Nuno Gomes, Jorge Costa, Ruben Amorim, Álvaro Magalhães e Jorge Silvério foram convocados pela TSF e jogaram na mesma equipa na Luz. Histórias, ideias, debate e memórias. E um truque de Nuno Gomes...
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-- Ele queria falar o jogo todo, para saber se andava sempre ali com ele
-- Eu perguntava-lhe se ele estava bem
-- Estou morto, cansado, dizia-lhe eu. Depois meteram-me a bola para correr e mandei ao poste...
-- Então não estavas morto!? Estás a enganar-me!!!
Gargalhada.
A TSF convocou Jorge Costa, Nuno Gomes, Ruben Amorim, Álvaro Magalhães, Jorge Silvério e Hélio Loureiro para lançarem o Portugal-Suíça, diretamente do camarote da Sagres no Estádio da Luz, a uns metros do relvado, a menos de Madonna. A primeira medalha de ouro deste filme vai mesmo para a antiga referência do FC Porto. É irónico, mas Jorge Costa perdeu-se a chegar à Luz.
-- É no mesmo sitio onde entrava de autocarro
-- Mas eu nunca conduzi o autocarro...
Bem visto.
Ruben Amorim, o médio que pendurou as botas no último ano no Qatar e que até defrontou Xavi Hernández, foi o primeiro a chegar. Afinal, o lisboeta passou seis dos 32 anos naquela casa, esquecendo a caminhada nas camadas jovens. Ruben é de sorriso fácil e não foge às questões. Assume, como assumia quando jogava. Sem pozinhos de perlimpimpim. O antigo médio não sabia o que Fernando Santos tinha na cabeça, mas estava com fé. Questionado sobre se, após a conquista do Euro 2016, esta seleção lograra a segunda "Revolução dos Cravos", Amorim torceu o nariz. "A geração de ouro é que fez esse caminho".
Nuno Gomes chegou a seguir, impecável, de blazer e com um ar jovem que intriga. É quase o mesmo que trocou o Bessa pela velha Luz. Jorge Silvério, psicologo do desporto, juntou-se à festa, tirando o chapéu à comunicação de Fernando Santos.
Jorge Costa já estava sentado na mesa da TSF e foi logo desafiado sobre as virtudes de Cristiano Ronaldo como capitão. O ex-2 do FCP sabe bem o peso de uma braçadeira. "O papel do capitão, quando há tanta vontade de vencer, é acalmar os jogadores".
Priii, pri. Primeira interrupção para ouvir Carles Puigdemont no Parlamento da Catalunha. As declarações serão, naturalmente, em catalão. "Vai ser bom", brinca Nuno Gomes, adivinhando dificuldades na perceção da mensagem. "O Ruben traduz", diz alguém. Álvaro Magalhães chegou entretanto. Um ar mais pesado, mais sério.
E tradições, jeitos e trejeitos do hábito, antes de entrar em campo? "Eu gostava de ouvir música", diz Ruben Amorim. "Gostava de estar no meu canto. Não gostava de falar com colegas antes do jogo." O ex-21 das águias desvaloriza essas coisas que os adeptos e jornalistas tentam imaginar. "Talvez pegar na bola e ir para um espaço mais reservado para aquecer. Cada um gere à sua maneira."
Em 1994 a seleção portuguesa não conseguiu conquistar uma vaga no Campeonato do Mundo disputado nos Estados Unidos (ficou atrás de Itália e Suíça), que seria ganho pelo Brasil de Raí, Romário e Bebeto, depois daquele penálti histórico de Roberto Baggio.
-- Em 94, uma Suíça tramou-o, Jorge Costa...
-- Não sou de grandes lembranças. Lembro do jogo em casa, foi nas Antas, chegava de lesão [1-0, João Pinto]. Esta é muito mais forte...
-- Bom, aquela Suíça tinha Chapuisat, Sforza, Alain Sutter...
-- Bom, com esses nomes, eram fortes também
Depois de elogiar a seleção rival e o discurso do treinador, Nuno Gomes aventurou-se: "Espero que tenham sorte no play-off". Olhou à volta, sacou uns sorrisos. Faltam 90 minutos, Nuno. Já lá vamos.
Ruben Amorim, que aos 25 anos já parecia um homem sábio a jogar, deixou uma ideia importante sobre a derrota na jornada inaugural contra os helvéticos. "O primeiro jogo foi especial, vínhamos de sermos campeões da Europa. Houve algum relaxamento, que não houve por parte da Suíça. Agora não. Este jogo vai ser encarado de outra forma. Será uma final."
O onze é conhecido quando o relógio grita as 18h28: Rui Patrício, Cédric, Pepe, José Fonte, Eliseu, William, Moutinho, João Mário, Bernardo Silva, André Silva e Cristiano Ronaldo. Quem ouvia, ia abanando a cabeça, aprovando.
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"É com estes que vamos à luta", diz Nuno Gomes. Álvaro Magalhães torceu o nariz. "Vamos ver se Portugal encaixa no esquema tático da Suíça", diz o homem que jogou o México-86, que queria ver Ricardo Quaresma lá dentro. "Quem joga pelas alas? Não sei! Pensava que íamos jogar com alas fortíssimos, para dar mais liberdade a Ronaldo e André Silva".
