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Coloca paixão em tudo aquilo que fazes!
Poderia ser esta a máxima levada à letra por Jurgen Klopp, o alemão que levou o Liverpool ao topo do mundo e que a cada desafio que passa está mais perto de quebrar um jejum que dura desde 1990, o de campeão inglês!
Na verdade, o treinador nascido em Estugarda, há 52 anos, tem tudo para continuar a fazer história num dos clubes mais admirados da Europa., o Liverpool.
No entanto, nem tudo foi fácil na vida do técnico, que começou por ser um jogador de nível mediano, para não dizer pior. Aliás, o próprio reconhece que "tinha uns pés dignos de uma quarta divisão, mas uma cabeça que lia o jogo melhor do que a maioria que estava na I Liga". A ajudar a esse facto, mais outra certeza das suas debilidades dentro das quatro linhas: de avançado de pouco sucesso recuou no terreno rumo ao centro da defesa, de onde de frente para toda a plenitude do recinto lia movimentações tácticas, sistemas e filosofias... e isso terá sido a sua maior fonte de inspiração!
Inspiração tão bem absorvida que, quando já se lhe afigurava o ocaso da carreira, os dirigentes do Mainz, seu então clube, o convidaram a assumir a liderança do clube, num momento em que a descida ao terceiro escalão parecia o cenário mais provável.
Seria o início de uma bela história!
O clube não desceria, os dirigentes perceberiam que a escolha tinha sido a mais acertada que poderiam ter tomado e o sistema Gegenpress, pela primeira vez, era mostrado ao mundo!
Chegados a este ponto, convirá desmontar a filosofia que levou Klopp ao Olimpo dos treinadores. Este baseia-se num modelo de pressão alta por todo o terreno de jogo, mas com todos os elementos da equipa a terem a consciência que em caso do adversário conseguir furtar-se a essa área de pressão, existirá a necessidade de constituir, rapidamente, um bloco baixo capaz de refutar os intentos do oponente. Além disso, depois de recuperar a bola, a matriz definitória será a da vertigem, a da rapidez!
Era o seu primeiro êxito, que o faria sentir que a sua carreira estava no futebol dos bancos de suplentes, das instruções tácticas, da liderança do balneário.
Em Mainz seria ídolo, numa gradação positiva de resultados que passadas três temporadas levaria o clube à 1.Bundesliga. Klopp era o treinador extravagante, que era olhado com um sorriso pelos adversários, mas amado pela sua massa.
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No máximo escalão germânico, a prova que estava pronto para o ritmo competitivo de um grande campeonato. Na verdade, o clube por si orientado, inicialmente, tido como simpático por ter o orçamento mais "light" de todos os que compunham a prova da temporada 2004/05 revelou-se um "pesadelo" para qualquer oponente, terminando a prova num surpreendente 11º posto. Era um verdadeiro "piscar de olho" do jovem e apaixonado treinador a voos mais altos, ainda que passadas duas temporadas fosse incapaz de aguentar os Die Nullfunfer (leia-se quintos em português, em alusão à nomenclatura completa do clube FC Mainz 05) no primeiro escalão. Pior, haveria de sair do seu comando para rumar a Dortmund em 2008/09 com o clube, ainda, a pugnar por voltar aos mais altos patamares do futebol do país.
Em Dortmund esperava-o um trabalho pleno de dificuldades, atento a crise desportiva e financeira que o clube vivia. Na verdade, apesar da imensa paixão dos adeptos pelo clube da Vestefália, a verdade é que o amor não pagava contas. O Borussia não estava em condições de ocupar os lugares que uma década de antes tinham feito dele campeão europeu. Porém tinha uma característica que permitia ao treinador levar à potência as suas capacidades: o já citado amor dos adeptos que seria potenciado pelo treinador que mais terá conseguido criar um elo de união com aquele imenso muro amarelo, que até já foi alvo de estudos, teses e de livros!
Além disso, um treinador era pago para resolver problemas. Como tal, se não se podia comprar os melhores jogadores tinha-se de arranjar uma solução. A aposta na academia do clube foi vista como a salvação, permitindo o aparecimento de jovens talentos como Schmelzer, Grosskreutz ou, o melhor de todos, Gotze. Além disso, para os lugares que a academia não conseguia fazer criar talentos, urgia apostar em mercados e jogadores de custo inferior, mas com possibilidades de se valorizarem e fazerem a equipa vencer.
A progressão terá sido mais rápida do que o esperado. Assim, do primeiro jogo do treinador, no qual venceu, ainda que de forma não oficial, a Supertaça alemã, ao título alemão demoraram três anos. Três anos em que no Signal Iduna Park se jogou o melhor futebol do país, a um rimo apaixonado, frenético, intenso e em que o treinador no banco era mais um adepto. Aliás, uma das muitas histórias que se contam de Klopp é o facto de, no dia em que o campeonato foi conquistado, ele e seu adjunto terem saído do estádio a pé, completamente em estado de celebração alcoólica, e pedido boleia a um motorista que, sem os conhecer, pensou tratarem-se de dois delinquentes que o iriam assaltar, até estes lhe acenarem com uma quantidade generosa de notas.
