Vanessa Marina, a primeira b-girl portuguesa perto de alcançar os Olímpicos só tem medo "de partir os dentes"

Vanessa Marina
Dean Mouhtaropoulos/Getty Images
A seis meses dos Jogos de Paris 2024, a TSF foi conhecer Vanessa Marina, a b-girl portuguesa que tem medo de cair de boca e partir os dentes, e que, aos 31 anos, vê um sonho perto de estar realizado: “Estou no top mundial e muito perto de ir representar Portugal.”
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O ano era 2009. No Porto, bailarinos da Venezuela, da Colômbia e de outras partes do mundo juntavam-se para a maior competição portuguesa de breakdance. Intrigada sobre “como é que teriam chegado aqui”, foi assim que Vanessa Marina teve a certeza de que era na comunidade hip-hop que queria crescer.
“Fiz ballet e contemporâneo desde criança, até que por volta dos meus 15 ou 16 anos, comecei a ver na MTV aqueles videoclipes da Beyoncé, do Justin Timberlake, das Destiny Child... e também saíram todos aqueles DVD’S de “Step Up” ou “Save the last Dance” e eu comecei a fazer as mesmas coreografias em frente à televisão”, conta à TSF.
Hoje em dia, não é em frente do ecrã que treina, mas sim no estúdio de casa que continua a alimentar a paixão. O despertador toca bem cedo e, entre duas a três vezes por semana, a primeira paragem do dia é no ginásio. Segue-se o treino de break, geralmente sozinha, até porque Vanessa é das poucas b-girls em Portugal que consegue fazer da modalidade profissão. O resto do dia serve para desanuviar a cabeça e dedicar-se à vida fora da competição, em particular este ano, em que ainda não teve uma off-season.
“A minha rotina agora é um bocadinho intensa. Não sou alguém que treine seis horas por dia, até porque quanto mais faço algo, menos interesse tenho. Preciso de sentir fome e motivação. Preciso de sentir que quero dançar. (...) Tiro a tarde para me dedicar às coisas de que gosto, até porque nós temos competido tanto que acabamos por ficar numa bolha e isso pode ser frustrante.”
Os Jogos Olímpicos de 2024 mudaram a vida de Vanessa, mas a noção de sacrifício não foi uma novidade. De Leiria — cidade onde nasceu e cresceu — até Lisboa, licenciou-se na Escola Superior de Dança, mas foi nas ruas da Gare do Oriente onde passou maior parte do tempo: “Foi aí que comecei a ter mais contacto com o chão e com freestyle.” Quando o curso acabou, ainda deu algumas aulas, mas ser professora não era, nem é para já, uma ambição de Vanessa.
“Eu queria dançar, aproveitar o corpo que ainda é jovem e, por isso, mudei-me para Londres com o intuito de integrar uma companhia de contemporâneo, mas não tive essa sorte. Tive de arranjar um trabalho e o foco desviou-se um bocado”, explica, reforçando, num tom de brincadeira, que a história de Tyler e Nora (personagens do “StepUp”) só mesmo em filmes.
Numa fase inicial, trabalhou na restauração e dedicava o resto do tempo ao break. Mais tarde, uma audição na Royal Academy of Dance deu-lhe a oportunidade de dar aulas e viajar para competições noutros países.
O ano era de 2023 e Vanessa estava de passagem em Lisboa, pronta para começar a treinar. Nos estúdios da Arcade Dance Center, em Benfica, são quatro paredes, uma coluna e um corpo a movimentar-se pelo chão. Em cinco, seis, sete, oito: entramos em duas horas de treino, onde o único medo de Vanessa é “cair de boca e partir os dentes da frente”.
“Tenho sempre medo que a mão escorregue e eu caia de boca, porque quando eu era criança parti os dentes da frente e fiquei com esse trauma. Agora, sendo mais velha, ainda tenho mais receios com o meu corpo. Aliás, trato-o de uma maneira diferente”, explica a b-girl.
O treino de Vanessa Mariana termina como começa: com alongamentos. Entre repetições, foco e descanso, a atleta conta à TSF que a preparação para os jogos tem sido muito dura”.
“Mas o maior desafio é que agora precisamos de treinadores, fisioterapeutas...todo um processo que nunca tínhamos antes, porque a modalidade é muito selftouch”, adverte, sublinhando que isto também acontece porque é a única b-girl com apoio financeiro em Portugal.
A música desliga-se e ouve-se apenas a respiração de Vanessa que, cansada, troca de roupa e prepara-se para descansar. Desta vez, o treino foi em Lisboa, mas é nos estúdios da MXM Art Center, no Porto, que a b-girl treina regularmente.
“Dedicada, esforçada e empenhada. Dotada de uma independência admirável.” É assim que a equipa nortenha olha para Vanessa Mariana. À TSF, Sara Pires, uma das responsáveis pelo departamento de comunicação MXM Art Center, conta que a atleta “não aprimora apenas as suas próprias habilidades, mas também se dedica a ajudar os outros a evoluir”.
Nos estúdios do Porto, Vanessa apoia os mais pequenos “oferecendo orientação técnica ou partilhando a sua experiência”. No entanto, para a MXM Art Center, é impossível ficar indiferente ao respeito que uma Vanessa tem adquirido no break onde é considerada uma “uma voz ativa na promoção da igualdade de género neste meio, inspirando outras mulheres a afirmarem-se no universo do breaking”.
Antes de 2023 terminar, a atleta viajou ainda até Tóquio, no Japão, para a última prova do circuito World Series de Breaking, onde alcançou o 12.º lugar.
Viajar nunca foi nem será um problema para a atleta que, com o passar dos anos, foi percebendo que o break “é uma família tão grande e tão pequena”.
“A partir do momento em que vamos para um país de férias as pessoas do break recebem-nos. Nunca ficamos sozinhos para treinar, para conhecer... Há sempre um contacto e eu aprendi muito assim”, conta.
O Comité Organizador dos Jogos Olímpicos Los Angeles 2028 anunciou já que o breakdance vai ser uma das modalidades sem continuidade. Vanessa não tem dúvidas de que “é um erro muito grande”. “O break vai ter um impacto muito grande nos Olímpicos de 2024 e quando virem isso, vão arrepender-se”, explica, sublinhando que a modalidade é jovem e dá “um ar fresco” ao ambiente competitivo.
A fase de qualificação modalidade de break termina em maio e, neste momento, Vanessa ocupa o 11.º lugar no ranking mundial, com 1950 pontos. Paris apenas tem vaga para 32 bailarinos, estando já garantidas quatro vagas de universalidade e duas para a França. De março a junho deste ano acontecerá a série de classificatórios Olímpicos, onde as melhores 14 b-girls e os melhores 14 b-boys procuram assegurar um lugar nos jogos deste ano.