A crise na habitação atingiu um ponto "insustentável" em Portugal, considera a maioria dos líderes dos maiores bancos a operar no país, considerando que as medidas aprovadas pelo governo fizeram aumentar a procura, mas colocaram ainda mais pressão na subida dos preços das casas
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Se a situação é agora pior do que há seis meses e há um ano, não parece que vá melhorar. Assim fizeram crer os principais banqueiros a atuar em Portugal, na última semana, durante as conferências de imprensa de apresentação de resultados.
Os preços das casas não tendem a baixar, até porque há quem defenda, que não é pelo facto da procura ser maior do que a oferta, mas porque em termos diferenciais, a procura é mesmo crescentemente maior do que a oferta e a situação é insustentável e foi motivada por vários fatores, desde anos de taxas de juro negativas, que tornaram mais fácil a compra de casa com recurso a crédito, à sobrevalorização dos ativos, agravada por medidas, como isenções fiscais ou a garantia do estado no apoio aos jovens até aos 35 anos na compra de casa.
Não existem soluções mágicas e aumentando a procura com a mesma oferta, aumenta a pressão nos preços e parece ser um problema que vamos continuar a assistir sem fim à vista.
A tendência de crescimento dos preços das casas é reconhecido pela maioria dos banqueiros portugueses. Há quem defenda que não há solução à vista no imediato, também quem admita recorrer a novas garantias para responder ao mercado e quem não tema incumprimento no crédito à habitação concedido com garantia pública para requerentes até aos 35 anos.
Para Miguel Maya, presidente do Millenium BCP, o problema da habitação é sério e não se resolve com a garantia do estado, medida que elogia, mas não considera suficiente, apesar de sublinhar que o banco não teme credito em incumprimento, porque os jovens são gente séria.
Na apresentação de resultados do 1º semestre, o gestor adiantou que o banco já atribuiu 30% da sua quota de garanta pública para habitação, o que significa, 185 milhões de euros e desse montante, os jovens representam cerca de 60% dos pedidos de crédito para compra de primeira habitação, mas o montante total de empréstimo pesam apenas 20 a 30% do crédito global concedido.
A expetativa do banqueiro é que o estado não venha a ter um custo significativo, pois não antevê um grau de incumprimento superior ao crédito que não tem a garantia do Estado, considerando que a maioria das situações de incumprimento dos créditos se devem a situações de divórcio, de doença e de desemprego" e que estes jovens "não têm mais propensão para tal.
Para Miguel Maya, os jovens são empreendedores, mas admite que não há soluções simples para a habitação. Recentemente já tinha defendido numa conferência que era preciso entendimento político e linhas estruturais que perdurassem no tempo e que não se alterassem necessariamente entre governos.
O líder do maior banco privado português considera que “o problema do acesso à habitação em Portugal é complexo de resolver e não podemos dizer às pessoas que há uma solução fácil e rápida. O planeamento não foi feito como deveria, e durante 20 anos ignorámos as mudanças que estavam a acontecer na sociedade”.
Já na visão de Paulo Macedo, presidente da Caixa Geral de Depósitos, afirmou que a procura de casas é crescentemente maior do que a oferta e a solução nunca será no imediato, durante a conferência de imprensa sobre os resultados do banco do Estado relativos ao 1.º semestre, período em que a CGD utilizou 46% da garantia estatal que lhe estava alocada para o crédito à habitação para clientes até aos 35 anos, tendo representado cerca de 25% da nova produção de credito à habitação, mas a subida da carteira foi de 8% em termos homólogos, ou pouco mais de 2.080 milhões de euros.
Paulo Macedo apontou que o crescimento mais brando da carteira face ao novo crédito produzido é justificado pelas amortizações antecipadas e amortizações normais, o que para o gestor significa que “é preciso produzir muito para a carteira de um banco com a nossa dimensão crescer.”
Ao longo do primeiro semestre, a CGD financiou 17.000 casas, das quais cerca de 90% para habitação própria, e com um valor médio de financiamento próximo dos 250.000 euros.
Para João Pedro Oliveira e Costa, presidente do BPI, as pessoas procuram crédito à habitação, porque as rendas não são mais favoráveis e os bancos estão a dar um contributo para haver acesso a casas a preços mais comportáveis.
