O Atlético Clube de Portugal, o Sport Futebol Palmense e a União Desportiva Alta de Lisboa são equipas da Primeira Divisão Distrital de Lisboa. A TSF foi perceber como é o trabalho dos roupeiros nestes emblemas.
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São os jogadores que se destacam nos relvados, alvo das luzes dos holofotes, mas nos bastidores são os roupeiros que assumem o papel de protagonistas. Um trabalho que ultrapassa a rouparia.
O último a sair
Quem chega ao Estádio da Tapadinha, em Alcântara, não passa sem se deparar com o grande emblema triangular anexado à vedação. Fundado em 1942, o Atlético Clube de Portugal é a equipa que representa uma história no futebol português. Hoje em dia, longe dos grandes palcos...
"Quem é que anda aí?", ouve-se.
É David Roxo o roupeiro da equipa. Está ocupado a varrer o balneário para receber os jogadores. Hoje, há treino da equipa principal.
O jovem de 25 anos vai até à rouparia para preparar os cestos. Naquele espaço respiram-se lembranças de outros tempos. David Roxo lembra que era ali que passava muito tempo durante a infância. Depois das aulas, ia ter com o avô, Álvaro Roxo. Foi o roupeiro do clube mais de 40 anos. Morreu em 2017 e foi homenageado com o nome inscrito numa das paredes do balneário da equipa.
Hoje, o técnico de equipamentos vive no Estádio da Tapadinha. "A primeira vez que eu entrei no Atlético tinha dois meses. Foi o momento em que me mostraram ao meu avô.. E hoje, moro no Atlético. A minha vida é aqui dentro..."
Foi ali que aprendeu muitas das tarefas que hoje lhe dá o papel de "militante". "Nós temos de ser bons militantes! No meu caso, saí ao meu avô: sou muito bondoso, gosto de ajudar, de estar disponível... tens de ter a mente aberta porque tudo é em prol do clube. O meu trabalho é o bem-estar do grupo."
Deambula de um lado para o outro. Entre camisolas, calções, chuteiras e cestos, o azul é a cor predominante. David Roxo percorre todo o espaço na preparação dos cestos que os jogadores levarão para o balneário.
"Epá, tenho de ir acender as luzes", remata David Roxo. Em passo apressado, sobe às bancadas para ligar os disjuntores. As luzes claras iluminam o relvado natural aparado e com as linhas brancas desenhadas.
Regressa à zona dos balneários onde já se encontram alguns dos jogadores. Falta uma hora para o treino.
"Acho que ele é a peça fundamental aqui. Há uma ligação brutal", revela à TSF um dos atletas que pede umas meias compridas.
"O jogador de futebol é um bebé. E se falta alguma coisa, algum material, é um problema! Mas é uma relação muito boa." David Roxo diz que brinca muito com os jogadores e, quando há alguma preocupação, procura reconfortá-los. "É giro fazer parte de tudo isto!"
O roupeiro realça o empenho e a dedicação pelo trabalho que ali realiza. Um emprego que lhe ocupa muitas horas do dia: "Eu entro ao trabalho assim que acordo... e sou a última pessoa a sair; faço a vistoria, deixo tudo fechado... Acabas por não ter horário."
"O segundo melhor roupeiro do mundo"
Chama-se Carlos Alberto, mas é conhecido por Calota. Veste o fato de treino com o emblema da União Desportiva Alta de Lisboa. É um clube fundado em 2005, a partir da fusão do Clube Desportivo da Charneca e o Sporting Clube da Torre.
Ao lado do Aeroporto Humberto Delgado fica o Complexo Desportivo do Alto do Lumiar. Debaixo das bancadas, Calota agita-se na rouparia. "É disto que eu gosto. Quando abro esta porta de manhã, sai um 'coiso' muito esquisito. Gosto disto!"
É o cheiro da roupa e das chuteiras que saem da lavandaria e são arrumadas nas prateleiras junto do restante material desportivo. Todas as manhãs, Calota tem a tarefa de dobrar as toalhas e equipamentos azuis e bordeaux listados na vertical, conta à TSF.
