O pirata Pereira Lage e o assalto histórico do Brest ao mar dos tubarões europeus
A temporada do Stade do Brestois é talvez a mais surpreendente dos emblemas entre os cinco maiores campeonatos da Europa. O pequeno clube da Bretanha passou em poucos meses de uma posição de luta pela manutenção para um histórico 3.º lugar da liga francesa com acesso direto à Liga dos Campeões
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“Se me deixarem escolher, eu quero uma equipa de cada país (risos).” Mathias Pereira Lage e os companheiros de equipa no Stade Brestois 29 olham com curiosidade para as equipas já apuradas para a nova Liga dos Campeões. O Brest surpreendeu a Europa, o clube da bandeira pirata intrometeu-se no clube dos milionários com uma temporada histórica. Uma finta a uma competição que caminha para se fechar sobre si mesma.
Pereira Lage nasceu em França, mas sonha com estádios cheios no país que o chamou aos sub-21, de onde é originária a sua família. Talvez a Liga dos Campeões lhe permita experimentar esses palcos portugueses. Os portugueses, e todos os outros que compõem a rota dos emblemas históricos europeus.
“Gostava de jogar em Inglaterra… mas também quero jogar em Portugal. Quero jogar contra uma equipa portuguesa. Temos o Sporting, que tem um grande estádio. Mas também pode ser o Benfica. Vamos esperar pelo sorteio. Que venham grandes equipas para podermos aproveitar este primeiro ano na Liga dos Campeões”, diz.
O extremo luso-francês explica que o Brest quer mostrar que não é um intruso ou um acaso feliz. Surpreende o nome do 3.º classificado da liga francesa, um emblema da Bretanha, com um estádio pequeno, que nem pode receber os maiores da Europa mediante as obrigações da UEFA. Surpreende ainda mais a forma como chegou ao estrelato europeu, após ano e meio de crescimento.
Éric Roy soube como descomplicar
A 29 de janeiro de 2003, o Brest goleou em casa o Angers por 4-0 (curiosamente, o clube onde Pereira Lage havia jogado durante três temporadas). Os jogadores respiravam de alívio. O clube deixava a linha de despromoção, dias depois da chegada do novo treinador, Éric Roy, que, entretanto, no primeiro jogo pelos piratas, havia permitido a queda na Taça de França diante do Lens (1-3).
“No ano passado, o início do campeonato foi muito difícil. Sofremos muitos golos. Mas quando mudamos de treinador, o grupo mudou também a forma de pensar. Queríamos conseguir manter o clube na Ligue 1, mas também manter a alegria nos treinos e nos jogos. Criamos uma relação entre nós, e foi por isso que conseguimos manter o clube”, afirma.
O que fez a nova equipa técnica? “Este treinador devolveu-nos a confiança. Ele deu liberdade aos jogadores, liberdade para nós jogarmos de acordo com a nossa vontade. Mas jogamos mais juntos. Mudou o sistema, para um 4x3x3, com um médio à frente da defesa É um sistema mais fácil para nós.” Simplificados os processos, os jogadores ganharam confiança e estabilidade emocional.
Os jogadores gostam dos treinos e do dia a dia. “Habitualmente voltamos aos treinos na terça-feira [quando há jogo ao domingo], fazemos algum trabalho com os jogadores que jogaram no fim de semana. Os restantes jogadores trabalham um pouco mais. Na quarta fizemos habitualmente pequenos jogos com parte do campo. Na quinta-feira jogo de campo inteiro e, à sexta-feira, um treino mais tranquilo, com remates à baliza para os avançados, trabalho de guarda-redes. Antes do jogo há sempre um treino com os livres, os pontapés de canto ou pequeno torneio de sete contra sete.”
“Estamos onde merecemos”
É bem provável que as rotinas dos jogadores do Stade Brestois se alterem durante a temporada que se avizinha. Em 2024/2025 vão estar na Liga dos Campeões, numa fase inicial com oito jogos garantidos: quatro em casa e quatro fora do país.
“Vai ser um ano difícil, já sabemos. Todas as equipas que vão jogar contra nós sabem o que valemos. Vão estudar-nos porque esperam muito de nós. Temos, para já, mais oito jogos na temporada, sendo que não temos um grupo muito grande. Há que fazer uma boa pré-temporada para conseguirmos jogar muitos encontros na temporada sem baixar o nível.”
O clube do norte de França só ficou atrás de Paris Saint-Germain e Monaco na liga 2023/2024. Uma classificação histórica onde ultrapassa Lille (com Paulo Fonseca), Nice, Lyon, Lens e Marselha (os dois últimos fora das provas europeias).
“Temos bons jogadores, mas não temos grandes jogadores como o Paris [Saint-Germain] ou o Monaco. Mas temos um excelente grupo. E estamos onde merecemos porque fizemos grandes jogos contra grandes equipas. Vencemos os jogos quando precisávamos de pontos.”
Quem são os piratas?
Mathias Pereira Lage destaca o papel de alguns companheiros de equipa ao longo do ano. O primeiro valorizou o coletivo. “Começo por Pierre Lees-Melou. Ele joga à frente da defesa, é muito bom com a bola nos pés, gosta de iniciar os ataques. Mas também recupera muitas bolas. Fez uma grande época.”
Mas há também espaço para criatividade dentro do sistema de Roy. “Também temos um avançado à direita, Castillo, joga pela direita e tem muita técnica. Mas o segredo é o grupo, a combinação em campo dos jogadores. Temos sempre a mesma forma de defender e de atacar, e o nível não muda com as alterações, ou talvez mude apenas um pouco. É por isso que fizemos uma grande temporada.”
O compromisso dentro do balneário contagiou os adeptos. Sob a bandeira pirata, símbolo de clube, os adeptos do Stade Brestois 29 fazem do estádio Francis Le-Blé uma fortaleza. Há grande proximidade entre as bancadas e as marcações do relvado, uma vizinhança semelhante à que se repete nos estádio ingleses, do outro lado do Canal da Mancha.
“É um pequeno estádio. Os adeptos estão muito felizes por chegarmos à Liga dos Campeões. Infelizmente não podemos jogar a competição no nosso estádio porque ele precisa de modificações. Vamos ver onde vamos jogar, mas acredito que os adeptos estão prontos para as viagens.”
Pereira Lage espera estrear-se nas provas europeias aos 26 anos. Nas pernas conta com mais de 130 partidas na principal divisão do futebol francês. Um pirata portugês na Liga dos Campeões.