Pedro Queirós: “correr pela paz” cem Maratonas em cem dias, de Lisboa a Auschwitz
Pedro Queirós já subiu ao cume do Evereste. Agora quer correr cem maratonas em cem dias e chegar ao lugar onde a humanidade bateu mais fundo: Auschwitz. E angariar cem mil euros para uma escola no Nepal e dois projetos israelo-palestinianos. Parte este 25 de Abril, às 11h00, da Praça do Comércio. Entrevista na TSF
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Qual é o objetivo desta empreitada?
É um objetivo humanitário. Desde há dez anos, quando estive no grande terramoto que assolou Katmandu, no dia 25 de Abril de 2015, que me proponho a superar grandes desafios físicos e mentais para recolher fundos para apoiar os meus projetos, que, entretanto, já se expandiram não só ao Nepal, mas também já têm ajudado causas portuguesas, já têm ajudado causas noutros países, como o Quénia, por exemplo. São sempre objetivos ligados à educação, à habitação, à saúde, à nutrição. E estas aventuras também me permitem perseguir os meus sonhos. São grandes obstáculos. Imagine o que é subir ao Monte Evereste, nunca fui um alpinista, tive de me preparar muito, obviamente, passei muitas dificuldades. Agora tenho este grande desafio: as cem maratonas em cem dias, chamado Run for Peace.
A entrevista completa passa no próximo sábado no programa O Estado do Sítio
Run for Peace ou, em português, Correr pela Paz, inspirado no lema de Gandhi, segundo o qual "não há um caminho para a paz, a paz é o caminho". Sei que é formado em agronomia e em gestão, sei que costuma correr maratonas, já correu muitas. Treina todos os dias?
Treino todos os dias. Como dizia o grande professor Mário Moniz Pereira, o treino é todos os dias. Seja atletismo, seja o trabalho de força, seja o alpinismo, a escalada indoor, seja a natação.
Qual é a distância mínima que corre todos os dias?
Hoje fiz oito quilómetros, porque já me estou a preparar agora para fazer 42 por dia.
Mas, normalmente, nos últimos oito anos, tenho corrido uma média de cem quilómetros semanais. Dividindo isso por sete dias da semana, estamos a falar de 13 a 15 quilómetros por dia.
Agora propõe-se fazer uma média de 42 quilómetros...
Exatamente. É a distância oficial da maratona.
Nos próximos 100 dias… Falava-me daquilo que já conseguiu com estas corridas, com estas provas, com esta iniciativa humanitária Run for Peace, desde 2015 em Katmandu. Pode detalhar um pouco o que é que já foi possível fazer e como é que é o processo?
Toda esta missão humanitária, todos estes desafios que proponho fazer, têm uma data de início específica e um evento que marcou a minha vida. Há dez anos, eu tinha 33 anos e, na altura, estava entre projetos profissionais. Tinha acabado a minha licenciatura em agronomia, andava a fazer viagens pelo mundo para trabalhar em quintas, porque as aulas correram muito bem, de facto. Fui um bom aluno de agronomia, mas eu não sabia como é que se trabalhava no campo. Então, fui trabalhar para a Argentina, fui trabalhar para a Austrália e também fui para a Ásia, porque eu queria saber como funcionava a cultura do arroz. Fui para o Vietname e um dos meus sonhos era ir ao Nepal, ver o Monte Evereste. Ver apenas. Ver o Monte Evereste era um anseio que eu tinha desde miúdo. E, quando eu cheguei ao Nepal, foi na noite de 24 de abril de 2015, na manhã seguinte, o país foi assolado por um terramoto de 7,8 na escala de Richter.
Eu estava lá. Após aquelas primeiras horas de réplicas e de ver os mortos serem retirados dos escombros e uma cidade completamente em ruínas, eu estava com um amigo e aquilo que decidimos fazer foi começarmos a ajudar. E esta missão humanitária dura até aos dias de hoje. Faz dez anos agora.
