Clara Raposo, primeira mulher a liderar o ISEG em mais de 100 anos, concorda com quotas de género para evitar que "apenas os cotas" mandem no mundo dos negócios. Mas também depende das mulheres.
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"Os cavalheiros que me desculpem, mas não podem ser só 'os cotas'... Em determinadas funções também tem de haver oportunidades para as mulheres nalgumas áreas", defende Clara Raposo, em entrevista à TSF e ao Dinheiro Vivo.
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O comentário, jovial e provocatório, é feito por quem tem créditos na matéria. Catedrática com duas décadas de ensino de Finanças, Clara Raposo é presidente do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) há meio ano, depois de ter sido a primeira mulher de sempre a concorrer ao cargo.
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Apesar de reconhecer que "há uma maior percentagem de mulheres, por exemplo, em Conselhos de Administração", a docente não vê progressos suficientes. Concorda, por isso, com as quotas de género no mundo dos negócios, "para que as mulheres possam aceder a determinadas funções, para se quebrar aquela imagem de que são só os homens - e todos iguais, com o mesmo fato e gravata - que ocupam determinadas profissões em certos setores de atividade".
"Se calhar, as quotas fazem com que comecem a aparecer algumas mulheres. E se comece a criar o hábito e a perceber que é normal. E que, a partir daí, há de chegar o dia em que já ninguém olha para as quotas", espera Clara Raposo.
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Em Portugal, a partir deste ano, as principais empresas cotadas em bolsa estão obrigadas a cumprirem um mínimo de 20% de quota de género nos Conselhos de Administração e de Fiscalização, estando previsto um aumento para 33,3% em 2020. No caso das empresas públicas, são obrigadas a ter um terço de mulheres nos órgãos de gestão já este ano.
Em todo o caso, muito depende das mulheres: "Também têm que se chegar à frente", afirma Clara Raposo, batendo com a mão na mesa. "As mulheres têm que se chegar um bocadinho à frente e apresentarem-se para desempenhar as funções... E é igual... nem melhores nem piores. Não têm de ser melhores, têm de ser igualmente competentes", argumenta.
"Há quem diga que quando tivermos mulheres verdadeiramente incompetentes em determinadas funções é que teremos então igualdade", conclui com ironia.
"Investidores começam a duvidar"
Cautelosa nas observações que faz sobre a economia do país e o estado das contas públicas, Clara Raposo nota, no entanto, desconfiança dos investidores no potencial de crescimento. Em parte, entende a professora de Finanças, é isso que explicará a degradação de expectativas de várias organizações, incluindo esta semana do Banco de Portugal. O regulador reviu em baixa o crescimento do país para 2,1% este ano e para 1,8% em 2019.
"Penso que também a maior parte dos nossos investidores começa a ter algumas dúvidas sobre a sustentabilidade desse potencial de crescimento", avisa.
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"Como é que vamos poder crescer mais? Será que no turismo, por exemplo, que é um setor que tem vindo a ter um desempenho muito bom nestes últimos anos? Será que é possível continuarmos a crescer da mesma forma? Será que isso é sustentável? Será que mais crescimento pode vir daí ou vamos ter maior estabilização? (...) É difícil antevermos uma mudança muito estrutural que leve a maior crescimento", sublinha Clara Raposo.
A presidente do ISEG ressalva, porém, que esta "não é uma questão que diga respeito exclusivamente a Portugal, porque também tem que ver com o contexto macroeconómico global".
Esta semana, o Banco de Portugal salientou vários riscos externos para a economia portuguesa no próximo ano, incluindo o processo de saída do Reino Unido da União Europeia e as políticas protecionistas de Donald Trump no EUA.
Ainda assim, Clara Raposo entende que tem havido uma boa gestão de expectativas. "Em certa medida, o crescimento que tivemos nestes últimos dois anos teve a ver com algum desafogo, com investimentos que têm vindo a ser feitos em setores importantes, que têm tido bons resultados económicos, mas também pelo facto de as pessoas sentirem que há um bocadinho maior possibilidade de consumo, de investimento. E penso que essa gestão de expectativas foi bem feita", defende.