Rio Ave foi "para o jogo com o Boavista com dois meses de salários em atraso"
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É a primeira mulher a presidir a um clube de futebol profissional em Portugal: Alexandrina Cruz é a nova presidente do Rio Ave FC, sucedendo a António da Silva Campos, eleita no dia 1 de julho de 2023.
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A adesão dos associados rioavistas foi de tal ordem que foi mesmo batido o recorde de votantes registado em 2020, com os 1077 votos a superarem o anterior melhor registo de 665. A candidata única recebeu 1006 votos, num total de 1077 sócios que participaram na eleição, registando-se ainda 60 votos em branco e 11 votos nulos.
Alexandrina Cruz, 46 anos, é natural de Junqueira, Vila do Conde, licenciada em gestão e era vice-presidente para a área financeira, estando no Rio Ave FC há 19 anos. No passado dia 19 de novembro, os sócios do clube de Vila do Conde aprovaram criação de uma SAD e venda ao investidor grego Evangelos Marinakis, dono do Olympiacos e do Nottingham Forest.
Devo apresenta-la como presidente do Rio Ave ou já como presidente da SAD do Rio Ave FC?
Sou presidente do Rio Ave, sempre presidente do Rio Ave.
Mas vai ser presidente da SAD?
Não sei... Vamos ver.
As coisas estão bem encaminhadas nesse sentido?
As coisas estão bem encaminhadas nas negociações, essa é a questão mais importante e que todas as premissas salvaguardem o Rio Ave, isso é o mais importante para mim. O investidor (Evangelos Marinakis) é que indicará o presidente da administração da SAD.
Em cinco pessoas para o conselho de administração o Rio Ave será representado por duas, é isso?
Sim, o Rio Ave indicará duas e o investidor três, sendo que destas três sairá o presidente da administração.
Se o investidor indicar a Alexandrina Cruz como um desses elementos, como presidente da SAD, e o Rio Ave indicar mais duas pessoas, o Rio Ave poderá ter três pessoas no conselho de administração?
Não vejo as coisas assim. Tive a oportunidade de dizer na Assembleia que peço aos sócios que não vejam as coisas dessa forma. Espero que sejamos todos uma equipa a lutar pelo Rio Ave.
Muitos sócios gostavam que o Rio Ave tivesse a maioria da SAD. Isso foi impossível?
Eu também gostava muito, era isso que pretendia ter apresentado no domingo passado aos sócios. Foram meses muito intensos de negociações, não desta, mas sim na procura de investidores e soluções para o Rio Ave. Nunca esteve em cima da mesa uma boa proposta com a maioria para o Rio Ave, como tal nunca fez sentido para nós direção apresentá-la, porque efetivamente não honrava o nome do Rio Ave apresentar uma proposta daquelas. Esta, para nós, foi a melhor proposta, gostava que a maioria se mantivesse no clube, mas acho que a proposta apresentada é uma grande proposta para o Rio Ave.
Não foi possível negociar uma percentagem superior para o Rio Ave? O investidor Evangelos Marinakis fica com 80% da SAD, é quase o bolo todo?
Não devemos ver as coisas assim. O Rio Ave vai tornar-se mais forte. O que sinto nestas negociações é que o senhor Marinakis quer dar grande tranquilidade ao Rio Ave, pretende criar uma harmonia entre o clube e a SAD. Olho para o futuro de uma forma muito positiva com a entrada deste investidor.
Já afirmou em entrevista à TSF que este negócio ainda pode cair. Pode explicar as razões?
Efetivamente este negócio ainda pode cair, seja do lado do Rio Ave ou da parte do investidor. As questões macro deste negócio estão definidas, mas temos de acertar pormenores. Para o investidor é fundamental que o mercado de janeiro esteja aberto, essa é uma situação que me preocupa, estamos com pouco tempo. Neste momento, o Rio Ave está numa situação em que não pode contratar jogadores. Por isso, até janeiro temos que resolver um conjunto de coisas para inverter essa situação. Essa é uma premissa para o investidor avançar.
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O Rio Ave está em condições de vender algum dos jogadores para depois ter possibilidade de contratar na reabertura do mercado?
Neste período a nossa grande preocupação é que haja uma grande entrada de capital para resolver algumas dívidas pendentes que nos impedem de inscrever jogadores em janeiro. Espero que até ao final desta semana que este assunto fique resolvido.
Na minha opinião, o Rio Ave tem três jogadores que poderão ser mais atrativos para potenciais transferências, Costinha, Guga e Fábio Ronaldo. Será um deste três a ser transferido?
Tenho a sorte de ser presidente de um clube que, mesmo num momento frágil, tem jogadores valiosos para serem transferidos. Esses foram os nomes mais falados no mercado de verão, mas felizmente temos outros nomes em cima da mesa.
O Rio Ave tem ordenados em atraso aos jogadores e equipa técnica?
Sim. Tive oportunidade de dizer na Assembleia-Geral que fomos para o jogo com o Boavista (21.ª jornada) com jogadores, treinadores, médicos e toda a estrutura do futebol de formação com dois meses de salários em atraso. Os funcionários nunca tiveram salários em atraso, apenas um atraso de dez dias, em setembro.
Os jogadores ajudaram a que os funcionários não tivessem o mesmo problema?
Confirmo. Falamos com os capitães numa fase inicial e depois com toda a estrutura do futebol. Numa conversa com os quatro capitães disse-lhes que não havia dinheiro para pagar a todos, apenas alguma margem para os vencimentos dos funcionários... Eles de uma forma muito simples e aberta disseram que são os funcionários que diariamente possibilitam as condições para continuarem a trabalhar, e como tal não faria sentido que ficassem sem receber.
