"A partir de agora, postos de carregamento passam a ter dispositivo para pagamentos com cartão multibanco"
É uma das consequências do novo regulamento europeu que entra em vigor em todos os estados-membros a partir deste sábado anunciadas por Luís Barroso. A gestora da rede pública de mobilidade elétrica em Portugal, que fala ainda num país com um modelo “exportável” e espera que novo governo dê continuidade ao trabalho.
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Os efeitos do novo regulamento europeu, designado de AFIR, sobre criação de infraestruturas para combustíveis alternativos em todos os estados-membros que entra em vigor este sábado, começam a sentir-se para quem precisar de fazer pagamentos na rede de carregadores, porque entre outros benefícios, vai permitir pagamentos com cartão bancário (multibancos), apesar de no domínio da monitorização da rede, o presidente da MbiE, considerar que Portugal é pioneiro face ao resto da Europa, com legislação que tem vindo a ser produzida desde 2010.
Já quanto à rede de carregamento para veículos pesados, Luis Barroso adianta que ainda este ano vai avançar o primeiro- teste-piloto com a Administração dos portos de Lisboa, Setúbal e Sesimbra, baseado no estudo que prevê a instalação de 1 588 postos até 2050 e até a náutica de recreio vai ter primeiro ponto de carregamento para barcos elétricos, já inaugurado há 2 dias.
Nem tudo é um mar de rosas na mobilidade e apesar do estudo estar feito, a rede de carregamentos a Hidrogénio ainda não tem pernas para andar. Previa 37 estações, 20 nós modais, separados por 200 quilómetros, até 2030 e com orçamento de 219 milhões de euros, mas é preciso dinamismo que suporte o projeto e tal ainda não aconteceu, como provam os exemplos desenvolvidos noutros países da Europa, como o Reino Unido, ou a Suécia, que casaram por abandonar este tipo de experiências.
Como estimulo à mobilidade, já no próximo mês, avança a abertura de candidaturas para as autarquias que queiram participar no projeto “Rua Elétrica”, anunciado em 2023 para arrancar no início de 2024, mas que só agora lança o desafio aos municípios, para instalarem postos de carregamento de baixa potência em zonas habitacionais (sem acesso a redes privadas ou publicas) e conta em junho estar a anunciar as câmaras vencedoras, para depois abrir concurso aos operadores que se queiram candidatar à instalação dos mesmos, contando ter o primeiro teste-piloto até final do ano.
O gestor espera ainda que no domínio da mobilidade elétrica os compromissos com PRR sejam para cumprir e espera que o novo governo dê continuidade ao trabalho já desenvolvido e crie políticas que invistam na mobilidade das pessoas.
Entra hoje em vigor um regulamento europeu relativo à criação de infraestruturas para combustíveis alternativos. Um dos pilares deste regulamento, conhecido como AFIR, é precisamente o reforço das redes de carregamento de veículos elétricos. que necessidades vem este regulamento enquadrar e de que forma a Mobi.E terá de acautelar as novas regras na sua atividade?
O regulamento entra de pleno direito hoje em vigor e a Mobi.E, em outubro passado, praticamente pouco mais de um mês depois de o regulamento ter sido publicado, fez uma apresentação pública de um estudo com os governos europeus. O regulamento tem uma perspetiva de longo prazo, até 2050, porque é o compromisso de Paris para atingirmos a neutralidade carbónica. E dentro dessas conclusões temos N áreas para atuarmos. A primeira, e que vamos já começar a sentir a partir de agora é com a instalação dos postos de carregamento mais rápidos, com potências iguais ou superiores a 50 kW, que vão passar a ter um dispositivo para pagamento direto com cartão bancário. Depois, e isso é uma das novidades que a Mobi.E já vem desde 2022 a monitorizar, tem a ver que o crescimento das redes está indexado à potência do parque automóvel em circulação. Isto quer dizer que por cada veículo 100% elétrico que está em circulação, a rede tem de ter uma potência de 1,3 kW e por cada veículo plug-in em circulação a rede tem de ter uma potência de 0,8 kW. Já monitorizamos, neste momento, esta necessidade e, atualmente, temos uma margem relativamente a este mínimo que vai passar a ser obrigatória em todos os Estados-membros a partir do final do ano, de cerca de 8% de margem.
