O aumento da Rede de Áreas Marinhas Protegidas dos Açores vai trazer inúmeros ganhos para a economia local, para o país e para o mundo, garante, em entrevista à TSF, Emanuel Gonçalves, Administrador e Responsável Científico da Fundação Oceano Azul
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A revisão da Rede de Áreas Marinhas Protegidas dos Açores foi aprovada no último trimestre de 2024, pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma, antecipando em cinco anos a meta estabelecida para 2030 e vai permitir proteger 30% do mar que circunda as ilhas açorianas, cobrindo 287.000 quilómetros quadrados, metade dos quais blindados em termos de proteção, onde não são permitidas atividades extrativas ou destrutivas.
As mais-valias desta decisão num arquipélago muitas vezes designado como o conjunto das ilhas arco-íris, que tem no mar boa parte da sua economia, ultrapassam a área económica exclusiva portuguesa, uma vez que pelos Açores passam muitas rotas de espécies migratórias, assegura, em entrevista à TSF, Emanuel Gonçalves, Administrador e Responsável Científico da Fundação Oceano Azul.
Na prática, este alargamento, num espaço marítimo com quase um milhão de quilómetro quadrados, traduz-se no aumento em 50 vezes a atual área. Com apoios institucionais, pode permitir redirecionar as atividades para negócios mais sustentáveis da chamada economia azul.
O valor acrescentado bruto da economia do mar na última década tem registado crescimentos médios anuais de dois dígitos na região autónoma dos Açores e representa cerca de 8% do emprego local, mas no entender deste especialista, apesar de metade da rede prever um nível de proteção alta, não deverá afetar os métodos de pesca tradicionais de baixo impacto.
Emanuel Gonçalves, administrador e responsável científico da Fundação Oceano Azul, considera que não há risco de estrangulamento das atividades que dependem do mar nos Açores, no entanto, admite que as atividades que podem ser mais impactadas pela criação de zonas de proteção, são atividades que dependem da extração de recursos naturais, por exemplo, a mineração, ou a pesca. Adianta que esse tipo de atividades, “por exemplo, a mineração não é uma realidade e os Açores, que também foram pioneiros na aprovação de uma moratória para a mineração de fundos marinhos, que é uma decisão histórica para Portugal, para a Europa e para o mundo. Já no que diz respeito à pesca, as áreas marinhas protegidas tem o objetivo de fazer depender a atividade, de medidas de gestão mais sustentável da própria pesca e muitas vezes o que temos hoje são medidas de desaparecimento desses recursos, que fazem com que as pressões que se exercem sobre sistemas marinhos estejam a degradar o valor económico das pescarias.
Para este responsável, a decisão permite que se definam medidas de reestruturação desses mesmos sectores, para que eles se tornem mais sustentáveis e são ferramentas que têm ganhos em todas as dimensões.
“Têm ganhos na proteção de natureza, têm ganhos na proteção da cultura e daquilo que são os usos tradicionais do mar e também ganhos nas atividades de futuro e emergentes e que se desenvolvem à volta dessa natureza intacta. Portanto, é muitas vezes falso, afirmar que a proteção marinha vai causar impactos significativos. Causará, se esses impactos não estiverem previstos.”
No caso dos Açores, o governo regional decidiu também, inclusive, através de apoios do governo da república, definir medidas de compensação para perdas que possam existir e definiram um processo de reestruturação das próprias pescarias para as tornar mais sustentáveis. “Ora, esta visão integrada de uma natureza saudável, de uma economia de futuro, mas que não deixa ninguém para trás, é algo de absolutamente único e extraordinário, desta decisão que os Açores agora tomaram.”
Esta decisão posiciona os Açores como líder na conservação do oceano a nível global, mas depende de apoios institucionais, não só dos governantes regionais, como do estado central, por exemplo, através do Fundo Ambiental com medidas de curto prazo.
