"Não queria que ninguém soubesse" do seu estado de saúde, ainda que a morte fosse "uma fatalidade". O antigo dirigente do FC Porto morre "Azul até ao Fim" e deixa um legado histórico de 42 anos no clube. Foram títulos, muitos títulos, que fizeram de Pinto da Costa o mais titulado presidente do mundo do futebol
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Dia 28 de dezembro de 1937, às seis horas da manhã, nasceu na freguesia de Cedofeita, no coração da cidade do Porto, o quarto de seis filhos de José Alexandrino Teixeira da Costa e de Maria Elisa Pinto: Jorge Nuno de Lima Pinto da Costa.
Descendente de uma família da alta burguesia e de fortes tradições culturais, em que o futebol parecia arredado, desde cedo toma contacto com a modalidade através do tio, Armando Pinto, apaixonado adepto do FC Porto, com quem assiste ao primeiro jogo no Campo da Constituição. Sem grande sucesso... Até porque o pequeno Jorge Nuno fica no meio de uma multidão e só consegue ver os ataques em que a bola acaba nas bancadas. Nasceu o fascinado pelo espetáculo, mais tarde acaba por conseguir assistir devidamente a um FC Porto-Sporting, com uma vitória portista por 1-0.
A paixão pelo futebol, em particular pelo Futebol Clube do Porto, nunca mais parou.
Torna-se o sócio número 26.636 (atualmente é o número 808) do clube azul e fazia parte da secção de hóquei em patins, em que entra pela mão do presidente, Afonso Pinto de Magalhães. Organiza-a em poucos anos, foi uma das primeiras paixões, depois salva o boxe da extinção e recupera outras modalidades amadoras, das quais se torna diretor, destacando-se pelo dinamismo e ambição.
Em 1976, convidado por Américo de Sá, entra no Departamento de Futebol e, em 1978, o FC Porto consegue reconquistar o Campeonato Nacional, 19 anos depois. Estava quebrado um longo jejum. Os adeptos portistas voltavam às ruas para celebrar um título que serviu de viragem no panorama desportivo. Já no ano anterior a temporada tinha sido marcado pela vitória na Taça de Portugal e o seguinte traria o bicampeonato nacional. Afastado o período cinzento, o clube voltava a viver momentos conturbados. Pinto da Costa, ao fim de quatro anos, incompatibiliza-se com Américo de Sá, naquele que ficou famoso como o "Verão Quente" de 1980, e decide afastar-se do clube. As dificuldades que se viveram fizeram surgir mais tarde um movimento de sócios liderado por Armando Pimentel, Álvaro Pinto e Neca Couto, no qual Pinto da Costa é convidado a participar e inclusivamente a encabeçar uma candidatura à presidência.
Apenas convencido de que iria ocupar o cargo de diretor do futebol, recusa num primeiro momento, mas altera a decisão depois de uma conversa com a mãe, que, para grande surpresa do filho, o incentiva a aceitar o grande desafio. Assim, a 17 de abril de 1982, a lista encabeçada por Fernando Sardoeira Pinto (Assembleia Geral), Pinto da Costa (direção) e Manuel Borges (Conselho Geral) é eleita com mais de 95% dos votos, naquele que foi o ato eleitoral mais concorrido até então. Inicia-se um novo ciclo no clube, tudo viria a mudar. Na altura prometeu um clube ganhador em Portugal e na Europa. Os anos seguintes comprovam a ambição de Pinto da Costa. Ganhou tudo o que havia para conquistar.
Dois anos depois, o FC Porto chega à sua primeira final europeia, com uma derrota frente a uma poderosa Juventus.
Estava cumprido um dos objetivos do mandato da nova direção, mas o grande sonho, esse, viria a concretizar-se em 1987, em Viena, com a conquista da Taça dos Clubes Campeões Europeus frente ao temível Bayern Munique. Campeões da Europa, o FC Porto tornava-se, uns meses mais tarde, Campeão do Mundo, com a vitória na Taça Intercontinental, em Tóquio, frente ao Peñarol.
A entrada nos anos 90 traz mais vitórias. No futebol, o primeiro tricampeonato, o tetra e o inédito penta, em 1998/99. Foi uma década histórica, em que, no andebol, depois de 31 anos de jejum, Pinto da Costa festeja um dos poucos títulos que lhe faltavam no currículo, ao qual acrescenta ainda os de hóquei em patins e de basquetebol, as outras duas mais acarinhadas modalidades.
Na mudança de século... Os êxitos continuaram. Primeiro a Taça UEFA de 2003, em Sevilha, no ano seguinte a Liga dos Campeões, em Gelsenkirchen. As vitórias continuariam com mais um tetra em Portugal, antes de uma nova glória europeia com o triunfo na Liga Europa, na final de Dublin, em 2011, culminando uma época de ouro que incluiu a conquista de um Campeonato nacional histórico, sem qualquer derrota, garantido matematicamente em pleno Estádio da Luz... Que se apagou no fim do jogo.
Títulos, muitos títulos, que fazem de Pinto da Costa o mais titulado presidente do mundo do futebol.
Estas quatro décadas de presidência ficam, ainda, indelevelmente marcados por muitas obras também ímpares e emblemáticas: o rebaixamento das Antas, a construção do Estádio do Dragão, do Dragão Arena e do Museu do FC Porto.
"Anjo não sei se sou ou não, mas anjinho não sou de certeza"
À saída de um talkshow televisivo em que foi convidado, Pinto da Costa afirmava que um "anjinho" não era "de certeza".
Ligado a vários processos criminais, o ex-Presidente dos azuis e brancos nunca chegou a ser condenado. Ainda assim, o nome começou a ficar associado a polémicas, principalmente após o envolvimento no caso Apito Dourado. Em causa estão casos de corrupção no futebol português, tráfico de influências e coação sobre árbitros, estando inviabilizado o uso de escutas comprometedoras como meio de prova.
O legado de 42 anos de Pinto da Costa chegou ao fim com o dirigente a deixar-se arrastar no poder. O antigo dirigente não conseguiu suster André Villas-Boas, antigo treinador do clube, no ato eleitoral mais concorrido de sempre.
Villas-Boas ganhou as eleições de 27 de abril deste ano com 80,3% dos votos. Os 26.741 votos de 2024 golearam os 10.371 que eram o recorde desde 1988, quando Pinto da Costa enfrentou Martins Soares.
Depois de deixar a presidência do FC Porto, Pinto da Costa publicou o livro "Azul até ao fim" que esteve envolto de polémica devido à sua capa. O ex-dirigente portista aparece apoiado num caixão coberto pela bandeira do clube. Quem é que não estará no funeral? Pinto da Costa deixou escrito "não por não a querer mal, mas porque a sua presença ia criar incómodo".
Na apresentação do livro, Pinto da Costa emociou-se a falar do momento em que soube que tinha cancro: "Temos que ser realistas e não ter medo das palavras. Não queria que ninguém soubesse. (...) Devemos encarar a morte não como uma desgraça, mas como uma fatalidade."
