Associações pedem "aumento real" das pensões e fim de "bocadinhos que vêm este mês e depois desaparecem"
O especialista em pobreza, exclusão social e políticas sociais, Luís Capucha, destaca, no Fórum TSF, "que a pobreza está definida a partir de limiares que não permitem viver com condições mínimas de vida"
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No Dia Mundial da Terceira Idade, várias associações apelaram, esta segunda-feira, no Fórum TSF, para um "aumento real" das pensões e o fim de "bocadinhos que vêm este mês e depois desaparecem". Pedem ainda que o debate sobre as gerações mais velhas vá além dos "problemas, défice, doença e perda".
A presidente da Associação de Aposentados, Pensionistas e Reformados lamenta que Portugal não tenha dado avanços sérios no sentido de melhorar as condições dos mais velhos. Maria do Rosário Gama defende, no Fórum TSF, que o Estado não trata bem esta geração, argumentando que a prova disso está na proposta de aumento das pensões.
"Estamos perante uma lei que é de atualização e não de aumento de pensões, que é uma lei de 2006, e aquilo que ser expectável este ano é um aumento de 3,1% nas pensões até 1019 euros. Um aumento de 3% numa pensão de 500 euros são 15 euros", aponta.
A líder da associação destaca, por isso, que este valor é tão "baixo", que deixa o pensionista "muito longe ainda do limite do limiar da pobreza", que neste momento se situa nos 591 euros mensais. Ao fim do mês, são 76 euros de diferença.
Maria do Rosário Gama identifica alguns princípios que faltam para melhorar a vida dos mais velhos, nomeando, entre outros, o direito a uma "vida digna" - com "respeito" por esta geração -, à "não discriminação e o combate ao preconceito".
Sobre os apoios sociais, a presidente da associação não hesita em declarar que estes "não existem".
"O país não está preparado. Necessitamos de um apoio domiciliário diversificado, porque as pessoas querem continuar a viver nas suas casas até terem possibilidades para isso. Necessitamos de instituições, lares, em condições para aqueles que não têm possibilidade de estar na sua casa. Precisamos de consultas de geriatria, que são muito importantes para a prevenção. Necessitamos de apoios nos centros de dia e necessitamos de centros de noite, que não existem", afirma.
Maira do Rosário Gama lembra ainda que há idosos que vivem sós "por contingências da vida", acreditando ser fundamental que as freguesias façam um "levantamento" deste número", para que o apoio que possa ser necessário chegue a quem mais precisa.
"Por isso é que dizemos que uma das coisas importantes a fazer - e era já - era que todas as freguesias fizessem um levantamento das pessoas que vivem sós e que verificassem, a partir desse levantamento, quais são aquelas que necessitam de apoio. Porque, por exemplo, há pessoas que vivem sós e que não podem sair das suas casas por problemas de mobilidade, mas muitas vezes necessitam de apoio nas próprias casas", diz.
No caso das pensões, o aumento extraordinário, além do aumento normal que está na lei e que acontece desde 2017, este ano não está previsto no Orçamento do Estado para 2025. Se as condições económicas o permitirem, o Governo admite dar um bónus aos pensionistas, tal como fez este ano.
A presidente da Confederação Nacional de Reformados, Pensionistas e Idosos apela para um aumento "real" das pensões e não "bocadinhos que vêm este mês e depois desaparecem". "É fundamental haver um aumento que reforce as pensões existentes. Nós já tivemos uma boa notícia, que foi o aumento das pensões iniciadas no ano anterior à atualização, vão ser dadas, mas ficam dois anos para trás por dar", nota.
Maria Isabel Gomes refere, por isso, que "a vida dos reformados acaba por não ser só e apenas o aumento de pensões" e lembra que têm outro tipo de dificuldades.
"A nível de saúde, o SNS ainda está longe de dar resposta a todas as situações. Colocamos como necessidade imperiosa que todos os idosos possam ter um médico e uma enfermeira de família", defende.
Ouvido também no Fórum TSF, Luís Capucha, especialista em pobreza, exclusão social e políticas sociais, considera, por outro lado, que "qualquer aumento das pensões é uma diferença", já que "a pobreza está definida a partir de limiares que não permitem viver com condições mínimas".
"Os valores são, em média, tão baixos, que um pequeníssimo aumento tem logo um efeito visível. De qualquer maneira, há que sublinhar que a pobreza está definida a partir de limiares que não permitem viver com condições mínimas de vida. Se os idosos que vivem com pensões baixas, mesmo no caso de receberem o complemento solidário que o Estado lhes paga, se ficarem nesse mínimo, não conseguem", defende.
O professor do ISCTE vai mais longe e revela ter a convicção de que "nem sequer o salário mínimo é um salário que garanta uma vida mínima às pessoas". Luis Capucha considera, por isso, essencial melhorar rendimentos, mas critica o facto de isso não ter acontecido em Portugal, uma situação que apelida "estranhíssima", até porque o país tem "vindo a ser governado por Governos social-democratas e socialistas".
"O nosso país tem visto, nas últimas duas décadas, depois de um período de grandes melhorias no plano da diminuição das desigualdades, aumentar as desigualdades sociais, o que é estranhíssimo. Ainda por cima, temos vindo a ser governados por Governos social-democratas e socialistas. Como é que, mesmo nessas condições, as desigualdades têm aumentado neste país? E isso é uma coisa que passa muito pela questão dos salários", alerta.
Já Filipa Sousa Luz, presidente da Associação Nacional de Gerontólogos, evidencia que, apesar de as "problemáticas que estão associadas a esta sociedade envelhecida" estarem "mais do que identificadas" - uma causa para a qual a gerontologia tem "dado um contributo importante" -, é preciso dar um salto para que as "soluções" sejam agora o "tópico de discussão".
A líder da associação considera, por isso, urgente a adoção de políticas para o envelhecimento e para a longevidade, argumentando que as "mudanças começam nestas questões da política".
"Precisamos de um plano estratégico orientado para a desinstitucionalização, temos de saber que o Parlamento Europeu, em 2020, alertou e instou todos os Estados-membros para esta necessidade de desinstitucionalizar e caminharmos para uma realidade onde as pessoas possam escolher o lugar onde querem envelhecer: seja nas suas próprias casas - e aqui temos de garantir um conjunto de medidas que promovam este envelhecimento em casa, como estes relatos que fomos ouvindo ao longo desta manhã de pessoas que querem manter-se em casa, mas que depois não têm condições económicas para garantir que possam estar em casa de uma forma digna, mas também ao nível das instituições", nota.
Filipa Sousa Luz explica que é contraproducente olhar para as questões de envelhecimento "só quando elas estão a acontecer", porque falar sobre elas implica pensar "que tipo de sociedade queremos ser daqui a 50/100 anos".
A líder da Associação Nacional de Gerontólogos apela ainda a uma mudança na forma como se discute o tema, afirmando que as questões do envelhecimento têm de ser pensadas a partir de um prisma de soluções e não só como "uma fase de problemas, défice, doença e perda".
