Muito mais do que marcar golos, "são aceites". Frame football, o desporto que ajuda a “relativizar” a paralisia cerebral
Venha conhecer o futebol em que objetivo não é o golo, é muito mais do que isso, mas em Portugal só há um sítio onde se pode jogar. No Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, ouça e leia aqui a Reportagem TSF sobre o frame football
Corpo do artigo
São já várias as crianças que agarram no andarilho e dão uns chutos na bola. Os pais vão-se sentando nas bancadas e durante a próxima hora nada mais importa do que “estar num meio em que todos os meninos têm as suas limitações e são aceites”. No campo joga-se frame football, um desporto que torna a paralisia cerebral amiga do futebol. Estamos no Pavilhão Hermínio Barreto, da Faculdade de Motricidade Humana, que oferece algo único em Portugal.
Como é que se explica a uma criança que, apesar de nascer com uma deficiência, é igual a todas as outras? Esta é talvez a pergunta mais complicada de responder e que o desporto pode ajudar a decifrar. Aida é mãe do Alexandre e do Rafael, dois irmãos gémeos que partilham a paixão pelo futebol, mas que atualmente já não podem jogar na mesma equipa. Enquanto o Rafael está na bancada a aplaudir, gritar “golo” e dar o apoio a todas as crianças, o Alexandre está em campo a aprender que uma limitação não é impedimento para fazer atividade física.
Foi muito importante o Alexandre ter contacto com outras realidades e começar a relativizar a problemática dele. Muitas vezes achava que só ele era assim e aqui vê-se confrontado com situações semelhantes, piores, melhores e começou a perceber que não é o único.
Ao Alexandre juntam-se outras crianças. A maioria são rapazes, mas (e como o futebol é para todos) também há espaço na equipa para uma rapariga. Todos com um andarilho, juntam-se no centro do pavilhão para começar o treino. Há uma bola de futsal, balizas pequenas e um campo ajustado às capacidades das crianças. Não há árbitros ou regras, mas sim um comando técnico composto por seis pessoas: os orientadores (Fábio Vila Nova, Augusto Pascoal e Filipa João), a técnica de desporto adaptado (Helena Gonçalves), o fisioterapeuta (Miguel Relvas) e a responsável pela interação com as famílias (Joana Soares). Mais do que colocar a bola no fundo das redes, o objetivo é estimular as crianças a mexerem-se.
- É a primeira vez que o Tomás está a experimentar. Ele ainda não percebeu como isto funciona, repare...
[olhamos atentamente]
- ... Não está a tentar pôr a bola dentro da baliza. Está apenas a tentar imitar a corrida dos outros e aqueles que já se conseguem sentar no andarilho.
Ao mesmo tempo que observa o desempenho das crianças, Augusto Pascoal conta à TSF que não ter medo é o mais importante no Frame Football. Aliás, para Fábio Vila-Nova, é mesmo necessário que “as crianças experimentem algum risco”.
É óbvio que trabalhamos com segurança. (...) Trabalhamos com equipas de reabilitação que nos ajudam a mostrar que é possível adaptar a bola, os pesos, as regras e a forma dos jogos. À medida que as crianças experimentam conseguimos perceber que vale a pena.
A paralisia cerebral acontece quando há um desenvolvimento inadequado das áreas do cérebro que afetam o controlo dos movimentos. A postura das crianças é afetada, aumentando o risco de terem um estilo de vida sedentário e inativo, o que leva os investigadores a acreditar que, além da felicidade de marcar um golo, a prática desportiva oferece melhorias na recuperação das crianças.
Rita Raposo está na bancada ao lado de outros pais. Há um ano que acompanha o filho João no futebol adaptado e ambos “não podiam estar mais felizes”. Aliás, serão só os mais novos que beneficiam com o Frame Football? A resposta é não. No Pavilhão Hermínio Barreto, os familiares trocam ideias e há mesmo uma responsável pela dinâmica e partilha entre encarregados de educação.
Além de permitir “estar num meio em que todos os meninos têm as suas limitações e são aceites”, para Rita Raposo, o desporto permite aos pais “descobrir pontos de melhorias, outros pareceres médicos”.
Uma criança começa a chorar. Deixou o campo e foi ter com os pais, que lhe dão consolo. Magoou-se? Não estará a gostar da atividade? Não e não. O rapaz está apenas frustado porque não consegue executar um movimento "tão bem" como os outros meninos, ou seja, está a ter dificuldades num ambiente onde é normal comparar-se, já que aqui são todos iguais.
O Frame Football melhora a parte emocional, como também a parte motora e física. Descobrirem-se a eles próprios através de novos movimentos, saberem que dentro das limitações conseguem ter uma modalidade onde estão inseridos, isso é positivo!
São quase 18h30, o que significa que a atividade está a chegar ao fim. Os treinadores recolhem o material e chamam os miúdos de novo ao centro do campo. “O que é que gostaram mais? Como se sentiram?”, pergunta Fábio Vila-Nova. Trata-se de um momento de interação que não acontece dentro de um balneário, mas exige exatamente a mesma reflexão, empatia e integração dos jogadores de futebol.
Entre janeiro e julho, no Estádio Universitário de Lisboa, decorrem sessões de Frame Football para crianças e adolescentes entre os 6 e os 18 anos, todos os sábados. O projeto é pioneiro em Portugal, sendo o único sítio onde se pode praticar a modalidade atualmente.
Atualmente, não existe um campeonato e a modalidade ainda está em vias de desenvolvimento. Mas o feedback tem sido tão positivo que os pais até já combinam 'peladinhas'. No futuro, o objetivo passa por conseguir organizar um encontro anual deste desporto adaptado.
Além do Frame Football, Associação de Paralisia Cerebral de Lisboa promove o Frame Running (tricicleta), a natação adaptada, o Boccia e o Slalom em cadeira de rodas, para crianças, jovens e adultos com paralisia cerebral.