Apesar da alegria, em Dortmund deu-se, talvez, um dos momentos mais dolorosos da sua carreira. Falamos daquela final da Liga dos Campeões da temporada de 2012/13, em que, após o seu Borussia ter sido sedutor e mágico, mas também afortunado quando Felipe Santana, nos quartos-de-final, eliminou o Malaga de Pellegrini no último minuto, foi derrotado no ocaso do desafio por um golo de Arjen Robben que deu o ceptro europeu ao rival Bayern. Rival esse, que por esses dias, houvera anunciado a contratação da estrela Gotze, sendo que, quase em seguida, seria Lewandowski a rumar à capital da Baviera, deixando o treinador com a sensação que cada vez mais difícil seria disputar a supremacia na prova do seu país.
Ainda duraria mais duas temporadas em Dortmund. Mais difíceis, com piores resultados! Aliás, acabaria a bela história de amor com o Borussia com o amargo travo da derrota na boca, ao perder, no seu último desafio, a Taça do seu país para o Wolfsburg.
Contudo, Klopp já era nome de reconhecido talento e um certificado de qualidade no futebol mundial. Por isso, quando o Liverpool resolveu separar-se de Brendan Rodgers, não residiu qualquer surpresa que o alemão aparecesse na primeira linha para o substituir. O lugar seria seu e encetaria o trabalho de reformulação do clube da cidade dos Beatles. Um trabalho científico, seguindo a sua filosofia futebolística e, acima de tudo, com carta-branca para prosseguir o seu trabalho.
Fora das quatro linhas, Klopp voltaria a demonstrar as suas qualidades humanas. Assim, os momentos de convívio com os adeptos, em que celebram vitórias ou exorcizam fantasmas após derrotas (como sucedeu, após a noite infeliz do guardião Karius na final da Liga dos Campeões de 2018) são virais nas redes sociais e comprovam que o treinador, além de trabalhar com excelência no banco de Anfield Road, sabe ser um mestre nas relações sociais com os adeptos, tornando-o um dos mais amados da Kop, talvez só ao nível de Shankly, Paisley ou Dalglish.
A cereja no topo do bolo viria em Junho deste ano... Klopp, tido como, dizem os brasileiros, como "pé-frio", vencia a máxima competição europeia por clubes! A Liga dos Campeões em Madrid frente ao Tottenham! Uma final aborrecida, demasiado táctica, resolvida no primeiro minuto graças aos golos de Salah no início da contenda e de Origi no "apanhar das canas" pontuavam um êxito, tornado lendário com aquela remontada épica realizada nas meias-finais da prova frente a um Barcelona, que chegou a Anfield com uma vantagem de três golos. Perderia por quatro, com Messi e companheiros completamente desorientados, aterrorizados com a força invisível que emana daquelas bancadas que troam o "You"ll Never Walk Alone" a plenos pulmões. Sim, o medo cénico, que um dia foi descrito por Valdano, existe, mas não morará, única e exclusivamente, no Bernabéu!
Porém, o conto de fadas da última época teria um capítulo dramático. O título de campeão inglês, que como dissemos foge desde 1990, esteve à mão de semear. Porém, a vantagem amealhada na primeira metade da temporada esvair-se-ia entre os dedos! Apesar da ponta final divina levada a cabo pelos rapazes orientados pelo germânico, o City treinado por outro homem que merecerá um lugar no Olimpo do futebol ainda faria melhor! Um duelo levado a cabo por duas equipas de autor, de dois homens que poderiam escrever livros sobre filosofia e modos de viver e que prendeu até ao último jogo os adeptos de futebol por todo o mundo. Venceria o Manchester City, mas o mundo sentiria que qualquer um dos contendores merecia a glória!
Nos últimos dias, mais um êxito... a vitória no Campeonato do Mundo de Clubes frente ao Flamengo de Jorge Jesus foi mais um momento inolvidável de um homem que parece ter nascido para a glória no banco dos suplentes. Além disso, parece estar cada vez mais perto o resgatar do título inglês. O seu Liverpool é, hoje, uma equipa intensa, solidária e humilde à imagem do homem que no início da sua vida conjugava empregos em part-time com o sonho de progredir no mundo do futebol.
Mas, nada é impossível para quem persegue sonhos...
Vasco André Rodrigues (A Economia do Golo)*
Esta rubrica é uma parceria TSF e A Economia do Golo
* O autor opta por escrever ao abrigo do anterior acordo ortográfico.