O que é que isso significa em termos de carregadores?
Isto também é uma mudança na filosofia, porque inicialmente havia muito aquela perspetiva do número de carregadores em função do número de carros, mas atualmente não, o que interessa é a potência. Porquê? Porque a diferente potência permite diferentes velocidades de carregamento e, portanto, isso significa que vamos ter de ter disponíveis um número de carregadores suficientes que, agregadamente, somem uma potência equivalente, no mínimo, a termos 1,3 kW por cada viatura 100% elétrica em circulação, e 0,8 kW por cada viatura plug-in em circulação, porque são essas que são carregadas na rede pública de carregamento.
Mas qual é o estado de arte? O que é que isso significa?
Neste momento, conforme disse, estamos acima em 8%. Provavelmente, somos o único país, já, e friso isto, há mais de dois anos, que monitoriza este critério diariamente. E isso podem consultar no nosso site, que está lá. Neste momento, a nossa potência da rede são 255 MW, o que dá uma margem de cerca de 8%, porque o parque automóvel que avalia a termos cerca de 235 MW.
E entre a rede pública e operadores privados, que diagnóstico faz à mobilidade em Portugal?
Acho que a transição energética em Portugal está a ser um bom exemplo, até pelo próprio Regulamento da AFIR. Desde logo, porque fomos um país pioneiro em criar regras específicas para tratarmos este problema. Em 2010, saímos com o primeiro pacote legislativo que veio a consolidar-se naquilo que atualmente chamamos o modelo Mobi.E. É um modelo, que previu muito bem aquilo que o próprio AFIR vem agora, 14 anos depois. É importante que tenhamos isto em atenção. Como, por exemplo, a interoperabilidade de redes. O nosso modelo, e isto é importante também que as pessoas percebam, cada operador tem a sua rede. E, a diferença relativamente aos outros países, é que estas redes que são constituídas por um conjunto de postos instalados em pontos de acesso público, em zonas de acesso público, têm de estar obrigatoriamente ligadas à nossa rede. Para quê? Para que ela possa funcionar com aquilo que nós portugueses conhecemos bem como multibanco. Ou seja, que um utilizador com um único meio de acesso possa utilizar todos os carregadores. Exemplo, com o multibanco, que a pessoa tem um cartão bancário do seu banco e pode utilizar todas as caixas bancárias, independentemente de se a caixa está no seu banco ou não. É este o mesmo princípio. E, portanto, aqui, isto chamamos de interoperabilidade. E é isso que o AFIR agora vem também promover, que é a interoperabilidade entre redes. Ora, o nosso sistema já é ele próprio um sistema totalmente interoperável. Ou seja, vai mais além daquilo que o próprio AFIR vem desejar agora, volto a frisar, 14 anos depois. Depois, outra questão muito importante, o livre acesso à informação. Ou seja, temos dados abertos para que os utilizadores, isto para nós, cá em Portugal desde o início que é assim, porque foi possível integrar toda a informação, a Mobi. E enquanto entidade gestora, integra, e trata e divulga. E todos os utilizadores, atualmente em Portugal, é normal, conhecem onde é que estão localizados todos os postos, qual é a potência, qual é o custo do serviço de carregamento e quem é o operador. Lá fora não é assim. Não existe este tipo de informação. E o AFIR agora vem exigir que passe a existir este tipo de informação agregada, para que as pessoas tenham conhecimento onde é que estão os pontos de carregamento, onde é que podem carregar. Portanto, tudo isto são coisas que o AFIR vem pôr em lugar, mas que nós nos habituámos a fazer desde o início.
A Mobi.E, o ano passado, lançou o desafio aos municípios para o projeto piloto Ruas Elétricas. Estava previsto arrancar no início de 2024, penso com um orçamento de dois milhões, para as autarquias instalarem pontos de carregamento de baixa potência em zonas habitacionais. Que adesão é que teve até agora? Em que fase é que está este projeto?