No primeiro ano, recebemos muitas doações e muito entusiasmo, havia muitos voluntários que se juntaram a nós, desde arquitetos até médicos. Recebemos várias doações que foram reportadas todas através das redes sociais. 100% dos fundos que recebo são sempre aplicados para os projetos, já que faço tudo em regime de voluntariado. Decorrido um ano, em 2016, tal como em todas as tragédias (eu costumo chamar-lhes as tragédias descartáveis) já ninguém falava sobre o terramoto, só que a tragédia continuava presente. O que é que eu decidi fazer? Foi no ano em que eu me casei também, já temos um filho agora, que é o Vicente, com seis anos, decidi começar a viver estas grandes aventuras humanitárias, especificamente em duas áreas: o alpinismo e o atletismo, em que eu me proponho a viver grandes desafios, impossíveis até para mim. Quando me propus a subir ao Evereste não sabia se ia conseguir, quando me propus a atravessar o Japão a correr não sabia se ia conseguir. Existe toda a componente física, emocional e também humanitária, porque eu vivo estas aventuras e proponho-me a recolher fundos que são aplicados a 100% em projetos que eu conheço ao pormenor, seja em Portugal ou no Quénia e no Nepal. Como é que a coisa funciona? Reporto tudo pelas redes sociais, pelo Instagram, normalmente, tenho uma comunidade de família e amigos que me acompanham, que vibram comigo e eu vou reportando tudo.
Não sou formado em jornalismo, mas vou reportando os sítios onde estou, as dores que vou tendo, os equipamentos que uso, também não estou associado a nenhuma marca, também não sou um influencer, eu faço isto porque sinto um chamamento e porque quero fazer.
Como é que cobres essas despesas?
Cubro as minhas despesas com os meus fundos pessoais, portanto, as minhas despesas de viagem, de hotéis, de estadia, de comida, entre outras, pago sempre com os meus fundos pessoais. Isso é completamente inegociável.
Por isso é que diz que os apoios são 100% para os projetos?
Exatamente, exatamente. Isso é aquilo que tem sido uma das fórmulas de sucesso deste projeto, porque hoje em dia nós sabemos que este trabalho humanitário, quando fazemos uma doação para as grandes organizações, muitas vezes não sabemos para onde é que vão parar os fundos, parece que existe ali um muro e não se percebe muito bem exatamente em que projetos é que são aplicadas estas doações. Mas eu mostro tudo. Portanto, esta honestidade e esta transparência, o mostrar as faturas e as fotografias, quase que se tornou a minha vantagem competitiva. É um bocadinho a minha identidade e os doadores confiam muito em mim e eu procuro sempre honrar essa responsabilidade com um grande compromisso de mostrar tudo aquilo que é feito; e é isso que tenho feito ao longo dos últimos 10 anos.
Portanto, este ano, partida da Praça do Comércio em Lisboa, neste 25 de abril, 4.200 quilómetros rumo ao campo de concentração de Auschwitz na Polónia. Porquê a escolha de Auschwitz?
Foi uma escolha difícil. O campo de concentração de Auschwitz representa uma das páginas mais negras na história da humanidade, como nós sabemos.
A Segunda Guerra Mundial acabou há 80 anos…
Exatamente. Mas desta vez, desta vez, eu decidi que queria não só ajudar o Nepal, e dado que o terramoto faz 10 anos, eu decidi que para o Nepal queria recolher fundos suficientes para construir uma escola de raiz e se eu lhe disser que, até agora, o máximo que eu angariei foram 14 mil euros, que foi quando fiz as 50 maratonas, os 50 dias no Japão.
Isso foi uma parceria com o projeto Dreams of Kathmandu?
Sim, que fui eu que fundei.
Que fundou há 10 anos. E, aparentemente, pelo que leio aqui na sua apresentação, para construir essa escola primária são necessários 50 mil euros...
Exatamente.
Portanto, eu fiz uma fórmula aqui, mais ou menos, para simplificar a coisa, e disse à minha comunidade... então, para simplificar a minha comunicação, quero correr 100 maratonas em 100 dias para angariar 100 mil euros. Que, para além dos esforços físicos estratosféricos, é um valor de angariação estratosférico também para a realidade portuguesa.
E deste valor, 100 mil euros, eu pretendo que 50 mil vão para esta escola lá no Nepal, que eu já tenho a terra e já tenho o projeto, e parceiros locais, e este é o legado que eu quero deixar, porque estou no Nepal há 10 anos; tenho laços muito fortes com aquelas famílias, com aquelas pessoas e com aquela cultura, e os outros 50 mil euros, eu senti um chamamento, e senti a necessidade de fazer qualquer coisa por um tema sensível que nos afeta a todos enquanto seres humanos, enquanto membros da humanidade. Todos nós sabemos que vivemos um conflito muito grande no Médio Oriente, hoje em dia, entre Israel e a Palestina, um conflito que dura há milhares de anos, que dura há séculos, que teve agora novos episódios mais recentes…
Portanto, a questão, do 7 de Outubro, os atentados ao Hamas a 7 de Outubro de 2013, e a resposta israelita que se seguiu na faixa de Gaza…
Exatamente, eu tenho acompanhado este tema com muita preocupação, porque penso que não podemos ficar indiferentes àquilo que se está a passar, comecei a estudar o tema...
