Um golo que chega antes, outro que chega sozinho, porque só a rádio chega a uma mesa de um casamento. O que têm em comum? Ricardo Quaresma.
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"Golo"! Não foi um grito, mas suficientemente alto para que Fernando Medina se virasse para trás com um ar muito surpreendido, e logo a seguir Mário Centeno. E de repente muitos à minha volta perguntavam: "foi mesmo?!" Foi. Do Quaresma, de trivela.
Eu fui, ainda que involuntariamente, aquele vizinho que, de janela aberta, grita golo e nós, que estamos a ver o jogo pela televisão, sobretudo em HD (alta-definição), temos de esperar que a bola ultrapasse o meio-campo. Apesar de ganhar a vida a dar notícias, eu não queria nada daquilo, mas ao pegar no aparelho que me haveria de permitir entrevistar Centeno e Medina entrei numa espécie de cápsula do tempo, do futuro, só permitida pelas ondas hertzianas, e, perante o grito do João Ricardo Pateiro, em Saransk, reagi por impulso. Saiu-me.
Por estes dias, na Arena Portugal, no Terreiro do Paço, em Lisboa, há quem já tenha descoberto (ou relembrado) que a rádio é uma espécie de Usain Bolt dos órgãos de comunicação e perante livres ou penáltis olhe para quem está de auscultadores na cabeça, na esperança que uma reação acalme o coração ou o faça disparar de alegria. Em relação à transmissão que chega ao maior ecrã gigante do país a rádio chega a correr quase 10 segundos mais rápido. Há quem olhe sempre, pois claro, e quem prefira deixar-se surpreender.
Mas a Rádio não é apenas campeã da velocidade. Imagine que dois amigos decidiram casar-se no dia do Croácia - Portugal do Euro 2016, em França. Imagine que não há televisão para seguir o jogo. Imagine que o jogo vai para prolongamento. Já ninguém aguenta sem saber o que se está a passar. "Há o Twitter, os sites..." Sim, mas isso não funciona em direto como funciona a rádio. O que faz? Isso, abre a aplicação da TSF, coloca o volume muito baixo e tenta ir ouvindo, ainda que a espaços, o que se vai passando no Stade Bollaert-Delelis. Claro que toda a mesa aproveita a boleia e fica também de ouvido colado ao telemóvel, tentando não parecer muito indelicada. Aí chega o minuto 117 e... lá estamos uns quantos a fazer de vizinho de janela aberta. Só que desta vez sem a concorrência da televisão, era mesmo notícia exclusiva.
Vem isto a propósito do poder da rádio num evento com tantos milhares em suspense para saber o desfecho. A tecnologia já deu muitas voltas, mas ainda não conseguiu colocar tudo na mesma onda de velocidade. E isso pode ser muito desagradável para quem gosta de se surpreender ou uma arma incrível para quem gosta de estragar aos outros esse prazer da surpresa, ou simplesmente não vê qualquer prazer em esperar. E eu só me lembrei de tudo isto porque o Vasco, que se casou no dia 25 de junho de 2016 com a Alice, me lembrou hoje, 25 de junho de 2018, que há precisamente dois anos o Ricardo Quaresma também nos tinha dado uma grande alegria. Pois foi. A 25 de junho de 2016, umas horas mais tarde, é certo, Ricardo Quaresma, aos 117 minutos do Croácia - Portugal, colocou, com um subtil encostar de cabeça à bola, Portugal nos quartos-de-final do Campeonato da Europa. Desta vez, com um empate a um, foi nos oitavos de final do Mundial. E foi de trivela.