Armindo Monteiro: "O Estado foi o principal beneficiário dos aumentos salariais em Portugal"
Numa entrevista à TSF e ao Jornal de Noticias, o presidente da CIP diz que o estado retém mais de metade dos salários pagos. E apela aos partidos que pensem nos cidadãos e não em interesses táticos.
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Armindo Monteiro tem 57 anos, nasceu em Paris, formou-se em gestão em Évora, liderou e lidera várias empresas nas áreas das tecnologias de informação, obras públicas, logística, entre outros setores. Mas a grande visibilidade que ganhou foi como dirigente associativo, desde logo na dinâmica ANJE (Associação Nacional de Jovens Empresários), mas também na Confederação do Comércio e Serviços, na Associação Industrial Portuguesa. E desde o ano passado como presidente da CIP (Confederação Empresarial de Portugal). Quando se candidatou, adotou um mote: “a força da economia é a força de Portugal”.
Armindo Monteiro, como é que está a força das empresas?
Nós vemos com muita preocupação esta coreografia política, que parece que tudo domina nos dias de hoje, mas aquilo que verdadeiramente conta para a vida dos portugueses, acreditamos nós, é o rendimento e o crescimento económico. Quando pergunta qual é o estado de alma económico, está perplexo. Perplexo por uma agenda que é sobretudo uma agenda de formação de maiorias para governar ou para serem alternância de poder e muitas vezes alheadas daquilo que é a necessidade do país neste momento. E aquilo que o país precisa já neste momento não tem a ver com taticismos eleitorais. Tem a ver com pragmatismo, tem a ver com pagar salários no final do mês, tem a ver com as famílias fazerem esticar o dinheiro até ao final do mês. E isso vai muito além dos jogos florais em que se transformou esta disputa eleitoral que quase parece (a luta pela) pole-position para o próximo processo eleitoral, seja ele quando for. E nesse sentido, de alguma maneira, no momento em que nós estamos a viver tantas convulsões, como é o caso da guerra da Ucrânia, de Israel, como são outras que estão anunciadas estas tensões no extremo Oriente - estou a falar da China, de Taiwan - ou seja, o mundo está em completa ebulição e nesta ebulição está a acontecer a relocalização das empresas. Antes, nós tínhamos ideia que podíamos colocar as fábricas do outro lado do mundo, e isso levou investimentos muito importantes para a China, para a Rússia, para a Ucrânia. Percebemos hoje que esta ideia que achávamos nós que nos dava paz e segurança, que era a interdependência mútua, tivemos aquilo que é um violento despertar. Percebemos que não, que não chega essa interdependência e por isso pode até ser muito perigosa e por isso o descobrimos a necessidade de termos de novo investimentos próximos. Ora, isso é uma oportunidade para Portugal e é uma oportunidade para a Europa. Relocalizar na Europa muitos desses projetos que estavam a ser feitos na outra ponta do mundo. E o que é que nós estamos a fazer para atrair esse investimento? Entretemo-nos numa discussão que parece que não há mais nenhuma discussão fraturante que não seja essa que é aceitamos ou não aceitamos reduzir um ou dois pontos percentuais na tributação sobre as empresas portuguesas, que já são - aceite esta verdade indesmentível - as taxas mais elevadas da Europa e da OCDE. Portanto, nesse sentido, é para nós bastante frustrante, no fundo, vermos que uma das principais medidas que podia ser feita para adquirir investimento nós não estamos a fazer. E outros países estão a beneficiar com isso. Não é possível nós competirmos com países que têm taxas de tributação de 12,5% - é disso que estamos a falar, é o caso da Irlanda - com um país como o nosso, que com as derramas, ultrapassa os 30%, quase três vezes mais. Não é possível competirmos.
Mas então defende uma política fiscal e económica parecida com a Irlanda, que atraiu já as gigantes tecnológicas, como todos nós sabemos, ou prefere uma harmonização fiscal a nível da União Europeia?
Eu creio que os dois pontos não são incompatíveis. Nós temos em Portugal que fazer opções. Temos muitas empresas multinacionais em Portugal e essas empresas multinacionais facilmente, têm vários centros de custo, e é possível escolherem onde é que querem ser tributadas. Significa isso, que se não formos competitivos, nenhuma dessas multinacionais, podendo não ser tributada a 30 e tal por cento, não, naturalmente não vai escolher Portugal para fazer essa tributação. Vai optar por colocar centros de custos e de proveitos em determinados países onde isso seja mais favorável. Significa que nesse campeonato das multinacionais, nós não temos nenhuma mais-valia em consequência da falta de competitividade fiscal. Agora, pensando nas empresas nacionais: é importante nós termos bem esta noção. Se não houver uma redução de taxa, não é pela redução instantânea de custo que isso significa, é com o sinal que é dado às empresas, que as empresas são importantes. O ânimo dos empresários, quando veem que o principal pomo da discórdia para formar uma maioria, para aprovar um orçamento, é se diminuem ou não diminuem o esforço que incide sobre as empresas. Imagine o efeito que isso provoca em termos de ânimo. Ou seja, não é tanto o benefício que pode representar um ou dois pontos, é o sinal que é dado. E esse sinalé extremamente negativo.