Jorge Costa: Era o onze que se esperava
Álvaro Magalhães: Calculista!
JC: É um jogo tão importante, tão especial... O que o Álvaro diz é verdade, mas também é verdade que felizmente temos um leque de opções válidas. Também é verdade que para jogar Quaresma...
AM: Está em grande forma!
...
JC: E Danilo junto com William não funciona, mas também é questionável. Ninguém melhor do que o Fernando Santos sabe.
Nuno Gomes: Também dá jeito ter alguns jogadores no banco. O plano b também se pensa. Acima de tudo é isso mesmo: não podem jogar todos
Stop. Novo salto a Barcelona, Puigdemont vai falando ao país. Os convidados estão interessados. Vamos lá saber: tira-se a pinta ao ver alguém a aquecer, se está bem ou mal, ou isso é um mito?
JC: Acho que é um mito. E agora como treinador, ainda acho mais
NG: É uma questão que não é para nós (risos). É mais para o professor [Jorge Silvério]. Os primeiros toques na bola, sim, as primeiras ações [já em jogo] são decisivas. Vemos o Diego Maradona a aquecer com uma bola de ténis e depois fazia coisas que ninguém fazia
RA: Eu dava muita atenção ao aquecimento. Até para, como se diz no futebol, tirar a cobra à volta do corpo. É uma coisa muito individual.
Uma provocação: a geração de ouro jogava melhor? Quando Jorge Costa ia começar a responder, Ruben Amorim antecipou-se. "Posso responder?", gerou uma gargalhada geral. "Para mim, a geração de ouro foi completamente diferente, para melhor. Tinham um ambiente diferente. Se calhar porque cresci a vê-los jogar."
Jorge Costa explica que cresceram juntos, "desde os 15,16 anos, até ao final das carreiras". Nuno Gomes diz que teve sorte por apanhar essa geração. "Era diferente. Os tempos são outros. Já tinha mais de 20 anos quando fui pela primeira vez à seleção. Era mais difícil para um jovem chegar àquela seleção. Havia muita qualidade", lembra, sublinhando que os jovens de hoje talvez estejam mais bem preparados e que há mais aposta por parte dos treinadores.
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Os jogadores entram na relva da Luz e Álvaro e Ruben vão trocando bolas sobre a influência dos adeptos. "Às vezes é mais complicado em casa", ressalva Amorim. Álvaro lembrou os 130 mil contra o Steaua em 88 [2-0, Rui Aguas bisou] -- "eh, pá, olhávamos para aquilo e...", deslumbra-se; e depois os 120 mil contra o FC Porto. Jorge Costa mete-se: "E nós, em 91!?", lembra a final do Campeonato do Mundo de juniores na Luz.
A seguir, para fazer pirraça e levar a alucinações com os croquetes e companhia que estavam em cima de um balcão, o chefe Hélio Loureiro entrou em linha. Ruben Amorim não deixa passar uma: "O Jorge Costa gosta do bife mal passado!". Uma fonte bem colocada, o próprio, confirma. "Gosta do bife em sangue, é uma pancada como outra qualquer", garante o chefe Hélio Loureiro.
E o que se se come, afinal, antes de um jogo? "É aquilo que nos dão. Uma sopinha, um bife...", diz Álvaro, inventando mais uma gargalhada do grupo. Jorge Costa e Nuno Gomes revelam que em dia de jogo o apetite não é muito.
O guião vira-se depois para uma conversa entre Nuno Gomes e Jorge Costa, que agrafou as miradas de quem ali estava. Falava-se certamente de marcações, de duelos, de lembranças.
NG: Ele queria falar o jogo todo, para saber se andava sempre ali com ele
JC: Eu perguntava-lhe se ele estava bem
NG: Estou morto, cansado, dizia-lhe eu. Depois meteram-me a bola para correr e mandei ao poste...
JC: Então não estavas morto!? Estás a enganar-me!!!
Este diálogo ganhou o prémio para melhor argumento.
Portugal acabaria por vencer por 2-0, com golos de Djourou (na própria) e André Silva. Bernardo Silva encantou, William foi a paz que a equipa precisava em momentos em que a vontade não namorava com a ideia, Moutinho esteve sólido.
No fim era tudo sorrisos. E aquele falhanço do Cristiano isolado? "Era fácil de mais para ele", coincidem Nuno Gomes e Ruben Amorim.
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Ouviu-se então o senhor treinador, que, em tempos idos, orientou Jorge Costa e Nuno Gomes. É um homem calmo em dia de jogo, mas que é diferente durante a semana, confirmando as informações que este escriba angariou ao longo da vida. "É uma excelente pessoa", dizem os ex-jogadores de FCP e SLB.
Sem exceção, todos gostaram da atuação de Bernardo Silva. Houve quem lembrasse William, Pepe e João Moutinho. Ruben explica que os detalhes de Bernardo durante o jogo ajudam a explicar o encantamento generalizado, que levou ao consenso: Bernardo foi o melhor em campo para a equipa TSF e para os convidados convocados para aquele camarote do Estádio da Luz.
Bom, está feito.
"Venha o Mundial", remata Nuno Gomes.