes 14 bons rapazes, quando ganhamos dedicamos uma maior parte a eles, porque é difícil estarmos longe. Nos fins de semana estamos fora, agora estivemos 26 dias. Eles estão sempre connosco, é complicado. É muito importante o apoio.
https://www.instagram.com/p/BfGb1SXFfKl/?taken-by=tunhalam14futsal
Na mesma rede social fizeste uma homenagem a Carlos Alhinho, o teu tio que jogou na seleção portuguesa, Académica Benfica, Porto e Sporting nos anos 70. Eram próximos?
Muito, muito próximos. Ele foi uma referência que tenho mesmo lá em cima. Não acompanhei a carreira de jogador obviamente, mas soube do historial, porque falava com ele. Ele ia-me contando histórias, acompanhei a parte de treinador -- seleção de Angola, Qatar, etc -- e foi sempre uma pessoa que eu idolatrava, era um grande homem mesmo. Tinha de fazer a dedicatória, já estava pensado: caso fosse à Eslovénia, o primeiro jogo ia fazer isto.
Tens alguém na tua vida que te faz viver com certos valores e princípios, um exemplo?
A minha mãe obviamente. É a minha heroína. Tudo o que sou, o homem que sou, devo-o a ela. Por aquilo que ela lutou por mim e pelo meu irmão, pelo que ela é e representa... É a minha mãe mesmo.
Sentes algum desgosto por não teres marcado um golo neste Europeu?
Não sinto nenhum desgosto. O meu papel foi ajudar. Se marcasse, top. Mas como não o fiz, analisando o trajeto já feito, não marcando, fico muito contente por ter participado e ter ajudado a equipa a atingir os objetivos que estavam propostos. Não fico desgostoso, desanimado, mas gostava, claro, os jogadores vivem disso. Vivemos de golos para nos alimentar o ego e a confiança. Não fico desgostoso. Se antes me dissessem: não vais marcar nenhum golo, mas o trajeto vai ser igual e vais levantar o caneco... Nem pensava duas vezes.
O pivot, algo que se vai observando cada vez mais no futebol de 11 com o avançado, não tem de estar ligado apenas a fazer golos... certo?
Penso que não. Há pivots que são mais goleadores que outros, há outros que têm a característica de acalmar o jogo e dar estabilidade à equipa, assistir. Os golos fazem sempre parte.
962457265876893698
Qual é o teu papel no Belenenses?
Tenho essa veia goleadora e também essa para assistir e apaziguar o jogo. Quando os jogos estão mais apertados e não conseguimos sair de pressão, o mister põe-me para estabilizar o jogo, para conseguirmos darmos uma lufada de ar fresco. É mais por aí.
Com tão pouco espaço, com aquela velocidade de pensamento e execução, como é que se desfruta deste jogo?
Já vamos aprendendo com isso. Um jogador de futsal já está formatado para viver as emoções rapidamente, porque num jogo tanto podes estar por cima como por baixo numa questão de um, dois segundos. Por isso, é viver o momento. Já estamos mais que habituados a isso.
Em miúdo gostavas de futebol ou a paixão sempre foi futsal?
Comecei a jogar futebol no CAC, Sporting da Torre, Charneca, por aí. Mas depois, no último ano de júnior, não consegui a carta de desvinculação para ir não sei para onde, acho que era para o CAC. Não consegui, ia ficar parado um ano. Comecei a jogar futsal numa academia do Lumiar, porque tinha lá todos os amigos da escola. E comecei o futsal em júnior. Em sénior comecei no Atlético Clube Odivelas, já na 3ª Nacional. E fiquei sempre na nacional.
Quem era o teu jogador preferido no futebol?
Henry, sem dúvida. Depois Bergkamp e Roberto Baggio.
Eras do Arsenal, portanto?
Era.
E no futsal, quem são as referências?
Ferrão está em primeiro lugar, é o meu jogador favorito. Tenho referências como Cardinal e, quem não tem esta?, o Ricardinho. Como pessoa e como jogador. Temos de dar graças a Deus por o termos a jogar ao nosso lado. Mesmo o Cardinal sempre foi uma referência para mim desde que jogo futsal porque foi sempre um ídolo para mim.
962459980141158401
Um amigo teu de longa data disse-me esta manhã que uma vez, entre amigos, se riram quando disseste que chegarias à Primeira Divisão de futsal. É verdade?
Não sei quem foi (risos)... Mas sempre foi esse o meu objetivo, porque por mais irrisório, por mais abaixo que poderia estar, era esse o objetivo: Primeira, seleção e um grande. E felizmente consegui.
Como tem sido com os miúdos no Belenenses? O clube na entrevista que te fez chamou "tunhamania"...
É mesmo (risos). Ainda não tive oportunidade de estar com os juniores, só tive oportunidade de falar com eles via Instagram. Quando cheguei lá [ao clube], os meus colegas fizeram-me uma enorme festa, os meus diretores... A "tunhamania" que eles referem é global. Por exemplo, no Porto Salvo, os miúdos de 10, 12, 13 anos treinavam antes de nós e estavam sempre comigo, porque eu adorava, até jogava com eles jogos de telemóvel. Talvez venha daí.
Como é a liderança de Jorge Braz?