Emanuel Gonçalves reconhece esta visão sobre uma região altamente impactada pelas atividades humanas e onde existe um conjunto enorme de interesses e adianta que “no arquipélago dos Açores passam grandes rotas marítimas, até cabos submarinos e imensas atividades e ter coragem de proteger a rede marinha neste contexto ainda tem muito mais valor. Não é por acaso que a Europa está tão atrasada na proteção dos seus mares, do seu oceano e isso é porque não consegue lidar ainda, do ponto de vista político, com a coragem necessária, ou, ter a liderança necessária para tomar as medidas que efetivam esta visão de uma natureza protegida como a economia saudável. De facto, não são decisões replicáveis de forma fácil, mas para cumprir compromissos internacionais vai ter de acelerar muito aquilo que são ainda medidas muito incipientes na proteção do oceano, porque os números estão aí para o demonstrar. Na Europa ainda se discute, se deve haver algumas das principais atividades destrutivas, como o arrasto de fundo, no mediterrâneo e isso é um abismo em termos de avanço civilizacional".
Este especialista considera que os Açores vão mesmo ser exemplo para outros países, justificando que nós muitas vezes não nos percebermos muito bem da riqueza que temos em Portugal e não valorizamos muito aquilo que temos. "Os Açores são uma espécie de Galápagos da Europa. São uma região com uma natureza vibrante e única que atrai turistas de todo o mundo, pela beleza das suas ilhas, mas têm no seu mar, um potencial ainda por concretizar e esta decisão vai certamente acelerar o processo de proteção da natureza. Essa liderança e a qualificação dos processos que foram montados e que foram efetivados dão certamente essa liderança aos Açores, que já hoje são ota de grandes eventos, grandes conferências mundiais na área dos oceanos. Temos a certeza que vai continuar a ser o exemplo, agora a rede depende de um processo de implementação que dos próximos 3 a 5 anos terá de ser efetivado e a nível mundial, há um interesse muito grande da própria filantropia. No caso da Fundação Oceano Azul e dos seus parceiros, temos estado sempre ao lado dos Açores. Aliás, começamos logo em 2016, a apoiar este tipo de ações, porque acreditamos que criam o rumo certo e que muitos outros vão querer replicar para tirar o maior benefício, daquilo que são as medidas de proteção da natureza e da valorização dessa mesma natureza.”
Um modelo inspirador para a própria costa continental portuguesa, onde esta fundação desenvolve um trabalho conjunto com vários parceiros, desde municípios a universidades, de norte a sul do país. No Algarve, foi este ano criado o parque marinho de Valado do Recife, a primeira área marinha protegida e agora com o exemplo dos Açores há um gatilho para acelerar outros processos e replicar o modelo em zonas, como Cascais ou Sintra, para proteger também 30% do oceano nestas zonas do país.
Emanuel Gonçalves garante que contam com o apoio da fundação e também do Governo, dando ainda como exemplo a expedição realizada em 2024 com o Instituto de Conservação da Natureza e com a Marinha Portuguesa ao Monte Gorrige, uma montanha submarina que está a mais de 100 milhas da costa e que é uma zona muito importante que já faz parte da rede Natura 2000, mas que ainda carece de medidas de proteção concretas para se tornar realmente numa área marinha protegida. Acredita que esta decisão dos Açores vai também acelerar processos não só no continente, como na Madeira.
Por enquanto, o país aguarda o que o Governo prometeu no verão passado. A resolução do bloqueio que impede aprovação do Plano de Situação do Ordenamento do Espaço Marítimo Nacional, cumprindo diretiva da UE e apoiando a biotecnologia azul, é esperada a anunciada a reativação da Comissão Interministerial para os Assuntos do Mar que passa a ter um fórum consultivo, ainda sem certezas sobre se caberá a este organismo a elaboração de um Plano de Ação para o Mar, que agregue as ações prioritárias ou transversais às diferentes áreas de governação, para permitir acelerar processos, ou esbater burocracias e entropias na resolução dos problemas.
No pacote de medidas do Governo para acelerar a economia foram incluídas uma série de medidas dedicadas à economia azul, incluindo um plano nacional para o lixo marinho 2024-2028, para reduzir descargas de resíduos no mar e também anunciada a intenção do executivo adotar (sem avançar datas) um plano de ação para combater a acidificação dos oceanos.
Ao nível da Literacia, da Educação e da Capacitação da própria sociedade civil, para este especialista, ainda falta fazer muito em Portugal em matéria de proteção dos oceanos, mas destaca um programa que juntou a Fundação Oceano Azul e o Oceanário de Lisboa e que passou por um teste-piloto para formação de professores em seis municípios, iludindo a região dos Açores, mas agora esse projeto (“Educar para uma geração Azul”) foi aprovado pelo Ministério da Educação e vai ver o seu âmbito alargado em 2025 para todas as escolas de 1.º ciclo do país.