Quantas empresas é que beneficiam de uma descida do IRC, seja de um ponto ou de dois pontos percentuais, quando e se essa descida acontecer?
Criou-se a ideia que poucas empresas em Portugal pagam imposto. Não é verdade! Há, efetivamente um grupo que está neste momento estabelecido em 30%, em média, que não paga imposto. E considera-se isso extraordinário. Ora, uma atividade empresarial pode dar lucro ou pode dar prejuízo. Se naturalmente der sempre lucro, todos seguramente gostaríamos mais de ser empresários. Há, naturalmente, anos em que não é possível. Mas ainda assim, fruto de uma particularidade que nós criamos no nosso sistema, em Portugal, inventou-se as tributações autónomas. Significa que mesmo que uma empresa apresente prejuízo da sua atividade, ainda tem que pagar aquilo que chamam as tributações autónomas. Por isso, incluindo estas que pagam tributações autónomas, o número de empresas que efetivamente não pagam IRC, é um número reduzido. Agora, a sua pergunta tem outro ponto que eu penso que estou a interpretar, que é há um grupo relativamente pequeno que paga um volume relativamente grande, aquela lei dos 20% ou 80%. E, efetivamente, assim é. Porquê? Por uma questão de escala. Nós temos 150 mil empresas no país que não faturam mais que 30 mil euros. E temos um grupo muito pequeno - 1020 para ser específico - que são as consideradas grandes empresas. Ora, se nós consideramos que em Portugal existem cerca de 460 mil empresas, apenas 1020 são grandes empresas. A questão é que essas 1020 têm uma diferença tão grande que têm um valor de IRC bem mais significativo que as outras que são empresas pequenas. Uma empresa que fatura 30 mil euros, as tais 150 mil empresas, naturalmente que o valor que pagam de IRC é extremamente reduzido. Mas também repara o seguinte, há muitos negócios em que o empresário está ao nível dos trabalhadores. Imaginem aqueles negócios típicos, são 93% das empresas - serviços de eletricista, serviços de canalização, pequenas obras, pequenos trabalhos, um café, um restaurante, enfim - tipicamente três pessoas trabalham, sendo que um é o empresário e dois empregados. O que é que acontece? Qual é que é o benefício que o empresário efetivamente tem? É conseguir pagar o seu próprio salário. Portanto, ele não está a contar com o lucro. Se der para pagar o salário ou os três salários, naturalmente o projeto de vida está resolvido. Nesses casos, não é naturalmente o IRC que é importante. Nesses casos, é importante são os impostos que incidem sobre o trabalho. Segurança social, IRS, etc. Portanto, estamos a falar de realidades completamente diferentes.
Mas os empresários que temos são o reflexo do país que temos, ou seja, a iniciativa privada só existe quando está, entre aspas, bem calçada pelo Estado, ou tem negócios com o Estado?
Não. Repare que 93% das empresas têm até 3 trabalhadores. Portanto, 93% das empresas não tem negócios com o Estado, a não ser que algum dirigente vá lá tomar um café. Estou a brincar, mas estou a falar de um aspecto muito sério. Nós às vezes temos esta ideia que as empresas são todas enormes, e não é verdade. Nós, e é importante fazer um bocadinho de história... A atividade empresarial é livre em Portugal apenas há 50 anos. Por vezes esquecemos disso. Até há 50 anos, era empresário em Portugal quem o Estado permitia que fosse. Isto não é de sumenos importância. Significa o quê? Significa que em 50 anos, nós aprendemos a internacionalizar-nos, por exemplo. Ah, mas antes já havia internacionalização? Não, não havia. Havia uma presença em territórios hegemónicos controlados administrativamente. Isso não é propriamente uma internacionalização. Por isso aprendemos a internacionalizar a nossa atividade empresarial, aprendemos a ser empresários em 50 anos. Isso significa que muito foi feito, mas naturalmente muito resta para fazer. Desde logo porque ainda não conseguimos resolver um aspecto na sociedade portuguesa que é importante e que tem sido muito fraturante. Nós conseguimos libertar-nos de vários problemas, mas não nos libertámos de um. Nunca o Estado nos incentivou a deixar de ser pobres. O slogan durante muitos anos do Estado foi “pobres, mas honrados”. Como se o oposto a isto é “ser rico e ser malandro”. Ora, nós achamos que podemos ser honrados, mas não precisamos ser pobres. Mas aquilo que se entranhou na sociedade foi sempre este discurso do pobrezinho, coitadinho, e se alguém aparece a falar de palavras como ambição, lucro, tudo isto parece que está já numa dimensão quase de condenável, de pecado. O lucro é uma parte fundamental da atividade empresarial. Se não houver lucro, não há capacidade de fazer novos investimentos. Se não