Descobriu as ondas da Praia do Norte pela televisão e nas redes sociais ao ver Garrett McNamara fazer história no surf. Queria fazer o mesmo: conquistar a onda do ano, a maior de sempre, se possível. E conseguiu.
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Ao regressar à Nazaré, o olhar de Rodrigo Koxa perde-se nas ondas que surgem no horizonte a partir do forte de São Miguel Arcanjo. Foi daquele local, um antigo forte militar no topo de um penhasco, que foram registadas as imagens que comprovam o feito do surfista brasileiro de 39 anos. Depois de várias décadas à procura da onda perfeita nos quatro cantos do mundo, o paulista Rodrigo Koxa domou a maior onda alguma vez surfada: mais de 24 metros de altura, um registo que ultrapassa a marca definida por Garrett McNamara, também na Nazaré.
"Hoje sinto-me leve. A primeira coisa que fiz quando voltei à Nazaré foi ir ao forte ver o pôr-do-sol. Fiquei ali parado a contemplar a imensidão do mar, as gaivotas, que, na água são os nossos anjos". E foi do forte de São Miguel Arcanjo que o brasileiro voltou a avistar o local onde diz, surfou a onda da sua vida, mas um lugar que também marcou a sua carreira de forma negativa, em 2014, quando um acidente lhe tirou a vontade de regressar ao mar.
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"A primeira vez que ouvi falar da Nazaré foi quando vi (Garrett) McNamara na televisão, logo após ele ter batido o recorde do mundo [em 2012]. Eu estava na Califórnia, a disputar um torneio e, é ali que vejo aquilo que era o meu sonho: o Óscar do XXL Biggest Wave - o campeonato do mundo de ondas gigantes -, mas também o recorde do mundo, a maior onda", conta. Foi ali que descobriu a Nazaré, nas imagens que correram o mundo, pelo tamanho da onda, pela dimensão iconoclasta do ambiente em torno da praia do norte. "Quero ir lá", concluiu então.
A praia que mudou a modalidade
Habituado a competir no mundial de ondas gigantes e com vários anos à procura da onda perfeita, depois de residências no Havaí e no Haiti, Rodrigo Koxa explica que não percebeu de imediato o que tinha acontecido na Nazaré com McNamara. O norte-americano tinha mudado a forma de agir na modalidade: não só ia para o mar com a ajuda de um jet ski e de um companheiro que o resgata após a onda, mas tinha ainda na equipa, e no mar, outro jet ski, e um segundo surfista, um reserva que tomaria o seu lugar caso caísse da prancha. A somar à equipa de profissionais havia ainda uma forte componente técnica, com pranchas adaptadas às grandes ondas, um sistema de comunicação adaptado às condições dentro de água, e uma coreografia entre os vários elementos da equipa de surfistas que acautelava possíveis situações de crise.
"Pensei que todo aquele aparato era uma manobra de marketing do McNamara. Não compreendi para que era necessário tudo aquilo", conta Rodrigo Koxa. "Era como a formula 1 do surf. Só percebi melhor quando vi a Praia do Norte". A proximidade às rochas na zona de rebentação das ondas tornava ainda mais perigoso o surf no local. As características geológicas da praia, que possibilitam o aparecimento de ondas de dimensão única no mundo, têm que ver com a proximidade à base do promontório, e por isso ás rochas. E foram aquelas rochas que quase deixaram o surfista fora da modalidade, em 2015.
A onda que quase levou o surf de Rodrigo
Como Rodrigo Koxa, várias dezenas de surfistas foram atraídos para a Nazaré logo após o feito de Garrett McNamara. Na segunda visita que fez à praia do Norte, o brasileiro saiu para a água com uma equipa de quatro elementos, dois surfistas, e dois técnicos de resgate em jet ski. Koxa era o suplente. "O que nós tínhamos não era treino ou experiência, era apenas paixão". António Silva, o surfista titular naquela manhã caiu nas ondas, próximo dos rochedos, e sofreu ferimentos na cabeça e com um joelho partido.
Depois de resgatar o companheiro, Rodrigo Koxa fez-se à água, sem surfista suplente para o resgatar, e apenas com um jet ski na água. "Acho que peguei quatro ondas na cabeça, enormes. Só pensava no meu companheiro, onde seria que ele estava. Estava muito próximo das pedras e só pensava que ia bater nelas". Numa questão de segundos, conta Rodrigo, apareceu o resgate, mas o jet ski tombou, e os dois homens caíram à água. Acabaram por chegar à praia, enrolados nas ondas.
"Quando cheguei à praia estava a chorar. Nos meses seguintes, depois de voltar para o Brasil, comecei a ter pesadelos, sempre o mesmo, a imagem das pedras, eu a ir em direção aos rochedos". Os meses seguintes, sempre fora de água, Rodrigo Koxa trabalhou com vários psicólogos para tentar recuperar a motivação para a modalidade. E foi novamente a imagem de McNamara e da Nazaré que ajudou o brasileiro a encontrar um novo objetivo, e fazer desaparecer o receio da água.
O regresso à Nazaré
De volta à competição e à Nazaré em 2017, Rodrigo Koxa saiu para a água com o português Sérgio Cósmico no dia em que, diz, surfou a onda da sua vida. "Eu tinha tudo: o colete certo, a prancha certa, a química cerca com os meus companheiros. Estava tudo novamente alinhado na direção certa". Com a motivação de volta, na manhã de 8 de novembro encontrou no mar da Nazaré o que procurava. "O Sérgio viu uma boa vaga de ondas e fez-me entrar diretamente na terceira da série. Aí ele perguntou se eu queria ir. Ela estava linda, lisa, enorme. Entrei no lugar certo, vi aquela massa de água enorme, a aumentar, aumentar, parecia um prédio".
https://www.youtube.com/watch?v=ZOwodcqGRvM
Rodrigo Koxa fez descer a prancha amarela e negra pela onda. "Quando a onda estava em cima de mim percebi que tudo estava a ficar escuro. Era um monstro, só pensava como ia sair dali". Depois da onda rebentar procurou a cauda, manteve o equilíbrio e esperou o resgate. "Então fiquei gritando: Serginho, você colocou-me na onda da minha vida".
Aos 38 anos de idade, Rodrigo não queria acreditar nas imagens registadas pelos fotógrafos no local. A dimensão da onda era ampliada pelo ângulo único das objetivas que registaram o momento do alto do promontório da Nazaré. A 20 de abril deste ano, a Federação Internacional de Surf confirmou a dimensão da onda: 24 metros e 38 centímetros - 80 pés, a onda da temporada, e novo recorde do mundo. O placa do Guinness que regista o feito foi entregue este domingo ao surfista.
https://www.youtube.com/watch?v=-aQu7GSduIo
"Quando regressei à Nazaré, a primeira coisa que fiz foi ir ao forte ver o pôr-do-sol. Sinto-me leve, não estou preocupado com o recorde do mundo, com a dimensão das ondas que apanho. Ainda esta semana tive um bom swell, bons dias de treino. Só quero desfrutar, ficar a ver as cores das ondas, se está azul, verde ou cinza. Nenhum lugar se compara à Nazaré."