Há uma década, o talento e visão de Rollheiser captou a atenção do “caça-talentos” da formação do River, Gabriel Rodriguez. Pelas mãos deste responsável do clube de Buenos Aires passou também Saviola.
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O pé esquerdo e a velocidade de um adolescente de Coronel Suárez - localidade da região de Buenos Aires - captaram a atenção de Gabriel Rodriguez durante um teste de Benjamín Rollheiser no River Plate. Ao telefone com a TSF, o coordenador da formação do River assinala, no entanto, um outro aspecto do perfil do novo reforço do Benfica que o aproxima de Di María: como futebolista profissional, mostra uma atitude perante a equipa e o treinador que fazem o experiente técnico acreditar que Rollheiser pode ter um impacto importante no Benfica dos próximos anos.
“Não gosto de comparar jogadores, acho as comparações perigosas”, assinala Gabriel Rodriguez. Muito mais perigosas quando o jogador com quem se compara Benjamín Rollheiser, 23 anos, com Angel Di María, uma das maiores figuras do futebol argentino, campeão do mundo e campeão olímpico.
Mas há atributos técnicos que tornam a comparação inevitável.
“Di María e Rollheiser são ambos esquerdinos, podem jogar como extremo, têm clarividência nas decisões, compreendem o jogo, têm capacidade para atirar à baliza mas, também, para assistir. Acredito que ambos têm ainda muito para dar ao clube”, resume o antigo técnico da formação do River.
Mas Gabriel Rodriguez prefere apontar uma outra característica do jogador, talvez ainda mais importante nestes primeiros meses de adaptação à Europa.
“Di María sempre foi um jogador muito trabalhador, muito sacrificado. Neste aspecto posso considerar que é semelhante a Benjamin: ele é um atleta trabalhador, um rapaz que escuta o que lhe dizem, não é problemático, não terá problemas com treinador porque é alguém muito respeitoso. Fundamentalmente, digo-lhe que é sempre um dos jogadores que mais trabalham dentro da equipa. Ele vive para o futebol e é muito responsável”.
Antecipar para driblar a pressão
O Benfica optou por negociar as condições do negócio pelo jogador argentino para antecipar em seis meses a integração no plantel. Uma decisão sensata diz Gabriel Rodriguez.
“Acredito que ao chegar mais cedo vai tirar daí benefício. Na Argentina falava-se que ia em junho, mas, entretanto, fiquei a saber que ia já em janeiro. A mim parece-me a decisão mais correta, porque lhe vai permitir um maior período de adaptação. Vai permitir que se habitue ao futebol português e à equipa”.
E vai também fazer com que os aspetos o conheçam antes de lhe pedirem que seja substituto - e por isso comparado - a Rafa Silva ou Angel Di María.
O caminho no River e a polémica no fim da relação
Benjamín Rollheiser chegou adolescente à academia do River Plate. Fez um percurso semelhante ao de tantos outros jogadores da seleção Argentina. Aimar, Saviola, D’Alessandro, Lamela, Enzo Fernández, Julian Álvarez entre outros numa lista longa.
"Conheci-o em 2013 por intermédio de Carlos Espinoza, atualmente o empresário do jogador. Era de um lugar pequeno chamado Coronel Suárez, o mesmo lugar onde nasceu. Nessa povoação, o futebol era limitado, e por isso, Espinoza falou-me dele. Em 2014 ele veio fazer testes ao River Plate e, de imediato, tomei a decisão de o contratar”.
Mas o que distinguia o jovem jogador no olhar de alguém habituado a identificar e filtrar talento?
"Aqui na América do Sul jogamos com aquilo a que chamamos "enganche", um jogador que atua atrás de dois avançados. Talvez na Europa a função seja comparável ao extremo. Era um jogador canhoto, de boa técnica, com uma enorme habilidade com a bola e, sobretudo, com ótima visão de jogo. É neste último aspeto que se distinguem os jogadores, a capacidade para perceber, em antecipação, aquilo que vai acontecer, para onde vai encaminhar a bola”.
Rapidamente Benjamin se tornou um atleta distinto nos vários escalões.
