"Todos os agentes desportivos têm direito constitucional ao recurso." TAD recusa ideia de braço de ferro com o CD da FPF
Entrevista com o vice-presidente do Tribunal Arbitral do Desporto, José Ricardo Gonçalves.
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O Tribunal Arbitral do Desporto em Portugal está a comemorar dez anos. O vice-presidente do TAD, José Ricardo Gonçalves, foi entrevistado na TSF, admitiu a necessidade de avançar com algumas mudanças neste órgão de justiça arbitral e garante que não existe um "braço de ferro" entre o TAD e o Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol.
Para fazer o balanço de uma década de existência, o Tribunal Arbitral do Desporto organiza esta semana - 16 e 17 de maio - o I Congresso de Justiça Desportiva, onde também se vai promover a troca de conhecimentos e experiências na área. O evento vai decorrer no Auditório da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
O primeiro Congresso da Justiça Desportiva vai acontecer no próximos dias 16 e 17 de maio. A primeira pergunta serve para apontar ao principal objetivo em lançar este Congresso, sobre um tema que se fala muito em Portugal, a justiça desportiva.
O objetivo foi, desde logo, no âmbito das comemorações do décimo aniversário do Tribunal Arbitral do Desporto. Portanto, faz este ano 10 anos que o Tribunal foi instalado, iniciou as suas funções e, portanto, entendemos que era uma altura propícia para lançar esta iniciativa. É a primeira vez que em Portugal se debate a justiça desportiva no âmbito de um Congresso, evidentemente, em eventos de menor duração. Tem-se já falado, mas com esta dimensão e com esta envergadura, é a primeira vez que se faz. E que melhor sítio, senão o Tribunal Arbitral do Desporto para promover o debate sobre a justiça desportiva.
Olhando para o programa deste Congresso surge a questão do "Modelo, a justiça desportiva, o que temos, o que queremos - a arbitragem e medição ou o regresso à jurisdição administrativa", mas o que se pretende discutir neste tema em concreto?
Nós montámos sete painéis dedicados a outros tantos temas que tínhamos originariamente planeado, mas o tempo é limitado. Portanto, foi esta a opção que fizemos e decidimos arrancar o congresso exatamente com este primeiro painel para promover o debate sobre a temática em causa. Isto é, o Tribunal Arbitral do Desporto nasce impulsionado por se entender que havia necessidade de criar uma entidade jurisdicional autónoma dos tribunais administrativos ao Tribunal. O Tribunal é uma entidade jurisdicional. Quero eu com isto dizer que é um tribunal como outro qualquer. A única diferença é que este é Arbitral e os outros são Judiciais. E o que queremos debater, é se faz sentido volvidos 10 anos e com experiência de 10 anos manter este modelo, ou, pelo contrário, se devemos retornar ao que era o modelo anterior à criação do Tribunal Arbitral do Desporto, em que os agentes desportivos, fossem eles quais quais fossem se quisessem impugnar as decisões disciplinares teriam que o fazer junto dos tribunais administrativos.
O que é preciso mudar na justiça desportiva para chegarmos também a esta discussão, sobre a necessidade, ou não, de mudar o modelo que está em prática? O que é preciso mudar na justiça desportiva ou no enquadramento do TAD?
Nós entendemos, e eu quando digo nós - o Conselho Diretivo e, por sua vez, o Conselho de Arbitragem Desportiva - entendemos que fazia sentido serem introduzidas algumas alterações na lei do Estado. Nós entendemos que não há razão absolutamente nenhuma para se questionar a existência do Tribunal Arbitral do Desporto, mas, e decorrendo da experiência que vamos tendo ao longo destes anos, faz sentido aprimorar algumas regras.
Que regras?
Falo, por exemplo, que faz sentido rever os encargos relacionados com uma ação Arbitral no Tribunal Arbitral do Desporto. Faz sentido também estabelecer-se a possibilidade de, em determinadas circunstâncias e também por razões de encargos, ser um árbitro único a decidir e não um colégio de árbitros composto por 3 pessoas. Faz sentido, por exemplo, também determinar que, com entrada da ação Arbitral possa haver imediatamente, digamos, razão para suspender o efeito de uma determinada decisão dos órgãos competentes sobre o Tribunal Arbitral do Desporto, o Conselho Diretivo e o Conselho de arbitragem desportiva. As propostas já estão na posse dos novos representantes governamentais, mais concretamente, do Secretário de Estado da Juventude e do Desporto. Este Conselho Diretivo está disponível, e também acredito que o Conselho de Arbitragem Desportiva, para debater essas alterações, mas nunca a extinção do Tribunal Arbitral do Desporto e o retorno à jurisdição administrativa.
