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O primeiro treinador português a disputar uma final do Mundial de Clubes dificilmente podia ter pela frente um adversário mais poderoso do que o atual Liverpool de Jürgen Klopp. Mas Jorge Jesus também tem os seus argumentos e a história até está do lado do Flamengo.
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Quem tem fé em Jorge Jesus e for amigo de arriscar dinheiro em jogos de futebol até pode receber uma boa prenda de Natal: se o campeão brasileiro virar campeão do mundo, recebe cerca de cinco vezes o que apostar. É que, fazendo uma média, as casas de apostas apenas dão escassos 18% de possibilidade de sucesso aos cariocas (20% no empate; 62% nos ingleses).
O rico contra o (quase) pobre
Sejamos realistas, caso não haja gestão do plantel por parte do Liverpool (que parece menos entusiasmado com esta competição do que o Flamengo), talvez as probabilidades referidas façam sentido. As equipas de Klopp e Jesus pertencem a realidades competitivas muito diferentes e os números não deixam dúvidas disso mesmo.
Para começar, o plantel deste Liverpool está, segundo o site Transfermarkt, avaliado em cerca de 1.18 biliões de euros, o segundo mais valioso à escala planetária, logo a seguir ao do Manchester City. O do Flamengo não ultrapassa os 145 milhões, correspondente ao 70º lugar deste ranking, bem atrás do de todos os 16 clubes que estão nos oitavos de final da Liga dos Campeões (aí o valor de mercado mais baixo é o da Atalanta, 284 milhões de euros).
Os 145 milhões do plantel do Flamengo estão ainda longe do valor do plantel do Sporting (60º, 182 milhões), e a enorme distância de Benfica (31º, 320 milhões) e FC Porto (39º, 262 milhões).
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No plantel do Liverpool, há quatro jogadores avaliados em mais de 100 milhões de euros e praticamente um onze (titular) de atletas cujo valor estimado ultrapassa os 50 milhões. Já no grupo de trabalho do Flamengo há apenas dois futebolistas avaliados em mais de 20 milhões de euros.
Duas realidades muito diversas, como fica visível também no valor estimado da liga inglesa (9.5 biliões de euros), comparado com o da liga brasileira (1.07 biliões), que se equipara ao da liga portuguesa (1.13 biliões)
A diferença é ainda maior se tivermos em conta o valor de mercado de todas as equipas que participaram nas mais recentes edições da Taça dos Libertadores (1.6 biliões de euros) e da Liga dos Campeões (16.5 biliões).
Mas se há alguma coisa que pode mitigar estas enormes assimetrias é o fato de estarmos perante dois clubes que representam talvez as duas grandes pátrias históricas do futebol: a Inglaterra, que inventou o jogo tal como o conhecemos e o Brasil, que o reinventou como nenhum outro país, tornando-se o maior viveiro de craques a nível planetário.
Por isso mesmo, mais do que comparar o poder e riqueza de Flamengo e Liverpool valerá a pena conhecer o momento competitivo vivido atualmente pelas duas equipas. E nesse particular, nenhuma delas se pode queixar. Bem pelo contrário.
Duas equipas (e dois treinadores) em estado de graça
De um lado, temos um Flamengo que no último mês se sagrou campeão brasileiro (pela primeira vez em 10 anos) e da América do Sul (apenas pela segunda vez na sua história, sendo que a primeira aconteceu há quase 40 anos, em 1981), no espaço de dois dias.
Do outro, um Liverpool que, depois de conquistar o título europeu após 14 anos, está no caminho certo para recuperar o estatuto de campeão inglês, que lhe foge há exatamente 30 anos. A equipa de Liverpool tem 10 pontos de avanço sobre o segundo, o Leicester, e 14 sobre o terceiro, o Manchester City, seu maior rival. O seu desempenho na liga tem sido avassalador: incluindo a temporada passada (quando bateu o recorde de pontos conquistados por um não-campeão), o Liverpool somou 76 pontos dos últimos 78 possíveis!
Ora, tanto no caso do Flamengo como no do Liverpool é unânime a ideia de que tudo mudou com a chegada dos respetivos treinadores. Klopp em 2015, Jesus há meia dúzia de meses. Em ambos os casos, impuseram as suas ideias e os seus métodos de forma poderosa e carismática e foram convencendo mesmo os mais céticos.