A questão que vivemos agora nos últimos tempos atrasou um pouco o formalismo do processo, a conjuntura política, mas a Mobi.E já publicou no início do mês um edital a convidar os municípios para se associarem a esta ideia. Os municípios são extremamente importantes neste processo da transição energética da mobilidade. Porquê? São eles os gestores de espaços. São eles que devem definir quais são as políticas de mobilidade dentro dos seus municípios e onde é que devemos ter o espaço ocupado por pontos de carregamento. O que a Mobi.E aqui vem fazer é abrir uma nova fase de mercado, que é aquelas zonas onde as pessoas não têm alternativa de carregamento em espaços privados, porque não têm garagem, não há meios para carregar, é estabelecer, essas zonas locais para carregamento. Lento, para que as pessoas possam durante a noite, durante o fim de semana, por produtos prolongados, deixar o seu carro a carregar. E isso só se faz com os municípios. Portanto, fizemos um programa ao nível nacional, envolvendo quer os municípios do continente, quer as regiões autónomas. Agora queremos que os municípios se candidatem, porque são eles que têm de escolher quais são as ruas onde vamos fazer este piloto, e isto será um piloto. Eles têm até maio, até ao final de maio, para se pronunciarem, e em junho a Mobi.E irá informar quem são os municípios contemplados, e a partir daí vamos lançar os procedimentos do concurso para que os operadores privados possam candidatar-se à instalação e à concessão destes pontos de carregamento por um período de 12 anos. Se por acaso as verbas não ficarem esgotadas até ao final de maio, os municípios vão poder continuar a candidatar-se até ao final do ano, e aí vamos avaliando mensalmente e fazendo procedimentos mensais de forma a acelerarmos o processo.
Mas há muitas manifestações de interesse?
Neste momento ainda não, porque acabámos de publicar há coisa de duas semanas…
Mas o projeto foi lançado o ano passado para arrancar no início de 2024…
Há municípios que informalmente, desde a primeira hora, quando começámos a anunciar esta intenção, se mostraram muito disponíveis, agora temos é que aguardar pelo formalismo dos processos.
Tem alguma previsão para quando é que poderá o primeiro município, ao abrigo desse programa, ter em operação novos postos de carregamento?
Se tudo correr bem, provavelmente lá para setembro.
Ainda este ano?
Sim, sim, este ano garantidamente, até porque estamos a falar de postos de potência menos elevada, portanto a tramitação com o setor elétrico não é tão complicada. E havendo o apoio do município para o licenciamento do espaço, não vejo razão para que as coisas não sigam. A questão é que temos de fazer um concurso público, tem regras, tem os seus prazos, e depois é fazer obra, mas penso que a partir de setembro, durante o último trimestre, vamos começar a ver o projeto a acontecer.
Há pouco referia que o mercado entrava numa nova fase, mas também a Mobi.E estará a entrar numa nova fase, porque em dezembro último foi anunciado, talvez aquele que é o primeiro passo de internacionalização da empresa, nomeadamente para a Colômbia, com um acordo com o grupo VATIA, em que é que consiste este acordo, o que é que a Mobi.E vai fazer na Colômbia e, já agora, que condições é que o mercado colombiano oferece no âmbito da mobilidade elétrica?
O processo de internacionalização tem vindo a ser trabalhado há cerca de um ano, porque nos parece que tendo uma solução portuguesa, como é o caso do modelo Mobi.E, que tem produzido resultados muito fortes, e comparados com outros países basta ver que as quotas de registos de veículos elétricos, porque os resultados são estes, no último ano, quando comparamos com outros países da Europa, Portugal ficou com quotas superiores, por exemplo, à Alemanha, à França, que são grandes produtores de automóveis, mas ultrapassámos em mais de três vezes a Espanha ou cinco vezes a Itália. Portanto, isso demonstra bem que, de facto, temos uma solução que funciona, que é credível e que os utilizadores acabam por aderir mais rapidamente face ao que está a acontecer nestes países. Partindo deste pressuposto, que é muito importante e que já está demonstrado, então achámos que faria todo o sentido, e sendo Portugal um país onde a transição energética e a produção de energia verde também está a servir de exemplo, que se afirmasse na transição energética da mobilidade. Porque todos os países, este é um fator muito importante, cerca de mais de 25% das emissões de carbono vêm do setor dos transportes. Portanto, acho que será uma boa forma de afirmação de Portugal além-fronteiras.
