Do aquecimento ao beijo na bota esquerda do génio argentino mais genial. Nove anos, cinco Bolas de Ouro e quatro Liga dos Campeões no bolso depois, Lionel Messi voltou a Alvalade.
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La pelota no se mancha
Às 19h17 saltou para o relvado de Alvalade, para agitar o esqueleto e aquecer os músculos. Uma formalidade. É só mais uma desculpa para a bola ser tocada por ele. É um show pré-show. Tal como nas férias e até na Lua-de-mel, andou sempre lado a lado com Suárez.
Começou pelos braços. À conversa com o uruguaio, pois claro. Depois, o tronco, uma corrida lateral, o bailarico clássico, seja no Barcelona ou nos infantis das distritais. A seguir os catalães juntaram-se numa rodinha, mas não aquela no círculo do meio campo, grande, que bailava e cantava Coldplay em tempos de vitórias. Lembranças de Guardiola...
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Messi alonga, enquanto vai mirando Ter Stegen voar na baliza. Vai sofrendo um golo ou outro. É que os treinadores de guarda-redes são autênticos Siniša Mihajlovic e David Beckham. Mais um skipping para a turma da Catalunha. Este aquecimento nada tem a ver com aquele mítico de Diego Maradona na Alemanha, ao som de "Live is Life", em 1989. Ao som de anúncios e nenhuma música, Messi é mais um, cumpre tudo direitinho. Vai olhando para a relva, parece aborrecido. A modernidade leva tareia dos idos anos 80.
O canhoto olha para Stegen, parece ter inveja. Mais uns exercícios rápidos e chega a hora da bola. Messi resolve resistir às primeiras que aparecem, caminha até à linha lateral, perto dos bancos. E começa a trocar com Suárez. Tac-tac: receção, passe pelo ar. Ouve-se "Allez ohhhh" saído da boca dos sportinguistas, empolgados, pareciam adivinhar a coragem que aí vinha.
Suárez vai-se mexendo, Messi nada. É um castigo, não há balizas. Falha um passe, falha outro. Estranho. Patrick Kluivert, atrás da TSF na tribuna de imprensa, vai olhando para o relvado com atenção. Parece querer sentir como estão os jogadores. Por vezes, lê-se a coisa através de um aquecimento.
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Messi e Suárez já se aproximaram, tocam perto, com o pior pé. Feito. Hora de bater na baliza, só os dois, enquanto toda a gente está a fazer outras coisas. Messi rematou seis vezes. Foi de falhar na baliza, a defesa de Stegen, para fechar com dois golaços. A canhota estava calibrada, já podia seguir. E saiu do relvado às 19h31, foi um aquecimento-relâmpago.
O génio argentino não fez um jogo brilhante. Com Valverde goza de liberdade total, alheando-se do jogo, como um ladrão à espera do momento perfeito. O craque perdeu algumas bolas, mérito da valentia e inteligência dos homens de verde e branco. Mas Messi é Messi e qualquer receção, para-arranca e simulação fazem sonhar. O homem, quando estava no chão, até tentou passar a bola por cima de Bruno Fernandes, que acabaria por recusar ir na cantiga. Battaglia fechou bem o meio, tem um caparro capaz de acompanhar as pernas de ferro do pequeno génio. Raramente foi ultrapassado, o médio do Sporting, com exceção para um lance, que os brasileiros chamam "caneta": uma senhora cueca, a 300 à hora, num contra-ataque. Os jornalistas olharam-se na tribuna, falaram sem falar. Os olhos saltaram, fizeram-se jeitos e trejeitos com a boca. Os dois argentinos sairiam juntos ao intervalo, a trocar impressões, com as mãos a tapar a boca.
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Messi, que igualava os 593 jogos de Puyol pelo Barça (ainda longe de Xavi e Iniesta), até marcou o livre que originou o golo na própria baliza de Coates, mas pouco mais fez até ao fim do jogo. Estava desligado, principalmente depois do 1-0. É que até lá foi obrigado a recuar para pegar na bola: é o maior elogio a um rival, quando Messi recua para pensar o jogo e tocar na bola. Messi até pode jogar menos bem, mas quando pega na bola há uma espécie de "pause" no coração dos rivais, principalmente. Há medo, respeito. Se há quem possa fazer tudo, é ele. O camisola 10 blaugrana ainda esteve na cara de Rui Patrício, mas Mathieu, que não se percebe muito bem como é que tem aquela velocidade toda, roubou-lhe a oportunidade de marcar o 100º golo na Europa.
Mas, invariavelmente, Messi está num dos momentos mais especiais do jogo. E sem bola. Na segunda parte, um rapaz invadiu o campo, com um cachecol do Barcelona e abraçou o ídolo. Messi agarrou-lhe as costas do pescoço, olhou-o nos olhos. Trocaram umas palavras. Ao sentir que vinha aí a brigada que o ia roubar ao céu, ajoelhou-se e beijou a bota esquerda de Messi. O argentino sorriu. Alvalade respondeu com um ruidoso "Cristiano Ronaldo, Cristiano Ronaldo". Acabou: 1-0 para o Barcelona, com um golo na própria de Coates. O "autogolo" é o segundo melhor marcador do Barcelona, atrás de Messi. Até sempre, Leo...