O BPI não descarta a possibilidade de usar mais garantia se o governo vier a disponibilizar novos montantes depois de ter usado no 1º semestre quase dois terços da garantia e com os pedidos querem em carteira para analisar, antecipa ultrapassar os 90% nos próximos meses, tendo já financiado 2 500 contratos para jovens até aos 35 anos.
Um desequilíbrio entre oferta e procura foi sublinhado pelo presidente do Santander Totta, Pedro Castro e Almeida, na apresentação de resultado do 1º semestre, mas Pedro Castro e Almeida recordou que este não é um assunto só português, mas que o plano de desburocratização do Governo é uma de um conjunto de boas intenções pelo executivo e cuja execução “vai ser crítica”.
Para o gestor há “um lençol curto para poder tapar muitos problemas”, dizendo que se se reduzir a disponibilidade do alojamento local, provavelmente terá impacto no turismo, mas que um aumento deste também retira as pessoas de viverem em cidades como Lisboa ou Porto.
Também sobre a garantia pública, Pedro Castro e Almeida recuperou a ideia do lençol, reconhecendo que, apesar de poder aumentar a procura, também está a permitir a compra de habitação por “uma franja de clientes jovens que não teria oportunidade de comprar casa”.
O líder do banco do grupo espanhol em Portugal afirmou ainda que “se os preços das casas continuarem a aumentar, daqui a pouco há que tomar mais medidas, porque há outros jovens, os atuais, que também não conseguem comprar casa.”
No entanto, reconheceu que o banco beneficiou dos sólidos volumes de novos créditos à habitação no 1º semestre, com um crescimento da ordem dos 10% e com 1,2 mil milhões de euros em financiamento sustentável, Pedro Castro e Almeida, sublinhou que o banco reforça o compromisso da sustentabilidade financeira das empresas, confirmando que a nova produção de crédito hipotecário mantem-se em volumes elevados, tendo essa carteira subido 6,5% para 24,1 mil milhões de euros.
O apoio do banco aos agregados mais jovens representou cerca de um quinto das novas hipotecas. Concedeu 473 milhões de euros em crédito à habitação ao abrigo da garantia pública para jovens até aos 35 anos, cerca de 30%, tendo recebido mais de 9.100 pedidos, o, que corresponde a cerca de 1.700 milhões de euros de propostas submetidas, tendo o banco já formalizado quase 500 milhões de euros e não tem pressa em esgotar o ‘plafond’, mas garantiu que continuará disponível caso o executivo entenda alargar o programa em prazo ou o montante.
A garantia pública para o crédito à habitação a jovens até 35 anos (inclusive) aplica-se a contratos assinados até final de 2026 e permite ao Estado garantir, enquanto fiador, até 15% do valor da transação, tendo a quota, atribuída ao Santander do valor garantido pelo Estado, sido de 259 milhões de euros, ou seja, foi o banco com a maior fatia deste programa, o que, numa situação limite em que o banco financiaria a totalidade das transações, representaria um limite de crédito um pouco acima dos 1.700 milhões de euros.
Cerca de 70% da população portuguesa possui casa própria, cerca de 43% já têm a casa totalmente paga, e 23% ainda estão a pagar o crédito habitação e outros 30% da população recorre ao arrendamento ou outras formas de alojamento, de acordo com um estudo da Escolha do consumidor revelado há um mês e 28% dos inquiridos considera o preço elevado um entrave à opção de compra.
Mas outros riscos podem agravar o desafio da habitação, face ao clima de incerteza geral. Perante o aumento das tensões geopolíticas, a própria Autoridade Bancária Europeia (EBA) após a última bateria de testes de stress à banca, assegura que os bancos estão mais resilientes para enfrentar potencial crise no futuro, mas projeta um cenário mais rigoroso, com uma queda de 6,3% do Produto Interno Bruto (PIB) da UE entre 2025 e 2027 e estima um decréscimo de 15,7% nos preços dos imóveis para habitação e de 29,5% para os bens comerciais e perspetiva ainda um aumento da taxa de desemprego dentro da União Europeia dos 5,8% do ano passado para 11,6% em 2027.