Até para que faça algum sentido a comparação, fiquemo-nos pela atual época desportiva (no formato europeu), correspondente ao período de Jesus no Rio de Janeiro. Na era do treinador português, o Flamengo venceu 27 dos 38 jogos realizados, somando apenas três derrotas (uma já com o campeonato brasileiro decidido e outra numa eliminatória da Libertadores de que saiu vencedor).
No caso do Liverpool, desde o início da temporada, a equipa ganhou 21 dos 28 encontros oficiais efetuados, perdendo só dois (frente ao Nápoles na Champions, e há poucos dias face ao Aston Villa, na Taça da Liga Inglesa, atuando com a equipa de sub-23).
Se não restam dúvidas de que o Liverpool de Klopp destas duas últimas temporadas é uma super-equipa, (apenas uma derrota numa liga como a inglesa em 55 jogos é quase inverosímil), levando a que por exemplo Guardiola considere os Reds como a melhor equipa do mundo, também o Flamengo de Jorge Jesus tem sido esmagador.
Numa realidade diferente, eventualmente menos competitiva, mas ninguém negará que o desempenho dos rubro-negros com Jesus ao leme é absolutamente notável. E nada como um frente a frente entre Liverpool e Flamengo, entre Jesus e Klopp, para mostrar quem é o mais forte neste momento, mesmo sabendo que numa final - apenas um jogo - nada fica definitivamente provado.
Claro que como treinador, embora sendo mais novo (52 anos contra 65 de Jesus), Klopp tem um estatuto superior: é titular da Liga dos Campeões, domina a Premier League, muitos consideram-no o melhor técnico da atualidade. Chegou ao topo muito depressa - começou a treinar o Mainz aos 34 anos e aos 41 já era treinador do Borussia de Dortmund (que levou ao título alemão com 44 anos) - enquanto Jesus teve que esperar 20 anos para chegar a um grande (foi contratado pelo Benfica quando já tinha 55 anos).
Talvez os títulos de Klopp sejam igualmente mais sonantes, mas há um detalhe em que Jesus não fica atrás do alemão, batendo-o aos pontos. O amadorense ganhou mais finais do que as que perdeu (11-6), enquanto Klopp tem um saldo negativo: 6-8.
É verdade que seis das 11 finais ganhas por Jesus são da Taça da Liga portuguesa e que perdeu duas finais da Liga Europa consecutivas (2013 e 2014), mas não tem vacilado nos tempos mais recentes: vitórias na Supertaça da Arábia Saudita e na Taça dos Libertadores.
Como Jesus, também Klopp já sofreu com o rótulo de "pé frio" em finais, depois de perder a Liga Europa (2016) e a Liga dos Campeões (2018) no derradeiro encontro. Mas as conquistas, em 2019, da Champions e da Supertaça Europeia tudo mudaram.
A história do lado dos brasileiros
Finalmente, lugar para a história e para os confrontos diretos. E aqui o Flamengo tem todos os motivos para sorrir e sonhar. Primeiro, porque na única vez que defrontou o Liverpool venceu de forma categórica: em 1981, na Taça Intercontinental (que a FIFA considera oficialmente equivalente ao Campeonato do Mundo de Clubes), Zico, Mozer, Júnior e Cª aplicaram chapa três (3-0) à famosa equipa de Dalglish, Souness ou Grobbelaar, em Tóquio.
Além disso, nas cinco vezes em que emblemas brasileiros decidiram o título mundial (tanto na Taça Intercontinental, até 2004, como no atual formato) frente a conjuntos ingleses levaram a melhor em quatro ocasiões. Somente o Manchester United salva a honra do convento insular, graças ao triunfo sobre o Palmeiras, em 1999.
Aliás, o panorama nesta competição é mais do que negro para as equipas britânicas, com apenas dois triunfos em dez finais. Por exemplo, a última vez que um clube sul-americano venceu (há sete anos, em 2012) foi às custas de um inglês (Corinthians, 1 - Chelsea, 0).
Pior ainda, o principal responsável por este registo maldito é o próprio Liverpool, que em três finais disputadas saiu sempre derrotado, não tendo sequer um golo apontado nesses três jogos (0-3, Flamengo, 2001; 0-1, Independiente, 1984; 0-1, S. Paulo, 2005) em que podia ter-se sagrado campeão do mundo.