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Estávamos a 14 de Maio de 2011. Perante um San Siro cheio, o AC Milan festejava o seu décimo oitavo título italiano, goleando o Cagliari por quatro bolas a uma.
A equipa orientada por Massimiliano Allegri - e na qual pontificavam Thiago Silva, na defesa, e Ibrahimovic, no ataque, entre outros nomes como Gattuso, Pirlo, Alexandre Pato e Robinho - demonstrava a sua força no futebol transalpino e conquistava o scudetto. Longe de saber que seria o último e que, após este êxito, entraria num longo período de hibernação, ainda sem fim à vista.
Este período negro começaria com uma controversa decisão de Silvio Berlusconi, o até então endeusado dono do clube, que, desde que o adquiriu em 1987, venceu cinco taças dos campeões europeus até 2007. Ou seja, um quarto das provas referentes à máxima competição europeia que decorreram nesse período. Porém, voltando atrás, o magnata da comunicação social tomou a decisão de não renovar o contrato de Andrea Pirlo, por considerá-lo envelhecido e incapaz de actuar na alta-roda. Algo que a Juventus aproveitou, elevando o jogador à escala de ídolo juventino, fazendo quatro temporadas a roçar o inolvidável.
Porém, esta seria a primeira de várias decisões discutíveis do antigo primeiro-ministro italiano. Logo no final da temporada seguinte, após o clube ter conquistado um segundo lugar (ainda hoje muito lamentado, por um suposto golo não validado num desafio frente à Juventus, em que Buffon tirou a bola de dentro da baliza), no ano que marcou o regresso do scudetto à camisola da Juventus, são vendidas as traves mestras da equipa. Thiago Silva e Ibra partiam para a Cidade-Luz, a troco de 65 milhões de euros.
Em dois anos, as três peças chave da equipa partiam contra a vontade, sendo que outros elementos influentes na equipa, e também no balneário, abandonavam Milanello. Assim, Gattuso não renovava o contrato e partia rumo à Suíça. Igual caminho seria Zambrotta, rumo ao Chiasso. Nesta partia rumo à MLS. Cassano mudava-se para os rivais citadinos do Inter. Para além das estrelas, a espinha dorsal dos rossoneri partia completamente.
Tal seria o início da época das trevas milanista!
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Na época seguinte, com uma equipa nova, centrada na agressividade, por vezes exagerada, do holandês Nigel de Jong e na imprevisibilidade técnica e mental dos jovens Balotelli e Bojan (cedido pelo Barcelona), o clube voltaria a não conseguir aproximar-se da nova incontestada dona do futebol do país da bota: a Juventus.
Era, porém, o último estrebuchar, de grandeza de um Milan que demonstrava as suas dificuldades financeiras até à quintessência e que despediria o treinador, levando a que este assinasse pela Juventus para cimentar o poderio bianconero.
Começava o completo desnorte do clube da Lombardia. Seedorf assumiria o comando da equipa para nem sequer a classificar para a Europa, deixando-a num inenarrável oitavo posto. Seguir-se-ia no banco outra lenda do clube, Pippo Inzaghi, que nem acabaria a temporada, sendo substituído por Tassotti. A classificação final essa é que roçava o surreal, com um décimo posto final!
O diavolo penava. Com Silvio a dar toques de aristocrata falido, com resultados desportivos surreais se comparados com todo os demais do seu reinado, e com o clube a meio da tabela, urgia dar uma volta de 180 graus. Chegaria Sinisa Mihajlovic, que nem acabaria a época, mas que lançaria um nome, que, até hoje, é incontornável na realidade do clube: o jovem guardião, Gianluigi Donnarumma - talvez, o único jogador que ganhou estatuto mundial a actuar no clube, nos últimos anos.
Mais uma temporada, mais um treinador. Vincenzo Montella, proveniente da Sampdoria e vencedor do último título que o clube ostenta no seu palmarés: a Supertaça italiana, como resultado de ter discutido a final da Taça de Itália no pretérito ano contra a campeã Juventus. Nesse dia, em Doha, o título foi festejado como as antigas conquistas do diavolo: em grande e com desejo de mais títulos.
Entretanto, parecia existir uma orientação: já que não havia dinheiro, a aposta tinha de recair em jovens talentos, seguindo o exemplo de Donnarumma. Deste modo, nomes como o lateral Calabria, o médio Locatelli, ou o avançado Cutrone pareciam ser o sinal do começo de uma política desportiva coerente: a aposta nos jovens talentos saídos da formação, que iriam dar cartas no futuro. O sexto lugar final indiciava uma melhoria, pelo menos.
Porém, a filosofia preconizada (voltaria) a sofrer uma mudança radical. Berlusconi, depois de muitas tentativas, vendia o clube ao obscuro chinês, Yonghong Li. Este fez as coisas em grandes e comprou homens como Bonucci, Conte, Kessié, André Silva, Biglia, entre outros. Os jovens perdiam o lugar, mas o clube, mais tarde, perderia a honra. O asiático, para adquirir o emblema transalpino, houvera pedido um empréstimo financeiro ao Fundo Elliott, gerido pelo americano Paul Singer, e dera de garantia as próprias acções do clube.
O fim desse rocambole foi trágico. Li, que ninguém conhecia no seu próprio país, foi incapaz de honrar as suas obrigações financeiras e os americanos executariam a garantia. O Milan voltava a mudar de dono, sem honra nem glória. Tal foi o mesmo que aconteceu a Montella, que seria despedido, para dar entrada a Gattuso, que depois de regressar ao clube para treinar a equipa Primavera, regressava à equipa principal. E manter-se-ia nessas funções até ao final da temporada passada, procurando passar a mística ao jogadores que chegavam e, acima de tudo, conseguindo apurar o clube para a segunda competição europeia mais importante. Falamos da Liga Europa, que, atento ao cenário existente, era visto como um mal menor, ainda que a entrada na Champions League fosse a panaceia ideal para sanar as contas do clube e resolver os problemas com a UEFA, fruto do processo instaurado por violação do fair-play financeiro.
Aliás, esta situação teria um final vexatório para os lados de San Siro: não obstante o Milan ter conquistado o quinto lugar na temporada que findou em Maio do ano passado, não pôde participar nas provas europeias, como penalização pelo não cumprimentos dos pressupostos financeiros de licenciamento dos clubes.
Entretanto, começou a presente época, com Giampaolo a ser escolhido para substituir Gattuso. Duraria meia dúzia de jogos para ser substituído por Pioli. Pioli, esse, que encontrará uma equipa no meia da tabela e com problemas sérias para resolver. O passivo do clube é de 146 milhões de euros e os gastos com o pessoal aumentaram 35 milhões de euros - nem a contestadíssima gestão de Yonghong Li apresentou estes números - o que poderá levar à venda de algumas joias da coroa, como o guarda-redes Donnarumma ou o espanhol Suso, na reabertura do mercado, no próximo mês de Janeiro.
Por essa razão, independentemente do nome, dos jogadores que enverguem a camisola vermelha a simbolizar o inferno e o preto que deveria ser o medo incutido nos adversários, segundo as palavras de Herbert Kilpin, o fundador, a verdade é que o mal alastrou. E, nestes anos, ninguém conseguiu descobrir um medicamento milagroso... ou pelo menos, estancar a sua progressão!
Vasco André Rodrigues (A Economia do Golo)*
Esta rubrica é uma parceria TSF e A Economia do Golo
* Nota do Editor: O autor opta por escrever ao abrigo do anterior acordo ortográfico.