houver margem, que é a mesma coisa que dizer lucro, não há capacidade de aumentar os salários, e não há capacidade de fazer novos investimentos, e não há capacidade de tornar mais sofisticado o modelo de negócio, não há capacidade de internacionalizar as empresas. Já viu que nós em 50 anos não conseguimos ter uma marca verdadeiramente global? Se formos a pensar aqui em Espanha, há várias marcas que são conhecidas mundialmente. Países com a nossa dimensão, a Bélgica, por exemplo, tem marcas conhecidas mundialmente. Em Portugal não produzimos uma única marca. Vou brincar um bocadinho: produzimos uma, Cristiano Ronaldo, mas isso foi de iniciativa própria, foi ele que conseguiu. Agora, marcas empresariais, nós não temos uma única. Porquê? Porque sempre tivemos esta ideia de condenar as empresas grandes e tolerar as pequenas. Toleramos as pequenas e condenamos as grandes. Sempre que temos esta ideia das grandes, são algo para combater. E não é isso que realmente o país precisa. O país só consegue sair de uma economia de mínimos se tiver a ousadia, a ambição, cá está, palavras proibidas, de ousarmos crescer. Se nós tivermos essa ousadia, conseguimos seguramente ter aquilo que dizia no início: a força de um país é a força da sua economia. Nós vimos isso quando tivemos o COVID. Já nos esquecemos que nos momentos iniciais da pandemia, nós não tínhamos nem equipamentos, nem sequer máscaras, nem sequer gel, não tínhamos nada. E outros países mais prósperos que nós estavam a encarar com mais facilidade. Portanto, perante uma situação de vida e de morte, a nossa economia começou a encontrar soluções, mas no momento zero, nós não tínhamos soluções. E é isto que nós defendemos. É para ficarmos todos mais seguros, para ficarmos todos mais tranquilos. Nós precisamos de uma economia mais forte.
Disse, quando tomou posse (como presidente da CIP) que não existe nenhuma força política que tenha ousado ter uma posição de defesa das empresas. Este governo da AD tem uma posição de defesa das empresas?
Não quero ser condescendente com este governo. Nós, na CIP, não temos ideologias políticas e por isso vou fazer uma análise muito objetiva. Entendemos que este governo, não tendo maioria parlamentar, tem a capacidade e disponibilidade naturalmente limitada, e por isso admitimos que esse cenário impede de ser mais ousado numa política de criar valor. E nós temos visto em Portugal que as eleições são ganhas, sobretudo por quem promete distribuir, não por quem promete criar. Porquê? Porque é instantâneo. A ideia de distribuir é instantânea. E, portanto, se eu quero captar um determinado voto, estou a apostar sobretudo no curto prazo e, no curto prazo, aparentemente é aquilo que é a estratégia dos partidos, todos eles, é prometer para o imediato. Isto é a base de encontrar soluções simples para problemas complexos. Se eu quizer penser no médio e longo prazo, e tiver problemas complexos, aquilo que eu tenho visto de todos os partidos é fugir desses temas. Um exemplo: as pensões. Nós continuamos a fazer tabu de uma coisa que é evidente. A nossa esperança de vida está a aumentar, felizmente - isso é uma conquista civilizacional - mas se é verdade que está a aumentar, não quer dizer que nós estejamos a acautelar mais rendimentos, ou seja, se nada for feito, vamos viver durante mais tempo com menos recursos. Há um relatório que é da União Europeia, que se chama Aging Report e estabelece que se nada for feito em Portugal, a nossa taxa de substituição vai ser inferior a 40%. A taxa de substituição é a relação entre a primeira pensão oferida no momento de reforma e em comparação com o último salário. Isso significa que apenas 40% do último salário estará disponível numa pensão. Pergunta-se: não valia a pena nós estarmos a encarar esse assunto com alguma seriedade e lançar já a base para o futuro?
Mas isso não significa aumentar as contribuições?
É ainda pior, porque neste momento, aparentemente, todos acham que a segurança social está forte porque tivemos cerca de um milhão a mais de contribuintes, fruto da imigração. Não é verdade, porque estamos apenas a contabilizar a receita entrada, mas não estamos a contabilizar as obrigações que vão decorrer, naturalmente para quem legitimamente vai ter que receber uma pensão. Esta discussão, esclarecedora, nenhum partido a quer ter, e muito menos em período eleitoral. Mas isto são verdadeiramente as bases que é preciso lançar na nossa economia, na nossa sociedade, para dizer que estes são temas que não se resolvem no curto prazo. E por isso, nós gostaríamos de ver nestes temas e nestas abordagens, não apenas aquilo que é agradável de dizer, mas aquilo que é necessário dizer.