Antes de ir para a seleção não fazia ideia do que ia apanhar. Sendo um selecionador, obviamente que teria qualidade, mas, depois de chegar, desde o primeiro dia até ao final, fiquei extremamente contente por poder partilhar isto com ele. Põe o jogador lá em cima. Motivacionalmente é top. Gostei imenso de o conhecer, espero estar mais vezes lá, espero partilhar mais momentos com ele. Taticamente e motivacionalmente é muito, muito bom.
E quanto a colegas, lembras-te de algum dizer-te algo especial?
Hmm, deixa lá ver. Num dos jogos contra na Eslovénia, nos jogos de preparação, marquei o meu primeiro golo ao serviço da seleção. Foi no jogo que fomos experimentar a arena. Eu estava no quarto com o Ricas e em conversa ela disse-me umas palavras. Resumidamente, para desfrutar, não sentir pressão e que se estou lá é porque tenho qualidade. As coisas vão aparecendo por si. Vindo de quem veio, fiquei motivado para o jogo. Tirou-me a pressãozíssima que se põe em cima, que é desnecessária. Não controlamos. Ele fez a assistência e eu marquei. Agradeci-lhe: "Obrigado pelas palavras e obrigado pela assistência, por tudo". Foi do coração mesmo, ele ajuda bastante. Ajuda qualquer pessoa. Todos, todos eles me corrigiam e davam na cabeça. Levo isso no coração porque se me corrigem é porque gostam de mim e estão interessados. Isso é muito bom.
962696576102817794
Ficaste no quarto com o Ricardinho, então?
Durante o Europeu foi com o Pany. A televisão quando ligava aparecia "EA Sports"... Era FIFA sempre. Eu não toquei na televisão. Ele ficou com ela, mas era tranquilo. Eu ficava no meu tablet, telemóvel. Fora do futsal é um dos meus melhores amigos, correu lindamente.
Achas que as pessoas teriam esta simpatia e fascínio pela modalidade se tivessem perdido a final?
O trajeto todo que fizemos... Se chegássemos à final e tivéssemos perdido, eu acho que estariam lá pessoas para nos apoiar. Acho sinceramente que sim. Uma pessoa entrevistada no aeroporto disse isso, pelo trabalho que fizemos. Acredito piamente que teríamos muita gente a apoiar-nos se ficássemos em segundo.
Onde estavas quando soubeste que estavas convocado para o Europeu?
A convocatória ia sair ao meio dia. Eu estava no ginásio, fui a correr para casa porque queria partilhar o momento com a minha mulher. Cheguei eram 11h50, fiquei ao lado dela, a fazer refresh no site da federação, porque não ia dar em nenhum canal... Por favor, por favor, por favor... Quando saiu, fiquei mesmo aliviado. "Finalmente consegui aquilo por que tanto lutei." Dediquei a convocatória à minha mulher, porque esteve comigo nos bons momentos e menos bons. Às vezes ela acredita mais em mim do que eu. Por isso agradeço-lhe do fundo do coração.
É diferente chegar a uma competição destas com 33 anos e não 20, não?
O André Coelho, por exemplo, tem 24 anos. Para os miúdos que estão lá agora a idade é apenas um número. Em termos de jogo, de maturidade, estão muito acima da média. Eu não me sinto nada velho, sinto-me muito bem. Sinto-me na melhor fase, não só pela seleção, em termos físicos e de carreira. A idade é um número. Se nos alimentarmos bem, se nos cuidarmos bem, conseguimos manter este nível por muito tempo.
962712321108926464
Mas o que é certo é que chegaste só agora. A maturidade fez alguma coisa pela tua carreira? Houve um momento ou alguém que deu o click ou as coisas aconteceram naturalmente?
Não, isso já é a minha identidade: trabalhar. A maturidade, obviamente, vem com a idade. Num dos jogos contra a Rússia, no estágio, o Braz tinha dito: a seleção para alguns já não é um prémio, é uma responsabilidade; depois quando falou de mim disse: para o Tunha é a primeira vez e é um prémio, mas, com maturidade, idade e jogo, tem a mesma responsabilidade do que os outros.
Como é o professor Carlos Vasconcelos?
Não, é professor Tunha. Se disserem professor Carlos Vasconcelos é muito formal, é muito pesado. Uma coisa na qual sou bom é ser gozão, e gosto que as turmas sejam assim, brinco muito com eles.
Somos amigos e nem sei porque te chamas Tunha...
Foi a minha tia Ana Maria que me chamou desde criança, porque era Tuntum na parte familiar. Depois ela quis chamar-me Tunha, mas nem sei as razões ao certo.
E o Lam?
São as minhas três mulheres: a Lia, Alicia e Milene. Mulher e duas filhas.
A barba é promessa?
A barba é... charme (risos). É a tal maturidade que falávamos aliado ao charme.
Para acabar. Uma família em casa, um Campeonato da Europa no bolso e uma selfie com Marcelo... O que falta fazer?
Não sei, não sei, não sei... Por agora é desfrutar. Eu tinha um objetivo/sonho e concretizou-se. Depois disso não sei. Tenho de focar-me, estou ao serviço do Belenenses. Temos Taça e depois, no próximo fim de semana, jogamos com o Modicus. Será extremamente exigente. O objetivo para já é desfrutar. O resto vem por acréscimo.