O livro sobre Roger Schmidt, o treinador dos cinco segundos que se rendeu ao talento
O jornalista Luís Mateus retrata o percurso do treinador do Benfica numa livro onde propõe uma viagem sobre a carreira e as ideias do técnico alemão. "Schmidtologia, as ideias do revolucionário que chegou, viu e conquistou a Luz" chega às livrarias esta quinta-feira, 22 de junho.
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Nas conversas que manteve ao longo de um ano com personagens que passaram pela carreira e pelos balneários de Roger Schmidt, o jornalista Luís Mateus percebeu uma mudança gradual nas atitudes do treinador, mas também nas ideias do técnico de futebol.
Há uma boa dose de rasgo criativo, de obsessão por uma ideia trabalhada até à exaustão, mas também uma busca por maior equilíbrio e compromisso com um futebol mais técnico e pausado. O Roger Schmidt que vimos em Portugal é, afinal, bem diferente das versões de Áustria, China ou Países Baixos.
Não seria arriscado usar o termo "revolucionário" para caracterizar um treinador que acaba de ter sucesso com a conquista de um campeonato? Sob pena desse termo se esvaziar rapidamente à luz dos resultados?
Em primeiro lugar devo dizer que este é um trabalho jornalístico. Não é um livro para glorificação de ninguém, ou seja, não é um trabalho para glorificar o Roger Schmidt como herói. É um trabalho jornalístico que começa, independentemente do Benfica, ser campeão ou não.
Falo de um treinador que chega a Portugal como um desconhecido. Mas é também alguém que é considerado um técnico de futebol de topo, isto apesar de ter falhado, se quisermos dizê-lo dessa forma, por exemplo para os adeptos do Bayer Leverkusen. Ainda assim, continua a ser considerado um treinador de topo na Alemanha. E é um treinador que derrotou Pep Guardiola quando treinava o Salzburgo, um técnico criou um grande hype à sua volta, mas que, ainda assim, chega a Portugal como desconhecido.
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Este livro é sobretudo uma viagem de descoberta onde, falando com várias pessoas, com antigos jogadores, treinadores, com jornalistas, com autores de outros livros, tento perceber a visão que o mundo do futebol tem sobre Roger Schmidt. Ou seja, esta não é só a nossa visão em Portugal, mas é também a forma como o treinador é visto na Áustria e na Alemanha, na China, na Holanda.
Este é também um trabalho independente, ou seja, este este livro não tem, não teve nunca nenhum acompanhamento por parte do Benfica ou por parte de Roger Schmidt (...) ninguém do Benfica sabia da existência do livro.
A parte do revolucionário vem um pouco nesse nesse seguimento, ou seja, Roger Schmidt é um revolucionário só por si, porque faz parte da vanguarda dos treinadores alemães. Há quem o considere, mesmo antigos jogadores dele, mais revolucionário que o próprio [Jurgen] Klopp e, se quiseres, mais revolucionário, até que o Guardiola, por defender uma forma de pressão mais agressiva, mais forte. É por isso que o considero um revolucionário.
Mas também é um revolucionário para o Benfica. É alguém que chega muda a maneira de fazer as coisas, a identidade ou ligação dos adeptos ao futebol do clube. É alguém que aproxima a equipa da identidade do clube".
Que descobertas fez sobre este treinador, falando do ponto de vista da parte técnica do jogo?
Na preparação há aqui coisas muito engraçadas, mas são coisas que vêm da filosofia da Red Bull, ou seja, há aqui uma ligação muito próxima no início ao Ralf Rangnick, que é um dos ideólogos do novo futebol alemão, ou do futebol moderno. Não digo que esse futebol tenha formatado Roger Schmidt, mas acabou por influenciá-lo em parte.
Quando chega ao Salzburgo, Roger Schmidt tem no currículo uma passagem pelo Paderborn, ou seja, é um treinador desconhecido para o futebol austriaco. O Salzburgo já tinha tido treinadores alemães como Lothar Matthaus, ou alguém como Giovanni Trapattoni, mas sem sucesso. Entretanto chega ao clube Ralf Rangnick para diretor desportivo, que vai buscar Roger Schmidt para treinador.
Acredito que acabam ambos por ser influenciados pelas ideias um do outro. Roger Schmidt torna-se ainda mais radical que o próprio Rangnick. Algumas dessas ideias foram expostas este ano em Portugal. Roger Schmidt tem um modelo de contrapressão [gegenpressing] que promove uma recuperação de bola em menos de cinco segundos. Se isso não acontecer (no treino) ele toca um apito, e tudo volta ao início (do exercício de treino).
Mas falamos mesmo de um apito, esse apito existe no treino?
Sim, sim, nos treinos toca mesmo um apito depois dos cinco segundos sem conseguir a recuperação de bola. Alguns antigos jogadores falam da ideia de recuperar a bola em cinco segundos e atacar em dez segundos. Ou seja, tens de ir logo atacar a baliza do adversário.
Mas neste livro falamos dessa identidade e Roger Schmidt, mas também da evolução dele enquanto treinador. Na Áustria está mais presente essa versão mais radical mas, na Alemanha, em Leverkusen, ele percebe que perante adversários mais difíceis não pode ser tão radical - mesmo mantendo a ideia de pressão, contrapressão e da linha defensiva tão subida.
