Rui Costa está apenas a representar a SAD: "Processo pode ser suspenso por se considerar culpa muito leve"
À TSF, o advogado Paulo de Sá e Cunha admite que estranha a referência a um crime de branqueamento de capitais e explica que "pode não se justificar haver uma acusação" tendo em conta o que está em causa
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O atual presidente do Benfica, Rui Costa, poderá ser constituído arguido num processo que envolve uma transferência de 76 mil euros pelo passe de Germán Conti. Em causa está a transferência de dinheiro russo para o Benfica numa altura em que as sanções às instituições bancárias russas já estavam em vigor, conta a CNN Portugal. Em declarações à TSF, o advogado Paulo de Sá e Cunha explica o que está em causa e diz mesmo que, tendo em conta o que está a ser analisado, pode não se justificar avançar com uma acusação. O advogado sublinha que Rui Costa está envolvido como representante legal da SAD do Benfica e não a título pessoal.
O Benfica alega que não tinha conhecimento, que o dinheiro iria ser transferido de um banco sancionado, mas, segundo a lei, teria a obrigação de verificar essa origem?
Há determinadas obrigações, mas essas obrigações — e isso é que me causava alguma estranheza — também recaem, e recaem até sobretudo e em primeira linha, com os bancos destinatários das transferências em causa. Tanto quanto eu percebi, há uma transferência para pagamento de uma parte do passe do jogador de uma conta para uma conta do Benfica e, segundo li nas notícias, também sempre confiando no que é publicado, essa transferência é direta, portanto não há nenhuma interposição de pessoas de forma a dissimular a origem dos fundos. Eu diria que quem, em primeiro lugar, devia ter reagido em caso de se tratar de uma entidade sujeita a medidas restritivas, seria o banco destinatário da conta, porque os bancos têm sistemas de compliance que estão especialmente atentas a essas questões — quer das sanções, quer da prevenção do branqueamento.
Do lado do Benfica, SAD em primeira linha, deve ter um sistema de compliance interno, deverá ter um responsável por esta área que deve supervisionar e escrutinar este tipo de operações, de forma a prevenir que se realize alguma transação no tráfego internacional com entidades que estejam a ser alvo de sanções. Atenção que, em Portugal, as sanções que são relevantes são só as das Nações Unidas ou as da União Europeia, porque a legislação que prevê este tipo de situações e que regula e sanciona restringe-se a medidas restritivas que tenham esta origem, ou da ONU ou da União Europeia.
Mas o Benfica alega que o banco, neste caso o BCP, quando se apercebeu da origem do dinheiro acabou por recusar a transferência, isso pode ter algum impacto?
Isso significa que a direção de compliance do banco em causa detetou uma operação sujeita a restrições e não a realizou. Portanto, significa que, ao nível do banco, as coisas funcionaram como deveriam ter funcionado. Mas parece que a operação foi feita e depois houve um bloqueio da conta por parte do Ministério Público, que também pode suceder. Mas, em todo o caso, aquilo que deve existir, quer a nível dos bancos, quer das empresas, e no caso a sociedade anónima desportiva do Benfica, também deve ter um sistema interno de compliance que previna estas situações — as situações de branqueamento e outras. Prevenção da corrupção, designadamente. Tudo isso hoje tem de existir a nível interno e tem de estar devidamente parametrizado para funcionar e evitar situações como esta que aqui se verifica.
Em relação àquilo que pode acontecer a partir de agora, qual é o próximo passo por parte do Ministério Público?
O Ministério Público abriu o inquérito, o inquérito está a decorrer, já houve interrogatório e constituição de arguidos. Relativamente à constituição de arguidos, dá-me a impressão, pelo que li, que quem foi constituída arguida foi a sociedade, não foi propriamente Rui Costa. Rui Costa aparece na qualidade de representante legal da sociedade anónima. E, portanto, nesse caso, aquilo que está em causa é a responsabilidade penal da pessoa coletiva e não propriamente da pessoa singular. O processo pode prosseguir com acusação ou até ser suspenso. E muitas vezes isso acontece neste tipo de situações, em que sobretudo se verifica que há uma culpa muito leve, uma negligência. Numa situação qualquer que não seja de maior gravidade poderá haver a proposta e a aceitação de uma suspensão provisória do processo e o processo termina na fase de inquérito com essa solução da suspensão provisória do processo, sem haver sequer acusação. É uma hipótese possível e que é, se calhar, a melhor saída em termos de complicações, porque pode não se justificar haver aqui qualquer acusação, mas, se houver, naturalmente que o Benfica se poderá defender com todos os meios processuais penais, porque isso é um processo de crime absolutamente comum, igual a todos os outros.
Fala-se de uma possível acusação por branqueamento de capitais. O que está em causa?
Pelo que ouvi descrito nas notícias não me faz muito sentido haver aqui suspeitas de branqueamento de capitais. No caso do branqueamento teria de ter existido operações destinadas a dissimular, neste caso, a origem dos fundos, de maneira a contornar a situação vigente. Mas tinha de haver outra coisa: um crime precedente e, portanto, estes fundos tinham de resultar da prática de um crime. E aí é que eu não estou a ver, uma vez que se trata do pagamento parcial do passe de um jogador e, se é assim, este pagamento em si não tem nada de ilícito, é um negócio absolutamente lícito. Se a transferência do dinheiro se faz do pagador para o credor, neste caso o Benfica, de forma direta e linear, não vejo aqui nenhuma hipótese de se falar em branqueamento. Mas, enfim, isto é baseado naquilo que é conhecido e que está publicado nas notícias.
Colocando a hipótese de o processo avançar, que implicações é que isto poderia ter para a Benfica-SAD e, neste caso, para o seu representante legal, Rui Costa?
O representante legal individualmente não incorre em responsabilidade. Pode incorrer em determinadas circunstâncias, mas enquanto legal representante ele está lá para representar a pessoa coletiva, que tem de ser representada por alguém. O que é que pode acontecer? Pode acontecer que, no caso de uma acusação, o Benfica tenha de deduzir a sua defesa, e atendendo à data em que estas coisas se passaram, ou à data do negócio original, à data do pagamento, aquilo que pode ter acontecido é que não era evidente ou não era claro que a entidade que faz a transferência para o Benfica fosse sancionada, ou não seria claro que já estivesse em vigor, naquele momento, o regime de sanções que impedia aquela operação. Essa é uma das formas, ou será uma das formas de defesa. De resto, quanto a outras consequências, além das consequências reputacionais e com o facto de haver uma exposição do Benfica e do seu presidente a um caso, que é um caso que tem alguma gravidade, porque tem contornos criminais, são as consequências normais do processo de crime, que são sempre desagradáveis e sempre se deseja evitar incorrer nessas consequências.
Essas consequências poderiam passar, por exemplo, por uma multa, ao invés de uma sanção mais grave?
Na suspensão provisória do processo não há sequer uma multa. Há aquilo que se chamam injunções. As injunções podem ser pagamentos em dinheiro, feitos a instituições. A multa pode existir porque, se houver acusação — imagino que haja acusação pelo crime negligente ou que haja uma acusação mesmo pelo crime do uso —, a pessoa coletiva é sempre sancionado em multas. Mas não há multa na suspensão provisória do processo. Na suspensão provisória do processo não chega sequer a haver acusação e os pagamentos que tenham que ser efetuados não se designam multa, designam-se injunções, e têm outra finalidade, que não é a finalidade das multas. Se houver condenação, e se a condenação for em pena de multa, o que pode acontecer nas pessoas coletivas, e mesmo nas pessoas singulares também podem ser sancionadas com penas de multa.