Já morreram em Gaza mais de 50 mil pessoas, o território está basicamente destruído, segundo números que foram recentemente divulgados, a dimensão das bombas e dos explosivos que já foram lançados sobre Gaza é superior ao que foi lançado durante a Segunda Guerra Mundial sobre Londres pela Alemanha nazi, e sobre Hamburgo e Dresden pelos Aliados…
Tudo aquilo que está a acontecer, o meu coração está em Gaza neste momento, está em Gaza com os palestinianos, mas também está com as famílias dos reféis israelitas que estão presos. Eu não sou um comentador político, eu não sou um analista político, só nasci em 1981, uma altura em que esta história já se desenrolava há muito tempo, mas aquilo que eu comecei a perceber é que existem famílias e cidadãos, enfim pessoas de ambos os lados que querem perdoar, que querem esquecer o passado, que querem construir pontes para o futuro e não muros.
É o caso destes dois projetos que escolheu para entregar os outros 50 mil euros que vier a receber, o Hand in Hand (Mão na Mão) e o Combatents for Peace (Combatentes pela Paz)?
Exatamente, Ricardo. Eu estou envolvido com estas duas associações há vários meses, tenho falado com elas, por exemplo, o Combatents for Peace já foram nomeados duas vezes para o Nobel da Paz, são uma associação composta por soldados de ambos os lados, israelitas e palestinianos, que decidiram largar as armas e que já perderam, também, entes queridos, desde irmãos, a filhos; mas, de uma forma absolutamente inspiradora, decidiram unir-se para dialogarem e para darem um exemplo e para fazerem um certo ativismo, digamos assim. Por exemplo, uma das atividades que eles têm é que fazem ativismo para proteger, por exemplo, as famílias palestinianas que são regularmente atacadas pelos colonos e criam uma barreira e fazem divulgação de todos estes episódios que têm acontecido, fazem também uma coisa chamada o Memorial Day, que é no dia 29 de abril agora, por acaso, que já é o 20º ano consecutivo que está a acontecer, em que são feitas vigílias pelo mundo inteiro, em que são recordadas as pessoas que já morreram de ambos os lados.
Depois, a outra associação, chamada Hand in Hand, também fazem um trabalho absolutamente fantástico: têm seis escolas mistas em que têm mais de dois mil alunos de ambos os lados. São árabes e judeus, são israelitas e palestinianos, que, mais uma vez, optaram por um caminho de não violência, de não discriminação, de paz e diálogo. Imagina, Ricardo, vão para estas escolas que têm um sistema bilíngue, que têm estudantes de ambos os lados, que estudam juntos numa lógica de, se nós crescermos juntos, não nos vamos poder odiar no futuro. Eu estive a falar com crianças que se sentam lado a lado e que são crianças que, do lado judeu, uma delas que tem um primo que é refém do Hamas e outra que é uma criança palestiniana que tem a família a ser bombardeada em Gaza diariamente.
Portanto, isto é absolutamente fantástico porque é a única forma de nós criarmos uma ponta aqui para o futuro. Porque existem muitos remorsos em relação ao Holocausto, existe um grande trauma naquela região de ambos os lados, mas a única forma de nós lidarmos com este trauma e resolvemos o conflito é com o diálogo. Não há outra solução.
E com o Run for Peace o que eu pretendo é fomentar este diálogo, é transformar um bocadinho a mente das pessoas que venham correr comigo, as pessoas que façam donativos e que pensem assim: sejamos de religiões diferentes, sejamos de nacionalidades diferentes, sejamos de clubes de futebol diferentes, de partidos políticos diferentes, nós podemos chegar ao diálogo. Não é necessário recorrer à violência e ao ódio e à guerra. E por isso é que eu quero correr até o campo de concentração de Auschwitz.
É para prestar uma homenagem, um tributo, a todos aqueles que vivem debaixo da guerra e do ódio, para honrar toda a humanidade, independentemente do seu credo religioso, político ou de cor da pele.
Portanto, a ideia são 100 maratonas em 100 dias, o corpo aguenta uma coisa dessas?
