Sol Campbell e o racismo no desporto: "Estamos no século XXI, temos de crescer"
O antigo defesa marcou presença no Thinking Footbal Summit, no Porto. Entrevistado pela TSF, o inglês fala sobre causas sociais, recorda o invencível Arsenal de 2003/2004 e elogia o trabalho desenvolvido na liga portuguesa
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Sol Campbell considera que a educação é a base para combater o racismo no desporto. Em entrevista à TSF, a propósito da presença no Thinking Footbal Summit, no Porto, o antigo defesa inglês lamenta o clima de desrespeito que continua a existir, acreditando que o futebol pode servir como "barómetro" para o resto da sociedade.
Já depois de terminar a carreira, em 2014, quando foi lançada a sua biografia, Sol Campbell chocou o mundo do futebol, ao criticar a Federação Inglesa de Futebol, dizendo que, "se fosse branco, teria sido capitão de Inglaterra por mais de uma década". Apenas o foi em três jogos. Antes disso, repudiou a escolha da Polónia e da Ucrânia como anfitriãs do Euro 2012, devido aos casos de racismo que existiam nesses países.
Passada uma década, alerta que é uma situação que "continua a acontecer em toda a Europa, a diferentes níveis", dando o exemplo do avançado brasileiro do Real Madrid, Vinícius Júnior, e da "série de problemas que tem em Espanha". "Se querem desfrutar de um ótimo jogo de futebol, não é preciso dizerem coisas horríveis. (...) Às vezes são bancadas inteiras. A partir daí, deixa de ser futebol. É outra coisa", lamenta.
Para Sol Campbell, "o futebol desvenda muito da forma de ser das pessoas". Aproveitando essa relação com a sociedade, o atual empresário e investidor é da opinião de que os clubes, na condição de "representantes ou embaixadores de cidades ou vilas", se devem unir às estruturas envolventes. "Tem de se mudar a forma como se pensa o futebol, como se apoia o clube, como se vê os jogadores de diferentes origens", considera.
"Tudo isto pode começar em casa", admite, mas lembra que "nem todas as casas são o lugar certo". Por isso, o futebol, no seu entender, pode servir de plataforma de aprendizagem ao nível do comportamento humano, à imagem do que acontece na escola.
“Se as pessoas querem fazer parte da comunidade ou apoiar o seu clube? Tudo bem. Mas, quando se vai além disso, há sempre alguém que fica magoado, alguém que se sacrificou para tentar chegar ao topo. Isto só porque não os entende ou não são parecidos com ele (…) Nós estamos no século XXI e não nos anos 70 ou algo do género. Vamos lá. Temos de crescer”, avisa.
Sol Campbell e os "Invencíveis": “O universo escolheu-nos para ganhar”
Sol Campbell fez parte do Arsenal de 2003/2004, campeão inglês sem derrotas. Até então esse registo sem mácula só tinha surgido uma vez, mais de um século antes, em 1888/1889, alcançado pelo Preston North End. Entretanto, “o Manchester City e o Liverpool já estiveram perto”, mas, passados 20 anos, “ninguém conseguiu” voltar a repetir o feito. “Isso é algo bom que fica na história. Às vezes podemos estar mais em baixo, mas, quando olhamos para trás e para este feito, permanece um grande sentimento de orgulho”.
Titular em 35 das 38 jornadas, o antigo central lembra que havia o receio de que a derrota surgisse mais cedo ou mais tarde, acrescentando que a equipa de Arsène Wenger “operou muitas reviravoltas” (venceu seis jogos em que esteve a perder). “A sorte também esteve sempre do nosso lado (…) Para isto acontecer é preciso estar na equipa certa, com o treinador e o staff certos, assim como os adeptos. Não é a mesma coisa que jogar uma competição a eliminar como a Taça de Inglaterra. Estamos a falar de um campeonato inteiro sem perder. O universo escolheu-nos para ganhar”, frisa um dos esteios dos "Invencíveis".
Sol Campbell chegou ao Arsenal em 2001/2002, após cerca de uma década ao serviço do grande rival Tottenham Hotspur. O inglês, que já era uma figura consolidada da seleção - finalizou a carreira com 73 internacionalizações - não esconde que foi “uma transferência controversa”. Ainda assim, fala de uma mudança “muito bem sucedida”, recordando os sete troféus - dois campeonatos, quatro Taças de Inglaterra e uma Supertaça - que conquistou pelos gunners e o facto de ter sido "considerado o melhor defesa do mundo."
Nessa altura, na sua ótica, “o Arsenal estava mais avançado do que os outros clubes”, tendo em conta a filosofia do seu treinador “dentro e fora de campo” e “o cuidado que havia em questões como a nutrição”. “Naquela altura, alguns clubes da Premier League, mesmo de topo, não pensavam assim”, confidencia.
Atendendo a essa dinâmica e aos “jogadores fora deste mundo” que tinha ao seu lado, como Jens Lehmann, Patrick Vieira, Robert Pires, Denis Bergkamp ou Thierry Henry, Sol Campbell não tem dúvidas de que era o “lugar certo”.
“Consistência” pode ser a chave para exponenciar “habilidade” de Fábio Vieira
Eliminado duas vezes pela seleção portuguesa, no Euro 2004 e no Mundial 2006, Sol Campbell não esconde que tem recordações menos positivas de Portugal, mas há também boas sensações.
Além da “paixão dos adeptos”, o antigo jogador, que agora integra uma organização virada para a descoberta de talentos jovens no futebol, elogia a capacidade da liga portuguesa “produzir tantos atletas espetaculares”. “Tendo em conta o tamanho do país, isso é incrível”, enaltece.
Um desses talentos é Fábio Vieira, que está emprestado pelo Arsenal ao Porto. Na opinião de Sol Campbell, a cedência do médio de 24 anos pode dever-se à recente aposta de Mikel Arteta em “jogadores mais velhos”. Ainda assim, considera “incrível” o facto de o português ter estado “tão novo” num clube como o Arsenal. “Acho que ele pode fazer aquilo que quiser. Um jogador como ele, com tanta habilidade e tanto potencial, tem de continuar a trabalhar para ser consistente”.