Portanto, a AD não está a ter essa abordagem? Pelo menos com a CIP.
Há sinais. Esta proposta da redução do IRC, nós vemos-la como um sinal positivo. Há 10 anos que não estava no programa, não estava na agenda, uma redução de impostos sobre as empresas e, portanto, não queremos ser injustos ao dizer que é tudo igual. Não é. Nós vemos, de facto, que o Governo prometeu reduzir os impostos sobre as empresas e está a tentar cumpri-lo. E vemos na oposição, uma declaração de princípio de sociedade que ficaria supostamente violado ou comprometido se a redução dos impostos sobre as empresas se concretizasse. Ora, nós ficamos perplexos, porque sendo que estes dois partidos - PSD e PS têm sido a base de governação de Portugal desde que há democracia - e ficamos perplexos que o tema da redução dos impostos sobre as empresas em um ou dois pontos percentuais...
Não una, divida.
Exatamente. Mais do que dividir, até ser aparentemente fraturante a ponto de poder não ser aprovado um orçamento. Vemos isto com alguma perplexidade e esta declaração de princípios que seria uma violação de uma visão da sociedade, de um projeto para a sociedade.
E do seu ponto de vista, Pedro Nuno de Santos, será radical neste aspecto?
Aquilo que nós apelamos, e queremos acreditar que tudo isto tem feito parte de alguma coreografia política, nós esperamos que tudo isto seja apenas estética, tudo isto seja apenas a tal coreografia política.
Para um grande final?
Para que um final, que seja um final de convergência, para um final que efetivamente esteja em causa o interesse dos portugueses, por uma razão muito concreta. Nós aprovámos recentemente uma subida extraordinária de salários. E extraordinária porque não tem comparação com a inflação, então quando estamos a falar de referenciais de 4,7% ou 6,1% no caso de salário mínimo, e se compararmos com aquilo que é a projeção da inflação de 2%, estamos a ver que há claramente aqui um esforço de aumento de salários. E é necessário, porque nós não podemos de facto ter uma economia de mínimos. Mas então, como é que nós vamos conseguir construir esse cenário de subida significativa de salários com crise política? Porque a crise política não é uma abstração intelectual, ela pode acontecer se efetivamente os responsáveis políticos forem consequentes com as afirmações que têm feito, portanto se forem consequentes não havendo acordo, haverá naturalmente eleições. A minha esperança é que tenham em atenção o interesse nacional. Não se trata aqui de ganhos politico-partidários, não se trata aqui de mera retórica política. Há empresas que precisam de pagar o salário no final do mês, há famílias que precisam de gerir os seus orçamentos familiares. E isto não é compatível com meros ganhos ou meras perdas para uma qualquer disputa eleitoral.
Voltando àquela palavra que tinha usado no início, que era a força. Há força, neste momento, nas empresas para fazer esse aumento de salários?
Absolutamente. Este é o ponto. Nós quando falamos em salários e gostamos de comparar com os salários que são praticados na Europa, e é legítimo.
Pois, estamos no mesmo espaço económico.
Estamos no mesmo espaço económico, é perfeitamente legítimo. E por isso a aspiração de termos um nível médio de salários praticado na Europa, parece-me que é uma aspiração legítima. Agora, vamos para o outro lado do problema. Vamos falar de produtividade. E já com um esclarecimento. Produtividade, às vezes, associa sempre a produtividade ao trabalhador, como se fosse o trabalhador o único responsável de ser produtivo ou não ser produtivo. Não é verdade. A produtividade muitas vezes tem muito pouco a ver com o trabalhador.
Como se vê, de resto, que os trabalhadores saem daqui e são mais produtivos do outro lado.
Ora, perfeitamente. Qual é a diferença, por exemplo, de um trabalhador que está a trabalhar em Portugal, que produz 20 euros por hora, e um, o mesmo português, que está, por exemplo, no Luxemburgo, que produz cerca de 5 vezes mais, 100 euros por hora. Eu vou dar um exemplo que é um exemplo básico, mas que se entende. Imagina-se que esse trabalhador em Portugal tem a função de fazer costuras de sapatos. Imagina que os faz à mão. Qual é a capacidade que ele tem de costurar durante uma hora? Agora, imagina-se que o mesmo português que chega ao Luxemburgo, tem o equipamento de última geração e que só tem que supervisionar a máquina, imagino a quantidade de sapatos que faz.
Mas a máquina pode ser comprada pela empresa portuguesa!