Dados os desafios antigos que eu já corri e dada a experiência que tenho, penso que sim. Quando eu subi ao Everest, por exemplo, cheguei a um ponto em que já não estava a subir com as pernas, em que já não estava a subir com os braços ou com a cintura ou com os músculos ou com os ossos. Eu estava a subir com a mente e com a motivação e com a força da minha família e com o propósito humanitário que eu tinha associado. E é assim que eu levo a cabo os meus projetos. Eu sei que chega um momento em que a força física é apenas aquilo que me mantém de pé. Aquilo que me faz chegar aos próximos 10 metros, ao próximo quilómetro, à próxima esquina, ao final desse próprio dia e, em última instância, ao destino final, é a mente. Porque quando nós estamos a subir ao Everest, eu estive 40 dias na montanha com temperaturas negativas de menos de 40 graus, ventos de 100 km hora, passei por cadáveres, mas eu tinha sempre a ilusão de chegar ao cume.
E agora, nesta altura, eu já ‘vejo’ os portões de Auschwitz já, vejo a minha família lá à minha espera, vejo amigos à minha espera, vejo os conhecidos. Eu espero que sim. Visualizo o objetivo final e luto por isso todos os dias de uma forma prática. É obrigatório sempre que eu acabe de correr no próprio dia, que são cerca de 5 ou 6 horas que eu passo a correr por dia, começar imediatamente a recuperar para a maratona seguinte. Isto exige um grande rigor em termos de hidratação, o descanso, a alimentação, a crioterapia, que é colocar as pernas em água fria. Isso é fundamental. Eu procuro sempre arranjar um sítio, que tenha uma banheira onde eu possa pôr gelo e água fria.
E dormir quantas horas por dia?
Tenho que dormir também. Eu não durmo muito. Penso que talvez se eu conseguir dormir 5 ou 6 horas por dia vai ser excelente. Mas deixe-me acrescentar-lhe uma coisa, que é o seguinte: sempre que eu fiz aventuras, e já referimos aqui a caminhada pela Índia de 1.200 km, ou o Japão, ou o Evereste, são locais longe de Portugal, em que eu estou longe da minha comunidade, em que eu tenho às vezes um amigo ou outro, mas eu passo muito tempo sozinho e decido a minha rota para aqui e para ali consoante o dia.
Desta vez eu vou partir de Lisboa, vou fazer uma rota para a Norte, que me vai levar ao Carregado, a Almeirinha, a Fátima, a Figueira da Foz, ao Porto, a Braga. Isto é a rota por Portugal, nestes sítios, até Santiago de Compostela. Esse é o primeiro grande objetivo.
Depois vou fazer o caminho de Santiago ao contrário, até Barcelona, depois vou a León, depois vou a Genebra, onde espero que muitos portugueses se possam juntar a mim. Vou atravessar os Alpes até Milão, vou até a Veneza, vou atravessar a Eslovénia, Áustria, Viena, entro na Eslováquia, por Bratislava e depois chego à Polónia. Mas o que eu lhe queria acrescentar é que para além de todo o esforço físico e mental e de comunicação, como eu disse há pouco, eu tenho de ir comunicando tudo o que se está a passar e tenho de falar com os doadores também, portanto, para onde é que vão os fundos e com a imprensa, tudo isso também é um esforço grande, mas que eu faço com muito gosto. Desta vez, eu também já tenho marcados vários eventos ao longo do caminho. Vai haver um grande jantar no Porto agora, dia 1 de Maio. Vai haver também um jantar com visitas a várias associações em Braga, no dia 3 de Maio. Já tenho alinhadas conferências para Barcelona, para Genebra e para Milão. Portanto, em empresas de pessoas que vão assistir e que eu espero que se possam depois envolver.
Já há uma rede de apoio diferente…
Há uma rede de apoio diferente. Eu espero que as pessoas também possam correr comigo, mas isso vai exigir mais de mim também, Ricardo. Portanto, eu vou acabar de correr muitas vezes. Vou descansar duas horas e vou ter que dar uma palestrauir a se, por exemplo. Mas isso é muito importante. Eu acho que nós chegamos a um ponto, neste ano de 2025, em que as pessoas deixaram de estar umas com as outras. Existe tanto extremismo, andamos todos sem paciência, que eu faço questão que sejam assim as coisas, fazer as coisas em conjunto com as pessoas. Portanto, a minha recuperação, o meu sofrimento são uma nota de rodapé aqui apenas. Eu quero deixar um legado, eu quero inspirar as pessoas e quero agregar pessoas, em vez de segregar, que é aquilo que está a acontecer, por exemplo, na Rússia e na Ucrânia, em Israel e na Palestina, é aquilo que está a acontecer na Europa e nos Estados Unidos e na Austrália. O nosso mundo ocidental anda muito dividido e eu quero dar um contributo para a união, ou para uma reunião, digamos assim.
Nessa reunião de dois mundos, ocidente e não ocidente, não posso deixar de lhe perguntar se não receia especialmente que o conflito do Médio Oriente possa alastrar-se a um país como o Irão?