"Tinha uma técnica apurada, gestos elegantes. Usava o drible, a "gambeta" com grande facilidade, iludindo os rivais em velocidade. Não é muito comum observar este detalhe. A "gambeta" sem essa mudança de ritmo permite que o adversário volte a ter a oportunidade de recuperar a bola. Rollheiser encarava o rival e, com o seu drible, mudava o ritmo, ou seja, imprimia maior velocidade. Isso fazia dele um jogador imparável, com capacidade para chegar à área contrária para aplicar o seu remate, forte e colocado à saída do guarda-redes".
Do River à “10” do Estudiantes
"Foi uma integração progressiva. Aqui gostamos de dar tempo aos jogadores para crescer. Eles precisam do seu tempo. Eu contratei-o com 16 anos, passou depois aos outros escalões. Aí teve a oportunidade de jogar pela Reserva, a equipa B. Nesse momento passou a estar sob observação e com oportunidade de treinar com a primeira equipa com o técnico Marcelo Gallardo - treinador da equipa principal à época. Foi-se adaptando à equipa, foi mostrando a qualidade que tinha. Acabou por aparecer na segunda metade do torneio em que o River foi campeão. Esse foi o ponto mais alto do seu percurso no clube”.
Mas o desfecho da história de Rollheiser no River ainda é tema de debate na Argentina.
“Como diz a saída de Rollheiser do River foi polémica, é verdade. Mas também lhe posso dizer que foi injusta. O problema foi a questão do contrato. Ele recebia um salário pequeno e, quando foi campeão, o seu representante pediu um salário mais elevado para ele. Esse pedido caiu mal junto da direção do River Plate. Nessa altura, o treinador Marcelo Gallardo pensou deixá-lo à margem do plantel. Eu, como coordenador do futebol naquela altura, não concordei. Era um jogador jovem, de grande valor, que um dia iria significar um encaixe financeiro importante para o clube. O jogador acabou por ficar a treinar à parte, com um preparador físico. E depois saiu”.
Benjamin encontrou no Estudiantes de La Plata um espaço de afirmação.
“Venceu a Taça da Argentina, o segundo troféu em importância para o nosso futebol. Foi um pilar fundamental, um jogador com uma resposta futebolística de destaque. E é por isso que o Benfica o vem buscar”.
Rollheiser e Prestianni no futuro do ataque do Benfica
De uma assentada, o Benfica resgata do futebol argentino dois jogadores para o meio-campo ofensivo que se destacam. Rollheiser chega do Estudiantes com 23 anos, Gianluca Prestianni do Vélez aos 17, embora só possa ser inscrito a partir de 31 de janeiro de 2024, quando cumpre 18 anos.
“Prestianni é um jogador que vem se destacando pela técnica. Mas fez muito poucos jogos na primeira divisão do nosso futebol. Com o sudamericano de sub-17 acabou por não ser tão utilizado no plantel profissional do Vélez. Como não foi ao mundial acabou por jogar alguns minutos pelo Vélez nessa fase. É um jogador para ir formando”, analisa Gabriel Rodriguez.
Pelo contrário, Benjamim já tem títulos no currículo num papel de protagonista.
”Um pelo River, outro pelo Estudiantes. Ainda assim, vejo em Prestianni grande potencial, um jogador que com o trabalho no Benfica, para mim, pode ter grande sucesso. Mas é natural que tenha uma adaptação muito mais demorada do que a de Benjamin, afinal só tem 17 anos”.
Saviola e o avô transmontano
Gabriel Rodriguez não esconde a satisfação por ver Benjamin Rollheiser deixar o futebol argentino para jogar no Benfica. Durante os anos que passou no River, também a relação com Javier Saviola marcou a sua carreira.
“Fico contente por ir para o Benfica porque, confesso, também eu sou adepto do clube, pela minha ligação familiar - tenho um avô português, transmontano”.
“Mas também gosto do clube porque formei Javier Saviola. Guardo uma camisola que ele me ofereceu e guardo também um relógio com o símbolo do Benfica que Saviola me deu. Para mim é uma alegria ver o Benjamin ir para um clube que eu respeito. O meu avô era fanático do Benfica, o ídolo dele era Eusébio”.