Entre risos, abafados pela máscara, o técnico de equipamentos revela que é mais importante do que o próprio presidente do clube. "Dentro das instalações, sou capaz de mandar mais do que o senhor presidente! Em dias de jogos, é o que dizem: quem manda desta porta para dentro é o senhor Calota!"
Uma responsabilidade que o distingue como um dos melhores. Um ex-jogador "disse, uma vez, que eu era o segundo melhor roupeiro do mundo". "Eu queria saber quem é o primeiro... deve ser o Paulinho, do Sporting", diz, entre risos.
A pandemia veio perturbar a atividade do clube. Com a suspensão dos treinos e dos jogos durante várias semanas, Calota sentiu dificuldades. Mas nem por isso se afastou do local de trabalho: "Vinha cá todos os dias matar saudades. Abria a porta, sentava-me aqui, ligava o aquecedor, ficava a olhar para os cestos."
Entretanto, é hora de ir à lavandaria colocar algumas toalhas a secar. Vão ser precisas depois do treino dos seniores. No local, três máquinas escondem-se por trás da roupa estendida. Calota revela que não são recursos suficientes. É "obrigado a fazer mais lavagens" por dia.
Sob uma mesa estão vários detergentes que utiliza. Ao centro, sobressai um frasco de desinfetante. Um produto que, desde o início da pandemia, faz parte do material diário. "Desinfeto o material antes de o lavar. Quando saio da lavandaria, borrifo todo o espaço até à porta. É um trabalho extra por causa deste maldito vírus que não quer sair daqui..."
"Os roupeiros estão no topo da hierarquia"
É o clube mais antigo da Primeira Divisão Distrital de Lisboa. Fundado em 1910, o Sport Futebol Palmense fica junto ao Eixo Norte-Sul. A iluminação do estádio sobressai no meio dos prédios altos que rodeiam o campo.
À entrada, ao lado do emblema desenhado na parede exterior, o portão verde está aberto. É dia de treinos. No relvado sintético, as equipas jovens aquecem com bola e, mais logo, é a vez dos seniores.
"Augusto! Anda cá...", grita Henrique Gonçalves, junto aos balneários atrás de uma das balizas.
São os roupeiros do clube centenário. Augusto Fernandes é reformado. Henrique Gonçalves faz "uns biscates" diariamente. À noite, dedicam o tempo ao clube de Palma de Baixo para "descontraírem".
É numa pequena sala - onde se guardam camisolas, calções, chuteiras, coletes, bolas - que os dois colegas se encontram todos os dias ao fim de tarde. Ali é a rouparia.
Na divisão ao lado, fica a lavandaria. Os equipamentos encarnados e as toalhas brancas penduram-se nas molas coloridas, ao longo de arames esticados a todo o comprimento do espaço. O aroma a roupa lavada inunda o local. Ao fundo da sala, as máquinas de lavar e de secar estão a trabalhar.
"A gente conjuga-se... Olha, está ali roupa a enxugar... Depois, um ou outro chega aqui, apanha, coloca nos cestos...", contam, cruzando as ideias: "Costuma acontecer virmos cá, durante o dia, para adiantar trabalho."
Rui Cordeiro é o presidente do clube há seis anos. Passeia entre escritório e bancadas. Trata dos assuntos relativos ao clube e aproveita para conversar com os pais que assistem, de máscara (em tempos de pandemia de Covid-19), ao treino dos mais novos.
As placas indicativas das normas de segurança por causa do coronavírus estão pregadas por todo o espaço exterior. "O clube preparou-se. Criou o seu plano de contingência e sentimo-nos obrigados a cumprir as medidas. Nesse sentido, o papel dos roupeiros é fundamental, desde a receção dos atletas e dos pais à desinfeção do material no final de cada treino", afirma à TSF Rui Cordeiro.
O líder do Palmense destaca ainda as tarefas que se realizam dentro da rouparia: uma grande dinâmica no dia a dia. "No topo da hierarquia, posso dizer, estão os roupeiros, pois são eles que metem o clube a funcionar."