É uma excelente pergunta, já que eu sou casado com uma iraniana.
Eu fiz a pergunta por isso mesmo, poderia não querer responder, mas...
Tenho muito receio, obviamente. Tenho muito receio. Sabemos que atualmente as perspectivas até são positivas. O Irão e os Estados Unidos voltaram-se a sentar à mesa para discutir o novo acordo nuclear, que foi rasgado pelo próprio Trump em 2017, depois de cinco anos de árduas negociações com a administração Obama.
Eu espero que possam chegar a acordo. Porque uma coisa é aquilo que são os partidos políticos e são os líderes e são os ayatolas e é o Netanyahu e é o Trump e temos os regimes políticos e democracias em todo o mundo. Outra coisa são as pessoas. Se bombardearem uma cidade como Teerão, nós estamos a falar de 15 milhões de pessoas que vão sofrer à mão destas bombas. O Run for Peace pretende precisamente dizer às pessoas que é com o diálogo que nós vamos lá, não é com as bombas. E, portanto, eu tenho receio, até porque tenho a minha família lá neste momento. O Vicente vai à escola em Teerão. O Vicente nasceu em Teerão e eu tenho algum receio, mas também lhe vou ser sincero: nos últimos anos, quantas vezes é que nós já não ouvimos que (o Irão) vai ser atacado e que vai acontecer isto e aquilo e posso dizer-lhe que nós lá, internamente, as coisas continuam a funcionar. Os hospitais continuam abertos, as pessoas continuam a ir trabalhar, as escolas continuam abertas, portanto, a realidade ali naquela região é uma realidade de ameaça constante, é uma realidade de guerra. Então, eu aprendi já um pouco como é que se lida com este medo e com este receio. Estou em permanente contato com a Embaixada de Portugal em Teerão. Existem planos de evacuação. Portanto, respondendo à sua pergunta, tenho algum receio, mas também temos alguns planos montados caso aconteça alguma coisa e espero sinceramente que os dois países cheguem a acordo.
E se fala de planos, não posso deixar de lhe perguntar se há algum plano para este projeto, em concreto. Ou seja, e se de repente não consegue fazer as 100, mas consegue fazer 65 ou 74 ou 37, se este plano não conseguir ir até ao fim, isso resulta em quê? Todas as aventuras que eu vivi até hoje e diria até todas as minhas experiências de vida e as suas, provavelmente, nunca decorrem de acordo com o planeado. Julgo que a vida nunca é uma linha reta que vai do ponto A ao ponto B; surgem sempre surpresas e surgem sempre percalços. Mas é nesta capacidade de nos adaptarmos que reside também aquilo que são os genes do ser humano. Isto não é uma estrutura corporativa, eu não trabalho com objetivos SMART, por exemplo, que têm que ser mesuráveis no tempo, que temos que os atingir a todo custo. Eu não recebo um ordenado. Eu sou o Pedro Queirós que tem um sonho, que tem uma ilusão, que tem uma proposta.
Se eu não conseguir andar, se calhar vou ter de gatinhar. Se eu não conseguir gatinhar, já tenho um amigo meu que é o João Valente, que é o meu melhor amigo, ou um dos meus melhores amigos, que diz que me vai levar ao colo até Auschwitz. Quando eu estive lesionado no Japão a fazer as 50 maratonas em 50 dias, houve dias que eu não consegui correr, porque tive febre e tinha o corpo todo inflamado, lesionei-me e parei durante um dia, por exemplo. Sabe o que é que eu fiz no dia seguinte?
Correu o dobro?
Corri duas maratonas, precisamente. E nesse plano eu cheguei ao dia 50 e faltavam três maratonas para cumprir. Eu só tinha 47. Então, Ricardo Alexandre, o que eu fiz foi correr três maratonas de seguida no último dia em Tóquio. Porque eu também pretendo mostrar à minha comunidade e aos meus apoiantes que nós somos a forma como nós resolvemos os problemas. E todos os dias nós temos problemas e temos que saber lidar com eles.
Portanto, esta capacidade de nos adaptarmos sob pressão, seja à meteorologia, seja às limitações físicas, seja ao contexto, eu vou ter que me adaptar a ele, mas, mais uma vez, eu não sigo regras rígidas ligadas a uma lei ou a uma instituição corporativa. Eu deixo as coisas acontecer e reajo, portanto, aos problemas que vão ocorrer de certeza absoluta.
Pedro Queiroz, muito obrigado. Boas corridas Pela paz.
Obrigado eu à TSF e ao Ricardo. Muito obrigado.