Aí é que está. Isto tem a ver com a qualidade do investimento. Significa que se nós tivermos uma economia que promove o investimento, pois muito bem. Nós temos também capacidade de aumentar a produtividade. Se nós não tivermos uma economia que promove o investimento, não temos capacidade de aumentar a produtividade. Portanto, a produtividade não depende do trabalhador, depende daquilo que é a qualidade dos fatores de produção. Claro que na qualidade dos fatores de produção também estão, naturalmente, a capacidade do trabalhador, a qualificação de imigrantes que são bem-vindos - que não se entenda num sentido contrário - são bem-vindos, são necessárioa e a economia precisa, mas não trazem as qualificações daqueles que saem de Portugal. Significa que, nesta questão da produtividade, a nossa tendência é ainda para diminuirmos mais.
Porque estamos a perder qualificações?
Porque estamos a perder qualificações humanas. Ora, se perdermos qualificações humanas, se perdermos a própria população, porque a produtividade também depende do número de trabalhadores que temos a trabalhar, e se tivermos menos trabalhadores, menos qualificados, com míngua de capital, com míngua de investimento, seja ele privado, seja ele público, no final, claro que vamos continuar a ter uma produtividade baixa.
Porque a máquina não é comprada...
Naturalmente. A máquina não é comprada e, portanto, vamos continuar a fazer de uma forma rudimentar. E nós nunca tivemos verdadeiramente essa preocupação por parte de quem nos governa, dos vários governos, na tal questão da preservação do lucro. A tal margem. Ou seja, permita-se às empresas que ganhem dinheiro, porque esse dinheiro é que vai permitir os novos investimentos. O lucro é o capital dos novos investimentos. Se esse lucro não existir, onde é que estão os novos investimentos? Onde é que está a máquina? Ah, vem dos quadros comunitários de apoio. Nós vimos para onde é que foi o PRR. Foi para o Estado, não foi para as empresas. Portanto, tudo isto está muito errado. Não haverá nunca o crescimento de produtividade se não houver verdadeiramente um programa para estimular o investimento. E não é com taxa de IRC, voltamos ao IRC, não é com taxa de IRC que levam um terço da margem. O melhor sócio que existe é o Estado, porque não intervém, não arrisca, mas leva um terço daquilo que a empresa produzir, daquilo que a empresa tiver de resultado. E se incluirmos ainda os outros impostos, é muito mais. Portanto, em resumo, esta questão da produtividade é uma questão basilar, é uma questão fulcral que é necessário ser abordada.
Mas este acordo no seio da concertação social acautela a sua ambição para aumentar a produtividade?
Sim, e foi a razão porque o subscrevemos. Nós não o teríamos assinado se não tivesse lá incluído uma medida, concretamente a medida 17, que estabelece no prazo de 4 anos - é a primeira vez que isto surge como objetivo num acordo - atingirmos 75% da média europeia de produtividade. Hoje, onde é que estamos? Estamos em 66% sensivelmente. Portanto, há uma métrica claramente objetiva de atingir, num espaço de 4 anos, 75% da média da produtividade. E depois, os nossos salários não têm nenhuma razão para também não serem 75% da média europeia. Óbvio, o que não podemos é promover aumentos salariais desligados da realidade económica. Isso não existe em parte nenhum do mundo. Nós estamos a assumir um compromisso de aumentar em 20% nos próximos 4 anos. Se não estabelecermos também este compromisso de fazer crescer a economia, chega um momento em que, efetivamente, a economia não tem capacidade. Naquele exemplo que há bocado dava, uma empresa de três pessoas, em que um é o empresário e dois trabalhadores. Se aumentarmos os salários, e se essa empresa não produzir mais, não vender mais, não for capaz de ter mais margem, o que é que vai acontecer? Os dois salários vão aumentar, mas o terceiro vai diminuir, que é o do empresário. Precisamente aquele que assume mais responsabilidades. Ora, isto não pode acontecer. É preciso que a nossa economia não seja uma economia de soma nula. Ou seja, para uns terem mais, é preciso que outros tenham menos. Nós acreditamos que podemos expandir as fronteiras de possibilidades. O que é que é isto em economia? Pôr a economia a produzir mais. E, pondo a economia a produzir mais, ser possível também distribuir mais por todos. Não com aquela ideia que é muito uma lógica ainda da revolução industrial, que é para alguém ter mais, tem que se tirar o outro. Não, isso não faz sentido na economia de hoje. A ideia é expandir, crescer. Crescendo, naturalmente, haverá para todos.
Então, a assinatura por parte da CIP deste acordo, em que o salário mínimo poderá chegar aos mil euros por mês...
1020 euros.
Mil e vinte, exatamente. É uma moeda de troca pela baixa do IRC que o Governo propõe para o Orçamento de Estado?
