É a equipa sensação do Mundial Rússia 2018, carrega um sonho antigo na algibeira - o de ser campeã do Mundo - tendo ficado a escassos 90 minutos, em 1998, de figurar nos quadros míticos das lendas que escrevem a história do futebol e pintam a posteridade.
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Na altura Boban e Suker eram figuras de proa da seleção croata. Caíram aos pés da geração de ouro da equipa de França, que contava nas suas fileiras com Zinedine Zidane, Thierry Henry ou Fabien Barthez, nas meias-finais do Campeonato de Mundo que os franceses receberam dentro de portas. Foi em Saint-Denis, no mítico Stade de France, que Lilian Thuram desfeiteou, com dois golos inéditos, em 142 jogos de "galo" ao peito contra um de Suker, a lendária Croácia.
Foi uma "morte" pouco ou nada anunciada, já que a eterna equipa dos Balcãs havia batido a super Alemanha de Oliver Bierhoff, Jürgen Klinsmann ou Lothar Matthäus, nos quartos-de-final da prova. Por outro lado, com uma fase de grupos bem conseguida, os gauleses passaram por algum aperto frente ao Paraguai nos oitavos-de-final, a eterna seleção de José Luis Chilavert.
Já na fase seguinte, os franceses discutiram o apuramento para a semi-final com a favorita seleção italiana, através das grandes penalidades. Ficará para sempre marcado na memória coletiva dos adeptos o adeus precoce da fantástica equipa transalpina, onde jogavam nomes "estratosféricos" como Fabio Cannavaro, Paolo Maldini, Roberto Baggio ou Alessandro Del Piero.
A França viria a sagrar-se campeã perante os seus fãs, conquistando esse título frente ao todo poderoso Brasil de Ronaldo, Roberto Carlos, Cafu e Rivaldo.
Passaram-se precisamente 20 anos. Mudaram-se os tempos, mas a vontade continua a mesma. O sonho, esse, continua intacto. Sobreviveu a duas décadas ligado a uma máquina que se chama esperança. A história desta seleção balcânica conjuga-se no presente do indicativo, mas é uma herança de um pretérito imperfeito, qual passagem de testemunho. O adversário será o mesmo que lhes matou a ilusão no século passado.
À custa do mérito, da qualidade e até de heróis improváveis, todos os astros parecem alinhados para, desta vez, se escrever um final diferente. Zlatko Dalic é um desses improváveis heróis.
O selecionador está na boca do Mundo por estes dias. Afinal, Zlatko Dalic foi uma aposta surpresa, de última hora, para tentar conseguir, em cima do joelho, improvável qualificação.
O treinador de 51 anos conseguiu mesmo o bilhete para Moscovo, já depois de surpreender todo o futebol croata ao conseguir manter o lugar e lograr os objetivos. Kalinic não resistiu à dor de costas e foi mesmo afastado da equipa, na mais importante demonstração de liderança do selecionador. O resultado está à vista, com a história a ser construída.
Sem grandes problemas em apostar numa solução com quatro homens na frente e Modric e Rakitic no meio, o selecionador, ao longo das últimas semanas, teve a capacidade de dar variabilidade tática à sua equipa, eficaz e com mutabilidade ao longo do certame.
Conseguiu retirar o máximo dos seus melhores talentos, incutir capacidade de sofrimento e superação quando a qualidade não surgia. Viajou como adepto ao França 98 e assistiu à queda de uma geração, mas de cabeça levantada. Vai para o jogo da sua vida com uma certeza: já garantiu um lugar muito especial no coração de uma das nações mais pequenas que alguma vez discutiu a competição mais importante de todas.
Desde a baliza à guarda de Danijel Subasic, passando à defesa forjada a nervos de aço de Domagoj Vida, com um toque de classe no centro do terreno de Ivan Rakitic e um ataque demolidor como o comprova Mario Mandzukic, a seleção da Croácia vale pelo seu todo, pesem embora as individualidades.
E sim, o sucesso tem nome coletivo e próprio. Luka Modrić é uma das razões do futebol ser a "coisinha" mais especial do Mundo. Faltam palavras para descrever as prestações do médio ao longo dos seis jogos já disputados na presente competição. Qual poeta que escreve com os pés! Faz jogar os colegas com a sua tomada de decisão e com a sua qualidade técnica, e ainda se entrega totalmente ao jogo. Não se guarda, não gere. Joga!
A ascensão do "astro" ao topo não foi fácil. Enquanto criança, testemunhou os horrores da guerra croata em Modrici, onde o seu avô, que era soldado, foi assassinado pelos sérvios. Modric estava perto do avô no momento fatídico. Numa tentativa de escapar ao caos, os pais decidiram mudar a família para a cidade portuária de Zadar.
A situação não melhorou pois a cidade era atacada por terra e mar. Mas, ainda assim, Luka passava muito tempo a correr com uma bola de futebol, nos corredores do hotel onde a família estava abrigada. E talvez se possa dizer que foi um funcionário desse mesmo hotel, que viria a ser o primeiro "agente" do futuro jogador. Com um simples telefonema para Josip Baljo, diretor do clube local NK Zadar, se dava início a uma longa caminhada. O toque e condução de bola já não deixavam margem para dúvida: o pequeno e enfezado menino viria a ser craque.
De Zadar até ao Dinamo Zagreb, passaram-se horas de treinos, desilusões no clube que era o seu preferido na época (Hajduk Split), ao ser rejeitado. Mas todas as estrelas têm os seus guias e Tomislav Basic, chefe da academia de Juventude de Zadar, foi o segundo pai que Modrić precisava. Não desistir foi a primeira das lições que o jovem aprendeu, vindo a revelar-se um excelente aluno no plano da "escola da vida".
Com apenas 16 anos, estreou-se na Croácia Sub-15, ganhou o prémio Futebolista Croata Esperança do Ano em 2004 e, depois de ter sido emprestado por duas vezes pelo próprio Dinamo, também seria este o clube que lhe viria a oferecer um contrato válido por dez anos e que lhe serviu de rampa de lançamento para a transferência para o Tottenham de Inglaterra, por 16.5 milhões.
O dia 27 de agosto de 2012 viria a ser "o tal dia" na carreira do médio criativo. A troco de 35 milhões de euros, o Real Madrid comprou um jogador de provas firmadas, mas também comprou um mago da bola e um eterno romântico do jogo.
Luka Modrić tem 32 anos, muito futebol na ponta da bota e uma final do Mundial 2018 à sua frente. Na retaguarda, um caminho que fala por si. Poderá ser o próximo "Deus" do mundo futebolístico depois do grande vazio deixado por Messi e Cristiano Ronaldo ou "apenas" o homem que conduziu os croatas ao Olimpo das seleções. Uma coisa é certa, é impossível ficar indiferente a esta Croácia e ao pequeno grande Luka.