Foi um gesto muito bonito...
Sim, quem está no negócio do futebol percebe que a emoção está sempre acima de outro sentimento. Apesar deste momento difícil temos um bom ambiente de trabalho... Até é complicado acreditar, mas é o que acontece. Para mim é um privilégio ser a presidente deles.
O Rio Ave quer contratar jogadores em janeiro?
Sem dúvida, já temos alguns identificados, agora é só esperar que esta questão com o investidor fique resolvida até dia 31 de dezembro deste ano. Tenho tido reuniões com o treinador Luís Freire sobre este tema. Com a entrada do investidor vamos abordar o assunto de forma diferente e mais forte. Precisamos de jogadores praticamente para todas as posições.
Podem vir jogadores do Olympiacos e do Nottingham Forest, isto pela razão de Evangelos Marinakis ser o dono destes clubes?
A conversa que tivemos foi de que o Rio Ave teria oportunidade de entrar numa nova realidade no futebol europeu. Naturalmente que essa situação pode acontecer.
Como fica a situação do treinador Luís Freire com a entrada deste investidor? Por vezes acontece que o investidor goste de escolher alguém da confiança dele.
Vai ficar tudo bem. O Luís Freire, não digo que seja uma grande surpresa, mas no que é o dia a dia continua a surpreender como homem e profissional.
Transmitiu essa opinião a Evangelos Marinakis?
Foi das primeiras perguntas que ele colocou, já o conhece e ficará a conhecer ainda melhor. O Luís Freire não é um problema, para nós faz parte da solução, e acredito que para Evangelos Marinakis também o será.
Quantas vezes esteve com Evangelos Marinakis?
Uma, só uma vez. Fiquei com muito boa impressão. Tivemos uma reunião na cidade do Porto, ainda tem de conhecer Vila do Conde.
Evangelos Marinakis é conhecido por ser uma pessoa impulsiva. Ficou com essa ideia?
Não, de todo. Até tinha essa imagem, mas não foi essa a impressão final. Fiquei até tranquila pela forma como ele vê o futuro do Rio Ave e como quer que o clube cresça inserido num projeto europeu, tal como os clubes que também tem.
O objetivo é que o Rio Ave possa regressar às competições europeias?
Sem dúvida. Ele percebeu o que foi um passado relativamente recente, entendeu como um homem de negócios no futebol as razões que levaram à queda do Rio Ave e, por isso, percebe o potencial do clube e espera verdadeiramente que com o reforço da equipa, a nível desportivo e financeiro, seja possível ao Rio Ave voltar à senda do futebol europeu.
Evangelos Marinakis fez grande parte da sua fortuna na indústria naval grega, é curioso que Vila do Conde tem a mesma tradição?
Seria bom que o senhor Marinakis, além de se apaixonar pelo Rio Ave, também se apaixone por Vila do Conde. Não será difícil depois de conhecer a nossa cidade, essa também é uma questão importante para nós.
Vão ter de começar a passar música grega no estádio?
Também pode acontecer...
Por falar no estádio, as obras de melhoramento estão paradas?
Veremos qual a ideia do investidor. Acredito que até poderá ser construída mais do que uma bancada, além de outras melhorias. É um estádio que gostava de ver com melhores condições e acredito que com este negócio isso seja possível.
Como surgiu a possibilidade de Evangelos Marinakis ser investidor?
Este contacto surgiu pelo reaproximar de parcerias do passado. Parcerias que, para mim, foram muito importantes e que, no passado, já nos fizeram crescer muito. Ficaram de alguma forma suspensas num passado recente. Felizmente, conseguimos reanimar essas parcerias. Falo em concreto da Gestifute e de Jorge Mendes. Somos sempre mais forte com estas parcerias. Foram meses de muita angústia.
O que levou ao afastamento entre o Rio Ave e o empresário Jorge Mendes?
São opções que foram tomadas, eu agora entendi que devia ser de outra forma, felizmente para o Rio Ave foi possível reatar a parceria com Jorge Mendes. Espero que o futuro comprove a minha ideia. O Jorge Mendes ficou contente com esta solução e ele gosta muito do Rio Ave.
De que forma é que se explica chegar a esta situação financeira? O passivo é de 13 milhões de euros?
Os últimos três exercícios foram todos negativos, deixando perceber que se caminhava para essa situação. Mesmo depois da venda do Ederson para o Manchester City, no ano seguinte as contas já estavam a negativo. É muito importante ter uma política desportiva para este tipo de negócio. O afastamento de Jorge Mendes não ajudou. Discordei de muitas coisas que aconteceram no passado e tentei sempre travar alguns negócios. Ninguém como eu conhece a situação financeira do Rio Ave, assumir a candidatura foi um ato de coragem, mas acredito numa solução. O aval dos sócios à entrada do investidor foi importante para esta direção, deram uma demonstração de amor ao clube.
É a primeira mulher a presidir a um clube de futebol profissional em Portugal. Como tem sido esta experiência?
Depois de ter sido eleita fiquei sem perceber o impacto que causou, o mais importante é a competência, não o género. Mas com o passar dos dias as coisas foram normalizaram. Estou no clube desde 2004, nunca senti nada de diferente, apenas só pelo cargo que agora ocupo.
Voltando ao investidor, acredita que este vai ser um bom exemplo?
Confio nesta solução, a urgência da oportunidade era grande, a proposta é muito boa, o que não tinha acontecido com outras que nos foram apresentadas. O senhor Evangelos Marinakis percebe de futebol, está neste negócio, é para mim uma mais-valia para o Rio Ave. Tem provas dadas no futebol.