Não, não. É uma moeda de troca por este aspeto que eu acabei de dizer, deste objetivo de produtividade. Nós temos que atingir 75% da produtividade média europeia. E esse está lá no ponto 17. E no ponto 18 está lá também algo que para nós é muito determinante e estes dois pontos foram muito determinantes para a nossa assinatura, que é efetivamente um conjunto concreto de medidas que de facto nos faça ser mais produtivos. Dou um exemplo muito concreto: trabalho extraordinário. Hoje, não há condições para trabalharmos mais. Porquê? Porque o sistema fiscal não estimula isso, ou seja, não basta pagar mais 100% ou mais 200%, não encontra quem queira trabalhar. E porquê? Porque se trabalhar, o sistema fiscal está feito de tal maneira que lhe faz uma retirada...
Ainda ganha menos.
Ainda ganha menos porque sobe de escalão. Ora, ao subir de escalão, nós em Portugal utilizamos a expressão de trabalhar para aquecer. E ninguém tem interesse em trabalhar para aquecer. Então, queremos aumentar a produtividade e afinal não estimulamos o trabalhar mais para ganhar mais? Portanto, isto é um contrassenso.
O que eu perguntava é se a CIP assinou o contrato, assinou este acordo, tendo como moeda de troca, porque o governo deu, uma baixa do IRC. Se isso não acontecesse, a CIP assinaria esse acordo?
Não, mas a moeda de troca não foi apenas a baixa do IRC. A baixa do IRC está naturalmente lá considerado, mas como lhe disse, foi estes aspectos que acabei de dizer, o ponto 17 e o ponto 18. Se me diz: mas a baixa do IRC não é importante para as empresas? Claro que sim. Mas mais importante que, digamos, a intensidade dessa redução é claramente o sinal. E dar um sinal que, efetivamente, o IRC está a diminuir e que se propõe diminuir num prazo até 2028, para as empresas isso é um sinal muito importante. E por isso, a assinatura do nosso acordo não foi prescindindo da redução do IRC. O que demos foi latitude negocial, porque entendemos bem e pareceu-nos que era uma posição honesta de negociação, quando o Governo pediu latitude na formalização daquela medida para ter latitude negocial com as forças representadas no parlamento para conseguir aprovar o orçamento. Porque de resto estaríamos, digamos, num faz de conta negocial, estaríamos a acordar determinadas medidas que depois, naturalmente, não há maioria que a sustente no Parlamento, e por isso, qual era o efeito deste acordo de concertação social? Nenhum! E por isso, aquilo que foi um pedido do governo, teve o acolhimento dos parceiros que subscreveram o acordo, foi compreender essa posição, que era necessário ir procurar formar essa maioria, e por isso tem uma latitude bastante grande. Agora, não se confunda, uma latitude grande na formalização da medida, que só diz reduzir o IRC até 2028, com um prescindir dessa redução. Os parceiros e a CIP, em concreto, não prescindiu da redução do IRC.
E abandonaram a ideia de isentar em termos fiscais o 15º mês? Este tema está no programa de governo da AD, mas está longe de se concretizar.
Esta não foi uma negociação entre a CIP e o Governo. Foi uma negociação entre os vários parceiros, entre os quais a CIP, que tem naturalmente também o Governo, mas não é uma negociação bilateral. É uma negociação com as confederações empresariais e as confederações sindicais. E, de facto, é com frustração, ou melhor, tenho aqui mixed feelings, como se diz. Um sentimento muito positivo porque, pela primeira vez, o Estado aceita isentar de imposto uma transferência de um pagamento voluntário da empresa aos seus trabalhadores. Não quero minimizar a importância desta medida. É pela primeira vez na ordenação legal em Portugal, é possível, até ao montante de um salário, a empresa pagar ao trabalhador. E devo dizer que essa medida tem um potencial enorme. Mas não se confunda esta medida com aumento de salários. Aumento de salários é outra questão. Isto é um prémio que as empresas pretendem pegar.
A semana passada o Tiago Oliveira dizia aqui que esse tipo de negociação não pode ser feita num acordo de rendimentos.
Eu creio que há algumas forças sindicais que entendem que nunca nada pode ser feito. O que nós temos que sempre é seguir esta regra que tem sido a seguinte. Apesar dos aumentos salariais que aconteceram nos últimos anos, quem foi o principal beneficiário dos aumentos salariais em Portugal? O Estado. De qualquer salário, o Estado retira 34,75%, que é o montante que, entre a entidade patronal e trabalhador, tem que ser entregue à Segurança Social, 34,75%, portanto, 23,75% por parte do empregador, 11% por parte do trabalhador, e já estamos a falar em 34,75%. Se nós a esse 34,75% somarmos uma taxa média de IRS de 20%, já estamos a falar em 54,75%. Significa o quê? Que mais de metade daquilo que é rendimento pago ao trabalhador não vai parar ao bolso do trabalhador, vai parar aos cofres do Estado.
Portanto, o Armindo Monteiro já está aqui a afastar-se daquela ideia de que o Estado somos nós...