Com estes dois domínios, procurámos selecionar, porque também temos limitações, quais são os mercados que fazem sentido. E, desde logo, o primeiro de todos que nos parece óbvio, é aqui os nossos vizinhos de Espanha. Porquê?
Espanha é a nossa porta de entrada da Europa por via terrestre. E as diferenças em termos de desenvolvimento, da mobilidade sustentável e elétrica, são tão grandes, que temos algo para lhes dar. Mais uma vantagem, é que os operadores que estão em Espanha, muitos deles estão em Portugal e vice-versa. Portanto, eles já têm experiência de integração com a Mobi.E. Portanto, podem ter um valor acrescentado e de facilidade, de facto, em utilizarem o mesmo sistema em Espanha, com o objetivo único de que os utilizadores que utilizam diariamente a rede Mobi.E possam, com os mesmos meios, utilizar carregadores em Espanha.
A tal rede ibérica?
A tal solução ibérica, a interoperabilidade ibérica. Este é um fator que estamos a trabalhar e espero que brevemente consigamos ter também soluções nesta via. Outro mercado muito apreciável, a nosso ver, é o mercado da América Latina. Porquê? São fortes produtores de energia limpa. Têm um grande mercado porque são fortemente populosos. O seu sistema de transportes assenta-se, sobretudo, no veículo particular ou pesado. E, portanto, a transição energética na mobilidade lá faz sentido. Como cereja em cima do topo do bolo, ainda está tudo por fazer. E, portanto, se já temos esta experiência, parece-nos que faz também sentido procurarmos levar esta experiência para os países da América Latina. E aí, de facto, a Colômbia, fruto também da visita há cerca de um ano, do presidente colombiano, que ficou impressionado com aquilo que viu e que pressionou, de facto, para procurar ter uma solução idêntica na Colômbia, desde aí temos vindo a ter conversações, quer através da Embaixada da Colômbia, quer com o próprio Governo, e surgiu a oportunidade do Grupo VATIA. Neste momento, estamos a acabar um processo de consultoria, irá terminar no início de maio, de acordo com os prazos contratuais, em que vamos estruturar a forma como o Grupo VATIA se vai posicionar no mercado de mobilidade elétrica na Colômbia e depois a ideia é, de facto, que eles, com a ajuda da nossa plataforma, diversifiquem o seu mercado. Ao mesmo tempo, continuamos com conversações com o governo da Colômbia para estruturar uma solução. Mas, eu próprio estive no início do ano em Brasília, em contactos com ministérios do Brasil, vários ministérios, tive reuniões com vários ministérios, portanto, é uma porta que também estamos a abrir, mas temos outros países. Agora, só faz sentido se de facto também ajudarmos a internacionalizar a atividade das empresas privadas, que connosco atualmente já trabalham e de forma, também, a internacionalizarmos a nossa economia. E é isso que queremos, abrir as portas, para depois também levar a internacionalização e acrescentar valor à nossa economia.
Mas boa parte delas não tem já a operação internacionalizada nomeadamente, a Brisa, a GALP…
Não em mobilidade elétrica. E, portanto, aqui é abrir um novo eixo e acho que a Mobi.E poderá ajudá-los nesse sentido. Depois, finalmente, também é importante, é garantir e isso é uma prioridade e também tem a ver com a minha formação académica, é garantir que a empresa seja sustentável economicamente. E, portanto, a Mobi.E tem de ser sustentável economicamente e angariar novos negócios, novas receitas, que permitam esta sustentabilidade, mas também que sirvam, e esse também é um objetivo que estamos a perseguir, que sirvam para reduzir os custos da utilização da rede Mobi.E em Portugal. Parece-me fazer todo o sentido, que é arranjar formas de financiar a atividade interna. E, nomeadamente, por exemplo, através da redução das tão criticadas tarifas da entidade gestora, mas são elas que suportam todo este sistema que permite às pessoas, através de um clique, saberem onde é que está o posto mais próximo, se está disponível ou se não está, e utilizarem a rede com qualquer cartão que tenham para carregarem o seu carro.