Sobre a questão do Secretário de Estado da Juventude e do Desporto estamos a falar de uma pessoa, Pedro Dias, que veio da Federação Portuguesa de Futebol, como diretor técnico da área mais específica do futsal. Esta minha pergunta é inevitável até pelo aspecto mediático da justiça no desporto. Existe algum braço de ferro entre o Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol e o Tribunal Arbitral do Desporto? Isto porque há sempre muitas decisões tomadas pelo Conselho Disciplina e que depois chegam ao TAD, a decisão tomada é diferente.
Eu começo por responder peremptoriamente, não. E explico. Nesse caso concreto, o recurso a um tribunal, seja ele ao Tribunal Arbitral, ou seja, ele, o tribunal Administrativo é um direito constitucionalmente consagrado para qualquer decisão que seja tomada em sede administrativa, neste caso concreto pelo órgão disciplinar da respectiva Federação e, portanto, quem é visado nessa decisão do órgão disciplinar. E, portanto, como qualquer decisão judicial, ela pode ir ao encontro de quem entende dela recorrer, ou, ela pode ir ao encontro da entidade recorrida neste caso concreto. E, portanto, o que eu posso assegurar é que todas as decisões tomadas no Tribunal Arbitral do Desporto, sejam aquelas que revolvam as decisões dos órgãos de disciplina, sejam aquelas que confirmam as decisões dos órgãos de disciplina, são sentenças fundamentadas, são sentenças em que o chamado Colégio Arbitral ponderou de forma séria e responsável, ao abrigo, de assegurar um princípio fundamental que é o acesso ao Tribunal para contestar uma decisão que tenha sido tomada pelo órgão de disciplina.
E esse acesso ao tribunal é acessível a todos a quem no desporto quer ou pretende utilizá-lo para se defender? Os custos são elevados, ou, isso é um mito?
A resposta à primeira pergunta, é, sim. Isto é, qualquer agente desportivo seja um clube, seja ele agente, um praticante desportivo, um treinador, um dirigente desportivo, todos podem aceder ao TAD. Um acesso com disponibilidade financeira para suportar os respetivos custos ou, como qualquer cidadão, a possibilidade de ter acesso a apoio judiciário prestado pela segurança social, no caso de evidenciar indisponibilidade financeira. Nesse sentido foi feita uma proposta que pode levar a uma redução desses mesmos encargos. Mas este tema também vai engatilhar com a sustentabilidade financeira do próprio Tribunal, mais concretamente com os meios que o alimentam financeiramente. O TAD, do ponto de vista financeiro, vive exclusivamente das receitas decorrentes dos custos arbitrais inerentes aos processos que são apresentados e decididos no Tribunal Arbitral do Desporto. E depois há uma pequena comparticipação do Comité Olímpico português.
Baixando esses encargos, o tribunal também não irá receber mais processos, levando também a uma maior demora do julgamento dos casos? Até porque, por vezes a ideia que passa nos casos mais mediáticos, por exemplo do futebol em Portugal, parece que o recurso ao TAD é utilizado para próprio proveito, com a demora na análise do caso e a pena também ficar suspensa.
Vamos distinguir o que tem de ser distinguido. Relativamente ao tempo de decisão no Tribunal Arbitral do Desporto eu posso dizer, o que nós tecnicamente denominamos as "pendências", é um tema que neste momento não nos preocupa muito. É evidente que gostávamos que as pendências, isto é o tempo que demora um processo desde a sua entrada até à sua decisão, fosse o mais curto. Mas não é por haver um aumento de processos no TAD, que vai aumentar o tempo de pendência. Nós temos um prazo de duração dos procedimentos cautelares, modéstia à parte absolutamente recorde, de 15 dias. Sendo que dentro destes 15 dias, 5 dias é o prazo que a parte contrária tem para se poder pronunciar. E 3 dias é o prazo máximo para se constituir o colégio Arbitral, portanto, se deduzirmos aos 15 dias a 8 dias, ou seja, 5 + 3, temos 7 dias de duração média de um procedimento cautelar. Mas também posso destacar que não foi a primeira vez em que algumas decisões foram tomadas em 24 horas. Portanto, os prazos de duração de um processo estão muito longe daqueles que temos junto da justiça administrativa e fiscal, mas muito longe.
Para fecharmos o capítulo daquilo que tem sido, digamos, a questão das decisões do Conselho de Disciplina e, neste caso, com os recursos no Tribunal Arbitral do Desporto em aplicar decisões muitas vezes diferentes das que foram discutidas no órgão da Federação Portuguesa de Futebol. Isto não cria confusão junto da sociedade?