Não, porque nós o que temos estado a fazer é, de facto, a pretexto de aumentar o salário, estamos, efetivamente, a contribuir para as contas do Estado. E é importante dizer...
E isso depois não reflete nos serviços pretados ao cidadão?
Veja-se a qualidade dos nossos serviços. Basta ver a qualidade dos nossos serviços na área da saúde, na área da educação, na área da justiça, na área da segurança, na área de tudo. Se nós tivéssemos uma satisfação plena, então todos nós poderíamos estar satisfeitos. Olha, mais de metade estamos a perder, estamos a entregar ao Estado, mas por boas razões. Mas, seguramente, a intenção é boa, mas a organização não é aquela que está a acontecer. Por isso aquilo que dizemos é, nós precisamos de pôr mais dinheiro no bolso das famílias. E para pôr mais dinheiro no bolso das famílias, permitam que o 15º mês, como chamámos, ou o Prpmio de produtividade, possa efetivamente ser pago aos trabalhadores. Mas esta medida acabou por ter amarras, apesar de ser positivo e estar no acordo, mas tem amarras que a tornam de difícil aplicação. Porquê? Porque obriga um empresário que queira fazer um pagamento de um 15º mês ou de um prémio de produtividade, e volto a dizer, isto não tem a ver com aumentos salariais, obriga a que (a empresa) tenha que ter feito um aumento salarial de 4,7% a todos os trabalhadores. Ora, eu pergunto: se nós vamos ter no próximo ano 2% de inflação, se os aumentos da função pública deverão rondar os 2%, precisamente para cobrir a inflação, então, pede-se que o empresário aumente os salários 2,5 vezes mais que a função pública e ainda por cima, ainda tenha disponibilidade para pagar um prémio? Portanto, se isto não é tornar inexecuível uma medida boa, eu não sei o que será. Por isso, estou certo que muitos trabalhadores, ainda assim, vão beneficiar deste prémio de produtividade ou um mês extra de salário, mas muitos mais poderiam beneficiar se não fosse necessário incluir esta cláusula e uma outra que também consta do acordo, que é algo que beneficia apenas as confederações sindicais.
Há uma frase que, não sendo de António Costa, foi tornada famosa por António Costa num determinado momento nos últimos anos, temos a geração mais qualificada de sempre a academia está de resto a fornecer essa geração mais qualificada de sempre. Isso está a ter um reflexo na nossa força de trabalho?
É preciso separar duas coisas, uma coisa é uma geração qualificada em termos de estudos e outra é qualificada em termos profissionais, parece que estou a fazer um trocadilho de palavras, mas não. São coisas completamente diferentes. Efetivamente, qualificações de estudos, claro que sim: nós nunca tivemos uma geração tão qualificada em termos académicos. Agora, em termos profissionais que tenham a capacidade de se adaptar ao mercado de trabalho, se calhar aí nós precisamos...
Mas aí o défice é da academia ou é das empresas que não fazem a formação?
Dos dois. Exatamente, esse é um bom ponto, os dois. Porque academia e empresas têm estado, salvo honrosas exceções, têm estado de costas viradas um para o outro. A academia produz os licenciados que entende produzir, nas matérias que entende produzir, e o mercado, as empresas, têm naturalmente necessidades muitas vezes diferentes. Porquê? Porque as necessidades no mundo real acontecem, a transformação, a mudança acontece de uma forma muito mais rápida que os currículos académicos nas universidades, nos politécnicos, nas escolas. Nós temos cursos que são os mesmos cursos há 20 ou 30 anos atrás. E, no entanto, empresas que há 20 ou 30 anos tenha as mesmas necessidades são poucas, porque tudo isto é uma transformação.
As empresas não podiam fazer isso?
É o que agora, os bons casos já fazem, que é muitas universidades já com uma vertente muito mais ligada às empresas. Nós na CIP estamos a colaborar com várias universidadese e já estamos a conseguir influenciar nos currículos, nos programas curriculares das licenciaturas e, em particular, dos mestrados, e já matérias que fazem falta à vida empresarial.
Ainda em relação ao orçamento. Genuinamente acha que tanto Luís Montenegro como Pedro Nuno Santos, querem chegar a um acordo, ou como disse em junho, que os orçamentos têm servido só para fixar clientelas partidárias?