Além da Colômbia, falou também de Espanha e possivelmente do Brasil, mas concretamente que mercados é que poderão vir a seguir nessa estratégia de internacionalização?
Temos tido contactos com o México, com o Chile, tudo países da América Latina pelas razões que enfoquei há pouco, que é serem fortes produtores de energia limpa, terem necessidade de fazer a transição energética e terem uma dimensão grande.
E na Europa, além do mercado espanhol, poderá haver outros mercados de interesse?
Na Europa, o nosso posicionamento é que temos de ter consciência das nossas capacidades e das nossas limitações, o nosso posicionamento é se tivermos desafios de operadores que queiram, por exemplo, ir com uma solução, apoiados na nossa solução para outros países, quaisquer que sejam da Europa, claro que acompanharemos. Ou inclusivamente, e aí depois também depende um pouco da diplomacia económica que formos capazes de fazer e que extravasa um pouco a capacidade da própria Mobi.E, que é nesta fase em que os países europeus vão andar à procura de um sistema que a Mobi.E já domina, porque não Portugal afirmar-se?
E aí o governo terá também um trabalho a fazer, não?
Penso que sim, se for essa a intenção, penso que sim, porque acho que é positivo para o país. Porque, de facto, estamos à frente e as pessoas têm de ter consciência disso, é que estamos muito à frente dos outros e os outros vão ter de procurar as suas próprias soluções.
Aproveito, uma vez que o programa do governo foi apresentado e há aqui uma reafirmação de compromissos anteriores e também o facto do investimento prosseguir em rede, mas através de fundos europeus. isto agrada-lhe, chega-lhe, ou poderia fazer-se mais?
Não tenho conhecimento do específico do programa, mas há um compromisso que temos para já neste momento no PRR, que visa disponibilizarmos 15 mil pontos de carregamento até ao final de 2025. Temos vindo a cumprir as metas intercalares que estão estabelecidas ao longo do programa, mas temos de ter em atenção isso. Penso que para cumprirmos este objetivo vai ser necessário encontrarmos soluções de financiamento para os operadores poderem de facto investir nessas redes. Nós próprios, aproveitando também a aprovação da terceira diretiva de energias renováveis – e aqui a diretiva tem de ser transposta para a legislação nacional –, que vem prever que os Estados Membros possam desenvolver mecanismos de créditos, de e-créditos, para financiarem a infraestrutura. Basicamente, o princípio é o seguinte: as empresas que vendem energia na mobilidade elétrica poderem emitir créditos que depois são vendidos às empresas que vendem combustíveis, de forma que as empresas dos combustíveis possam reduzir o impacto da pegada da venda desses próprios combustíveis. Este é um pacote que já trabalhámos com a ENCE, porque a ENCE é a entidade que em Portugal tem emissão dos créditos de baixo carbono, temos uma solução pronta que poderá vir a ser aprovada pelo novo governo rapidamente e que será um fator importante para financiar o crescimento da infraestrutura. Mas vamos precisar também, provavelmente, de mais fundos para isso.
Falava no objetivo de até 2025 ter cerca de 15 mil pontos de carregamento?
Sim, ter 15 mil pontos no total. Neste momento temos 8200. Creio que esse objetivo está também relacionado com um outro ponto que vinha num estudo apresentado pela própria Mobi.E, creio que em outubro do ano passado, em que falava também em chegar até 2050 com 82 mil pontos de carregamento.
Tendo em conta o que acabou de referir, o país está em condições de cumprir esses objetivos?
