Não chove no Norte do Alentejo. Os animais não têm o que beber e a comida começa a escassear. O rio Caia já não corre há sete meses. A TSF falou com quem está a ser afetado pela seca.
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O leito do rio Caia é um caminho de pedras soltas, areias secas e caudais nulos. Em Arronches, o Caia já não é um rio, é apenas margem com pontes a ligarem terras da cor de cinza porque os tons de barro já desapareceram há muitos meses.
No Alentejo Norte continua sem chover. A grande seca não dá tréguas. O rio Caia já não corre há sete meses.
Em Elvas o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) registou este fim de semana menos de meio litro de chuva por metro quadrado e zero milímetros foi a marca registada em Avis.
E, nos últimos seis meses não choveu mais de 20 litros em Campo Maior. "Este é um número próprio de climas desérticos e pré-desérticos", afirma, perentório, o agricultor António Manuel Gama Pinheiro.
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Com uma pastagem para vacas com 300 hectares, Gama Pinheiro tem na propriedade agrícola uma barragem própria com capacidade para 100 mil metros cúbicos, mas está vazia e cada vaca bebe 50 litros de água por dia.
"Eu prevejo que se houver a infelicidade de não chover dentro de um mês que os animais comecem a morrer por falta de água", revela.
Perante este problema a maioria dos agricultores alentejanos tem uma solução: "Temos que represar toda a água que cai porque isto vai-se repetir e daqui para a frente talvez com mais gravidade. Se não tivermos a preocupação de, com o apoio do governo, fazermos mais represas e mais barragens nós vamos ter o problema muito mais agravado a médio prazo", defende.
"Uma barragem em cada concelho"
Também a presidente da Câmara Municipal de Arronches, Fermelinda Carvalho, sugere a construção de uma barragem em cada concelho para que fosse retida as águas das chuvas nos anos em que chove.
"Parecia-me muito importante que fosse pensado de uma vez por todas um plano de barragens. Todos os concelhos deveriam ter uma barragem, nós há muitas décadas que esperamos pela barragem do Pisão. O problema é que quando chove a chuva é muito concentrada e acaba-se por perder", propõem a autarca.
Fermelinda Carvalho sugere que estas barragens podiam estar ligadas umas às outras por meio de transvases e a construção destes projetos poderia ser enquadrada por fundos comunitários.
Mas mesmo as barragens existentes na região estão muito abaixo da sua capacidade. A albufeira do Caia só tem 19% de água e o técnico da Associação de Regantes do Perímetro de Rega do Caia, Luís Rodrigues, lembra que "é preciso recuar 22 anos para se ter uma campanha sem água e o mesmo pode acontecer se em Março de 2018 os níveis da barragem se mantiverem"; níveis que levaram a que a água para fins agrícolas fosse cortada a partir do dia 16 outubro.
Face a esta situação o dirigente da QUERCUS, Nuno Sequeira, que também é agricultor, em Avis, de uma pequena unidade de produção biológica, critica a opção política pelo investimento no regadio intensivo.
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"A QUERCUS tem vindo a defender ao longo dos anos uma discussão sobre aquilo que é a estratégia agrícola nacional. Portugal tem feito ao longo dos anos uma aposta demasiado cega no regadio", sustenta Nuno Sequeira que lembra: "A agricultura é o setor de atividade que mais água consome".
Seca atrasou o cio das ovelhas
Na sua exploração em Avis, Nuno Sequeira espera pela chuva, mas que não venha toda de uma vez: "o solo está tão compactado e seco que se cair muita água de repente ela vai escorrer e portanto o ideal era que chovesse ao longo de duas ou três semanas mas mais em regime de aguaceiros para que a erva pudesse rebentar" e assim criar novas pastagens.
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Outro problema associado à seca é a interferência do clima no ciclo reprodutivo dos animais.
"Nesta altura do ano, em anos normais, uma grande parte das fêmeas entra no cio, ficam recetivas aos machos porque é a altura do ano em que há mais abundância de alimento para poderem dar de amamentar aos borregos e este ano isso não aconteceu. Nota-se nos carneiros que não andam atrás das fêmeas", desabafa Nuno Sequeira.
Também em Avis, Alexandre Serrano já não tem pasto para as ovelhas e todos os dias tem que pegar na carrinha de caixa aberta e espalhar pelo prado (que já não é verde) dois fardos de palha por dia.
"Não chove não há nada que possa evitar estas despesas. Isto é um borrego todos os dias que gastamos. Um ou dois fardos grandes duas ou três sacas de farinha. Mas temos que as tratar mesmo senão elas morrem e ainda ficamos pior", explica Alexandre Serrano que tem que transportar água dos poços para dar de beber às ovelhas.
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"Governo não faz nada"
Uma situação recorrente para muitos criadores do Alto Alentejo, como destaca o vice-presidente da Associação de Agricultores de Portalegre, Mário Mendes: "Andamos a transportar água para dar aos animais. Ou seja, há muitos agricultores que fazem quilómetros com os reboques com água para poderem dar aos animais, outra coisa que também se repercute é que não temos pastagem nenhuma".
Mário Mendes já fez as contas e adianta que uma vaca come 10 quilos de feno por dia o que dá uma despesa de 1,5 euros.
O dirigente da Associação de Agricultores de Portalegre lamenta que o governo ainda não tenha despertado para este problema.
"A nossa equipa técnica elaborou 50 projetos por causa da seca, para furos, poços, auto tanques e prospeções de água. Dos 50 projetos temos 31 aprovados e destes nenhum está pago. O estado não deu um cêntimo que fosse até à data", desabafa Mário Mendes.
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"Os frutos precisam de chuva"
Em plena campanha da azeitona, a Cooperativa Agrícola de Sousel está a braços com um problema: "A azeitona de sequeiro não criou polpa, tem muito pouca humidade e não desenvolveu. Estamos a notar menos peso e menos quantidade de azeitona. Tudo se queixa da falta de água, a azeitona pesa pouco e por isso é mais difícil apanha-la", explica o presidente da Cooperativa, Alberto Serafim.
Por outro lado, o produtor Mário Peças, lembra que o ano passado já sentiram a seca no olival e este ano os produtores estão a atrasar a safra da azeitona e mesmo assim o fruto pode nem chegar a amadurecer: "Vai passar de verde a castanho e nem chega a ficar preto. Há muita falta de humidade e as árvores também estão a sofrer muito".
Mas mesmo para o olival em regime de regadio se sente a falta de água. O produtor Nelson Rosa diz que já sonha com chuva porque o regadio não serve para "engordar" os frutos.
"A água da rega que vem nos tubos serve para fertilizar as árvores e dar-lhes algumas pujança mas a água da rega serve para manter a planta, não para valorizar o fruto, porque a água da chuva o fruto absorve a água. Portanto, a chuva é muito importante porque a planta bebe e os frutos também bebem", justifica Nelson Rosa.