Adapta-se, acaba por não ser tão radical no desposicionamento dos jogadores para realizar esses movimentos, ou seja, já começa a mudar um pouco.
As duas primeiras épocas são positivas para uma equipa do Leverkusen que era apelidada de "Neverkusen", "a noiva eterna", a equipa que nunca ganha nada. Schmidt acaba por aproximar o Leverkusen das decisões, mesmo sem ser campeão ou ficar em segundo, consegue colocar a equipa na Liga dos Campeões. Na última temporada (a terceira), acaba por se perder um pouco e será, talvez, a sua pior temporada.
Na China, percebe que tem uma equipa mais veterana do que tinha na Áustria ou em Leverkusen. Por isso, o treinador entende que a equipa não consegue ser tão agressiva na reação à perda.
Roger Schmidt é obrigado a promover um jogo mais pausado, porque os jogadores usam podem não disponibilizar tanta energia na recuperação. São por isso necessários momentos de pausa, uma ideia que Schmidt também vai transportar para o futebol nos Países Baixos e que tem a sua etapa final ou definitiva no Benfica, com jogadores como João Mário, com Grimaldo, como Aursnes, até como Chiquinho.
Falamos de jogadores que acrescentam a tal pausa, para não estar sempre num vai e vem de pressão e contrapressão, mas também permitem à equipa ter a bola mais tempo e , assim, controlar melhor o momento defensivo.
E esta é uma evolução que vamos percebendo no livro. Algo engraçado é que ele na Holanda era acusado de mudar muito a equipa. Mudava constantemente, de jogo para jogo, mesmo quando os jogadores marcavam um ou dois golos, ele acaba por os tirar da equipa para o jogo seguinte. Estava sempre em plena rotação. Já em Portugal, acabou por adoptar um onze e utilizar quase sempre os mesmos jogadores.
A versão que vemos hoje nos bancos, em Portugal, é uma versão de um treinador calmo, irascível. Na Áustria, ele atirava garrafas ao chão, gritava com toda a gente. Na Holanda e na Alemanha houve imensos problemas com árbitros, com reações muito ferozes. Cá não temos visto nada disso, apesar de algumas críticas, mas aqui também se percebe a evolução dele.
Uma das críticas a Roger Schmidt nos Países Baixos tinha que ver com os problemas físicos constantes dos jogadores...
Não consegui aprofundar muito esse tema até porque os jogadores também não se mostraram muito disponíveis, não se abrem muito para falar disso. Nesta etapa mais recente do treinador, ele tem apostado mais numa equipa estável, no Benfica parecia até estar a espremer os jogadores até à exaustão.
Acredito que a maneira de jogar ajudou a gerir melhor a questão física. Se não estás em constante correria, então consegues gerir melhor os momentos do jogo, e também a questão física dos jogadores.
Numa entrevista a um jornal alemão, Roger Schmidt explicava que nos últimos anos tinha apostado mais no controlo da bola, do controlo dos momentos do jogo, o que lhe permite também gerir melhor os jogadores.
No Benfica, com os jogadores que encontrou e que o acabaram por convencer -lembro que João Mário era tido como um jogador que seria para dispensar, Grimaldo com a situação da última época também estava em causa, ou o caso de Chiquinho -, jogadores que Schmidt foi acrescentando ao seu modelo, eles também lhe permitiram acrescentar essa pausa no jogo do Benfica, que tem também um reflexo na situação física.
É verdade que passámos as últimas semanas da época a dizer que os jogadores do Benfica pareciam exaustos, mas a verdade é que também começaram a temporada mais cedo, por causa das pré-eliminatórias de acesso às competições europeias. Penso que a gestão física acaba por ser muito boa.
Para o futuro vai tentar procurar mais jogadores com essa característica, a tal pausa?
Acho que Roger Schmidt precisa em primeiro lugar de um líder. Não digo que seja um central, pode ser um médio como foi Enzo Fernández. Depois precisa de um jogador como Grimaldo.
Roger Schmidt vai continuar a procurar um modelo híbrido: um modelo que permita ser muito direto e vertical mas, ao mesmo tempo, ter o controle do jogo. Ele tem vindo da radicalização para algo mais equilibrado. Esse é o sentido da filosofia de Roger Schmidt.
Tudo isto sem perder a ideia de querer jogar como uma equipa grande, de querer ser uma equipa ofensiva, uma equipa muito virada para si mesma - e isso também é um defeito, como se viu em alguns jogos esta época. Mas vai manter a identidade de ter jogadores rápidos, contundentes, jogadores que aproximem a equipa rapidamente da área adversária.
Devo dizer que acho que esta é a melhor versão de Roger Schmidt. E tem algo curioso na carreira que é, a segunda temporada dele num clube é sempre melhor do que a primeira. Isto terá que ver com a implantação das ideias, da construção do plantel à luz das ideias dele. Mas agora não vai ter o fator surpresa que teve nesta época sobre os principais rivais, algo que permitiu que o Benfica fosse muito forte no arranque e que fez com que o Benfica ganhasse uma vantagem que era difícil de perder.