Para amanhã não. Para 2050 está, não tem desculpas para não estar. Aliás, porque a Mobi.E apresentou em 2023, em outubro, um plano de desenvolvimento até 2050, exatamente para que o país possa ter um quadro onde possa preparar-se para esta transição e o cumprimento destes objetivos de acordo com os parâmetros que o próprio AFIR vem dizer. E agora alerto que isto são estimativas, temos como por intenção ajustar anualmente este estudo ao desenvolvimento da própria atividade e imagine que aparece uma ou outra tecnologia nova se calhar já não é necessário tantos postos de carregamento. Para já, é este o cenário que temos e é com isto que estamos a preparar e que estou certo de que quer comercializadores de energia para a mobilidade elétrica, quer operadores das redes de distribuição, como a E-redes, a EDA a EEM se estão a basear, quer operadores para definir os seus planos de desenvolvimento. Fiz a questão desta forma porque, naturalmente, a rede de carregamento terá de crescer, mas a questão é como. E além das necessidades de investimento, poderá haver aqui também uma certa necessidade de rever processos burocráticos, nomeadamente o licenciamento dos pontos, em que muitas empresas já há algum tempo reportam algumas dificuldades, às vezes até no cruzamento de informação entre diferentes organismos.
E daí colocar a questão dessa maneira e reforço a pergunta, no sentido de, talvez um Simplex, já sugerido noutros momentos, para esta área da mobilidade elétrica, qual é a sua opinião?
Para mim isso é claro e, aliás, a mobilidade tem vindo ao longo dos últimos anos a fazer um trabalho intensivo de sensibilização com os municípios enquanto gestores do espaço, porque são eles os gestores do espaço para os sensibilizar para a necessidade de reduzir a burocracia. Temos também vindo a trabalhar muito, sobretudo com a E-redes ao nível do continente e, por exemplo, já conseguimos que a E-redes desenvolvesse uma coisa que é única no mundo, penso eu, que é que atualmente qualquer operador que queira instalar um posto tem acesso via internet às localizações de todos os postos de transformação com a potência que existe e a potência disponível. Ou seja, isto ajuda-os a programar com mais fiabilidade a localização. Portanto, temos vindo a trabalhar nisso, temos já coisas feitas, mas obviamente que os municípios, volto a frisar, são atores chave neste processo em que temos de ter padronização de licenciamentos, porque isto tem um âmbito nacional. A Mobi.E tem um projeto em carteira e que já está aprovado como Simplex, mas que ainda não tivemos capacidade de pôr em prática, que é criar uma janela única da mobilidade elétrica, ou seja, ter um portal, desenvolver um portal onde através da internet se possa tramitar toda esta burocracia e um operador possa pedir os licenciamentos e o município possa dar os seus licenciamentos. É um objetivo que temos, é um trabalho que vai ser árduo, mas que também quero implementar. Para tudo isto, já agora, também dizer-vos que no próximo dia 19 é o dia de aniversário da Mobi.E e vamos pela primeira vez fazer um evento com todos os stakeholders para, de facto, procurarmos soluções internas para tornar cada vez melhor a experiência do utilizador no uso da sua viatura elétrica. Vai ser um espaço de debate muito interessante, estamos em querer, e que tem vindo a motivar muito interesse pela maioria dos participantes.
Há dois projetos que gostaríamos de perceber em que fase estão. Um deles é a rede de carregamentos para veículos pesados. Os pontos que estavam previstos num estudo que apresentaram era que fossem mais de 1500, cerca de 1588, mas em que fase é que estão? E o projeto do hidrogénico que previa a criação de 37 estações?
