Corpo do artigo
O "J", de janeiro, significa, transversalmente, também José Mourinho e Josep Guardiola. Dois monstros dos bancos de suplentes, aniversariantes neste primeiro mês do ano, que em comum têm o facto de serem treinadores de alto nível e de... terem protagonizado um dos duelos mais apaixonantes e quentinhos da Liga Espanhola durante duas temporadas - 2010/11 e 2011/12.
Corria, então, o ano de 2010 quando Florentino Pérez, agastado com o monstruoso tiki-taka imposto por Guardiola na Catalunha nas duas anteriores temporadas, decidiu contratar o na altura campeão europeu de clubes pelo Inter de Milão José Mourinho. O português havia conquistado novamente o ceptro, depois de o ter feito pelo FC Porto seis anos antes e era, então, visto como a grande esperança madridista para abater um tiki-taka verdadeiramente demoníaco, que exasperava adversários e, mais do que isso, os liquidava a um ritmo verdadeiramente alucinante.
O técnico português sabia que uma estratégia dentro das quatro linhas, por melhores jogadores que tivesse, não seria suficiente. Abriu, então, uma guerra política contra os culés. Cenários intimidatórios, agressividade nos limites nos dias dos grandes clássicos, declarações incendiárias e bate-bocas, que, inclusivamente, levaram a um mau ambiente entre jogadores do Barça e do Real na Seleção Espanhola. Os mind games e o trabalho tático do setubalense foram, ainda assim, infrutíferos na temporada 2010/11, a de estreia. A luta foi intensa, quatro pontos apenas separaram os eternos rivais, mas o tricampeonato acabou mesmo por ir para a Cidade Condal. Além da Liga Espanhola, a Liga dos Campeões, resgatada precisamente a... José Mourinho.
O técnico luso, não obstante, conseguira, internamente, a primeira confrontação ao domínio blaugrana. Com um golo solitário de Cristiano Ronaldo, já no prolongamento, no Mestalla, os madrilenos levaram a Taça do Rei para a capital, lançando, assim, um primeiro assalto que, na temporada seguinte, culminaria mesmo com o desejo maior dos blancos: a reconquista da La Liga, com inimagináveis 100 pontos obtidos, mais 9(!) do que o super-Barça de Guardiola. Um feito brilhante, atendendo ao status quo à época instalado. O único campeonato espanhol não conquistado por Guardiola ao serviço dos catalães teve tudo de Mourinho, que mobilizou os seus para o resgate do século XXI do principal campeonato espanhol. Entretanto, Pep Guardiola, desgastado por tal guerra que colocou os olhos de todo o mundo futebolístico em Espanha, entrou em ano sabático. Mourinho, esse, prosseguiu à frente no comando dos madridistas por mais uma temporada, sem, porém, voltar a colocar as mãos na desejada «Orelhuda» e repetir sucesso na La Liga. Tito Vilanova, braço-direito de Guardiola, prosseguiu a demanda do ex-líder e voltou a colocar o ceptro no museu blaugrana.
Mourinho saiu, assim, ao fim de três épocas extremamente desgastantes. Não tendo conseguido tudo, conseguiu, ainda assim, estancar um domínio em forma de beleza futebolística de um Barcelona que se reencontrou com as origens. As sementes do futebol total de Cruijff foram alvo de um upgrade por parte de Guardiola, num conjunto que ficou para a história. Oito títulos domésticos, duas Ligas dos Campeões (uma delas na época de estreia), dois Mundiais de Clubes e duas Supertaças Europeias. Tudo isto em... quatro anos.
As duas temporadas em que Mourinho e Guardiola coincidiram no futebol espanhol são verdadeiramente mí(s)ticas. Os clássicos paravam o mundo, ansioso por ver um duelo que extravasava a realidade: a dos dois extraterrestres do futebol mundial Cristiano Ronaldo e Lionel Messi. Foi um alinhamento de astros verdadeiramente... transcendente. Era algo falado, visto e debatido em todo o globo. O Barça x Real era o jogo dos jogos, dividindo, claro está, gostos e opiniões.
Por isso, e tal como tudo o que é imortal, ficou na história. Atravessou fronteiras, arrebatou corações. Foi o duelo Mourinho vs Guardiola, que sobressaltou a todos os níveis o mundo do futebol.
Os seus caminhos, por mais que se cruzem, como agora, em Inglaterra, não mais terão o mesmo misticismo. A lenda em terras espanholas será, para sempre, isso mesmo: uma lenda. Uma lenda que está nos anais do futebol e será, tal como uma bíblia, conhecida pelas gerações seguintes. Para a eternidade e mais além...
André Rodrigues (A Economia do Golo)
Esta rubrica é uma parceria TSF e A Economia do Golo