Eu creio que há uma tentação grande, que quando há uma situação instável, em que o objetivo é ganhar eleições, aquilo que é uma tentação grande é responder de imediato para públicos onde se possa obter o voto de imediato. E deixe-me dizer-lhe um aspecto. Esse aspecto tem-me como muito presente. Um país que não desse os impostos sobre as suas empresas é claramente um país que acredita que é possível distribuir o que não se cria. E isto é a base do engodo eleitoral. Se eu tiver uma mensagem de que é possível distribuir e não há nenhuma preocupação em criar, eu estou a captar quem vota. E as empresas, não votam. São os eleitores que vão nesta mensagem mais simples que é prometer dar tudo a todos. E isso não é uma atitude responsável, isso é uma demagogia política que naturalmente cedo ou tarde se paga. Nós precisamos de um Estado que nos estimule a não precisar do Estado. Mas, na lógica eleitoralal é o contrário. Quanto mais dependência do estado se criar ao cidadão, mais dependente também é de entregar o voto. E esta maturidade cívica é uma maturidade que nenhum partido verdadeiramente quer fazer, porque todos os partidos apostam preferencialmente em amarrar o eleitor. E o que era necessário aqui era um esforço, um exercício de cidadania, no sentido de o libertar desta dependência, fazendo com que, de facto, digam, ok, eu, Estado, estou aqui para apoiar onde for necessário, não para substituir a ação individual de cada um, mas a mensagem, é exatamente ao contrário, é aquela mensagem “não te preocupes que eu estou cá para tratar de tudo, eu o Estado estou cá para tratar de tudo”, esta mensagem é uma mensagem regressiva em termos da nossa emancipação cidadã e é uma dependência e é uma armadilha que é utilizada sobretudo na caça ao voto e é contra isto que naturalmente a Confederação (CIP) está, é contra esta menorização dos cidadãos.
Dizem que é um benfiquista ferrenho. Como é que olha para os rumores que o colocam como possível candidato às eleições do Benfica no próximo ano?
Eu também tenho dito que eu gosto muito de jazz e eu espero que ninguém tenha a veleidade de me convidar para dirigir a Orquestra Metropolitana, porque seria um completo disparate. Eu vejo com preocupação a vida no meu clube - e atenção, eu tenho maior respeito, sou dos que respeitam imenso, o presidente Rui Costa, porque para mim, Rui Costa, maestro e número 10, está tudo ligado. As maiores alegrias que eu tenho, como benficquista, foram-me dadas precisamente pelo Rui Costa – e por isso, aquilo que vou falar, vou falar em geral. Eu vejo que os clubes em Portugal precisam de ser realistas. Não apenas o Benfica, mas todos. Mas agora falando no Benfica em concreto. Todos têm que ser realistas. E ser realistas é não utilizar receitas, em linguagem empresarial diz-se CAPEX (capital expenditure, despesas de capital ou investimentos em bens de capitais), portanto, receitas de investimento para pagar despesas correntes. Eu não posso utilizar CAPEX para pagar OPEX (operational expenditure, despesas operacionais), dito de uma forma mais elaborada. O que é que eu quero dizer? Para fazer face a déficit de tesouraria, não posso estar constantemente a vender ativos. Isso não acontece nas empresas. Eu não vendo máquinas nas empresas para pagar contas correntes. É preciso planos de estruturação dos clubes para que nós, em Portugal, tenhamos efetivamente projetos sustentados. O que é que eu estou a dizer? O futebol é paixão, estamos todos de acordo, mas a gestão não tem a ver com paixão, tem a ver sobretudo com razoabilidade.
E é um negócio com algum volume.
É um negócio com um volume muito grande, que é por isso mesmo tem que ser acautelado. E como no futebol, ao contrário das empresas, são muitos acionistas, porque são muitos sócios, é difícil que haja formação de consensos. Mas penso que Portugal, e aqui não falando apenas do Benfica, mas Portugal não pode perder a oportunidade de se transformar num setor que tem grandes possibilidades, desde que deixemos uma atitude apenas de emoção, apenas de adepto. O adepto é apenas no momento em que acontece o jogo. Tudo o resto tem que ser de razoabilidade, tem que ser de razão. E vejo que o Sporting está a fazer essa transformação, vejo que o Porto está a fazer essa transformação e espero que o meu Benfica também faça essa transformação rapidamente.
Com ou sem si?
Eu estou num projeto que é um projeto bastante motivador, que é a CIP. Eu tenho um compromisso com a CIP até 2027 e, portanto, sou muito feliz pela equipa que tenho na CIP, por ter esta oportunidade de liderar este projeto, que é um projeto fantástico. E, portanto, lá estarei todos os domingos a sofrer pelo meu Benfica. Hoje, por exemplo, estou muito feliz porque, naturalmente, tivemos agora... uma boa semana.
A Benfica SAD já é associada da CIP ou ainda não?
Ainda não é a Benfica SAD, mas, por exemplo, é a Liga de Clubes. A Liga de Clubes é associada da CIP e também vemos que a Liga de Clubes tem estado a fazer um esforço notável para nós conseguirmos ter um produto, que é o produto futebol, mas também aí, comos nas empresas, há clubes grandes e clubes, infelizmente menos grandes. O problema é olhar-se para as empresas como se fossem todas grandes ou olhar para o futebol como se fossem tudo clubes grandes.