Relativamente à infraestrutura de pesados, já demos um primeiro passo para darmos um sinal ao mercado e atenção que se pretende que a instalação seja feita pelas redes privadas, embora a Mobi.E possa vir a ser chamada a avançar com isto. De acordo com a expectativa que temos neste momento, o mercado dos veículos elétricos pesados, pelo menos em Portugal, ainda não está suficientemente desenvolvido, mas isso não pode servir de desculpa. Por isso, firmámos um protocolo para já com a APL, a Administração do Porto de Lisboa e com a Administração do Porto de Setúbal e de Sesimbra, com vista ao desenvolvimento de infraestruturas dentro das áreas portuárias. Queremos promover um piloto, se possível ainda este ano, para de facto o mercado começar a sentir esta novidade. Agora, isto vai depender também da forma como os próprios transportadores vão evoluir. Num primeiro momento, parece-me que serão soluções mais internas, mais fechadas aos transportes de grande distância ou mesmo internacionais, até porque nós temos esta nova ordem, enquanto não ajudarmos os nossos vizinhos espanhóis vai ser difícil conseguirmos ter soluções de carregamento que permitam transitar, mas já temos isso. E uma coisa curiosa é que no âmbito das conversações com estas Administrações Portuárias chegámos à conclusão que faria sentido, por exemplo, experimentarmos a náutica de recreio e já inaugurámos no passado dia 11 um piloto, uma experiência, um posto de carregamento em Setúbal para utilização de náutica de recreio e no futuro, quem sabe, porque quem utiliza a náutica de recreio há de ter o seu veículo elétrico e se calhar a mesma solução de carregamento poderá fazer todo o sentido. Foi uma oportunidade que surgiu, um serviço intermodal, porque o que é muito importante que se tenha consciência é que o consumidor da mobilidade elétrica necessita é de mobilidade, ele usa o veículo elétrico porque necessita de mobilidade, não é um cliente de energia, é cliente de energia porque a energia é a locomoção e às vezes perdemos um pouco isto e procuramos tratar o cliente como um cliente de energia, que não é. Temos que facilitar e o que quero dizer com isto é criar políticas que permitam a mobilidade das pessoas, porque é isso que elas estão a procurar aqui, quer através da sua viatura própria, quer através da sua intermodalidade, que é isso que é importante. Porque fala-se muito em levar as pessoas do veículo particular para o transporte público, mas se não dermos informação às pessoas de que existe transporte público e qual é o transporte público que pode servir, as pessoas nunca mais vão mudar. Acho que a digitalização e o facto, por exemplo, de toda a mobilidade elétrica ser desenvolvida na digitalização ter um âmbito nacional, pode vir a facilitar isto. Ou seja, a integração de sistemas de informação em que a pessoa possa saber que há, para onde se desloca o transporte público, qual é a carreira, quais são os horários, que há bicicletas, que há trotinetas, que há TVDE, que há táxis, tudo isto ao mesmo tempo, através de aplicações. Acho que será o futuro de forma a, de facto, conseguimos atingir o tal objetivo de termos cada vez um país mais móvel e mais sustentável.
E a rede alimentada a hidrogénio que previa a criação de 37 estações em 20 nós modais separados por 200 km até 2030, com um orçamento de 200 milhões, em que fase está?
É verdade, neste momento, como sabemos, as soluções de hidrogénio não têm vindo ainda a ter dinamismo, aliás, aqui o conhecemos de dois exemplos que em Inglaterra e julgo que na Suécia acabaram por fechar as estações que tinham aberto está no plano. Agora, acho que só se justifica fazer se de facto for para ser utilizado, porque não somos propriamente ricos e sabemos que para cumprir aquilo que está no AFIR é isso que necessitamos. Mas se não houver mercado, provavelmente vamos ter de rever, mas o que é importante é que não está esquecido, está tratado, sabemos quais são as necessidades. Agora temos de criar as condições, quer através do mercado, quer através de financiamento para que elas depois venham a concretizar-se.
No seu entender, o que deveria ser prioritário para o novo governo, o tom ou a postura, proativa talvez, na área da mobilidade elétrica?
Conforme disse, estamos a ter resultados e as coisas estão a funcionar. Agora temos é de aproveitar o muito que já foi construído, dinamizar, continuarmos este caminho e, se possível – que é muito importante –, criar condições que permitam acelerar esta dinâmica. Como? Através de investimento, porque vai ser necessário para acelerar, para que haja mais infraestrutura, mas também através de políticas de promoção à transição das viaturas, que também vão ser importantes. Além disso, a manutenção consistente das políticas, que é muito importante e é isso que temos sentido em Portugal desde 2014, que a consistência das políticas relativas à mobilidade elétrica têm sido muito consistentes, quer ao nível de apoios, quer ao nível das regras. Isso é essencial para dar confiança aos agentes de mercado, e são mais de 100 que neste momento já desenvolvem a sua atividade junto da rede Mobi.E, e aos utilizadores, que já são mais de 150 mil. Portanto, é este o caminho que se espera que se continue nesta transição difícil, mas que estamos a conseguir.