Confusão ou eventual confusão só pode ser criada quando a sociedade não é bem informada. E, portanto, neste caso concreto, quanto à pergunta que me faz é que eu tenho que insistir no que já respondi. Vamos sair do âmbito desportivo, e lembrando que no caso concreto, o Tribunal Arbitral do Desporto não decide apenas matéria relacionada com o futebol. O Tribunal Arbitral do Desporto é competente para decidir a grande maioria dos litígios relacionados com todo e qualquer tipo de modalidade desportiva. Esta é a primeira nota que eu gostava de partilhar. Segundo, porque julgo que pode ajudar a entender o que se passa e que é absolutamente normal e no cumprimento estrito da legalidade, no caso concreto de eu ter um pedido de licenciamento junto de uma determinada entidade pública. E essa entidade pública decide não me conceder esse licenciamento. Eu, evidentemente tenho o direito de junto dos tribunais de recorrer desta decisão, pôr em causa esta decisão. E o Tribunal da Primeira Instância vai dizer sim, o senhor tem razão e, portanto, muda-se a decisão da Câmara Municipal, ou, o senhor não tem razão nenhuma, e a decisão foi bem interposta. Mas qualquer um dos 2 intervenientes, por sua vez, podem ir para o Tribunal de Segunda Instância e colocar em causa a decisão proferida em primeira instância. Portanto, isso é um percurso normal de impugnação de recurso. E o que se passa em sede desportiva, não é mais nem menos, do que eu acabei de descrever. Mas neste caso, com alguma decisão que seja proferida pelo órgão de disciplina de uma qualquer Federação sancionando, por exemplo, um atleta com uma suspensão. Isto trata-se do escrupuloso respeito da lei, designadamente da lei constitucional, e concretamente da lei que aprovou o Tribunal Arbitral do Desporto.
Não era preferível criar um modelo mais prático, com menos recursos? Não estou a dizer que as pessoas não têm direito a recorrer à justiça, mas tomando como exemplo o futebol da Liga inglesa, onde as decisões são rápidas e com poucos recursos. Um caso, um incidente que aconteça no domingo, a decisão, ser for preciso é tomada na segunda-feira.
Nós temos que distinguir duas situações. Temos que distinguir aquelas situações em que as decisões se referem única e exclusivamente às chamadas regras do jogo, ou, regras técnicas da sua organização. Todas as decisões que sejam tomadas pelo órgão de disciplina federativo sobre estas temáticas não são da competência do Tribunal, mas sim, do Conselho de jurisdição. Portanto, vamos distinguir. E depois recordo que o Tribunal Constitucional português chumbou a primeira versão da lei do Tribunal Arbitral do Desporto por não prever, no caso da arbitragem necessária, quando se fala de arbitragem necessária para o público entender, é a arbitragem obrigatória. Se eu quiser pôr em causa uma decisão dum órgão de disciplina eu tenho que recorrer para o TAD. E o Tribunal Constitucional entendeu que era inconstitucional uma determinada norma da lei do TAD, por não prever exatamente o chamado duplo grau de jurisdição, ou seja, a possibilidade de haver um recurso dessa decisão proferida pelo Tribunal Arbitral do Desporto. É a lei que temos, é a Constituição que temos. Já sobre exemplo inglês, estamos a falar de um ordenamento jurídico distinto do nosso, o anglo-saxónico distingue-se claramente do continental.
Outro assunto que vai ser discutido no congresso e que está a ser destacado no programa é o do combate à violência, racismo, xenofobia e intolerância desportiva. Surge a importância de discutir este tema?
Escolhemos este painel porque preocupa, não só o Tribunal Arbitral do Desporto, mas a sociedade. É uma preocupação. É uma preocupação transversal. Não é por acaso que um dos nossos convidados e membros do respectivo painel, vai ser o Rodrigo Cavaleiro, o presidente da Autoridade Portuguesa de Combate à Violência no Desporto. Quisemos propositadamente também convidar o Superintendente Paulo Valente Gomes, um profissional com destacadíssima experiência nesta temática e que presta serviços como perito no Conselho da Europa, sobre esta temática específica da prevenção e do combate à violência no desporto. Também foi convidada a Martha Gens, a presidente da Associação Portuguesa de Defesa do Adepto, porque, evidentemente, os atos de violência, racismo e xenofobia partem também do adepto.
Porque o congresso também vai servir para fazer um balanço de dez anos do TAD, já permite perceber se é mais importante levar o desporto à justiça ou levar a justiça ao desporto?
Eu diria, que neste momento, ainda não é altura de fazer o balanço porque vamos fazê-lo no final do congresso. Mas sobre a outra questão, eu diria que as duas são relevantes. É saudável levar o desporto à justiça, entendendo que determinadas decisões contrariam a lei e, portanto, é saudável que isso aconteça. Como também é saudável, normal e desejável, que a justiça esteja no desporto para que todos os agentes desportivos saibam que em caso de violação das regras haverá a consequente reação. Estamos a falar no domínio disciplinar. Mas também de relações contratuais, do ponto de vista laboral, que podem ser apreciados pelo Tribunal. Rematando; respondo que a justiça deve estar ao serviço do desporto, como também o desporto deve estar na justiça, como não podia deixar de ser.