Banco Central Europeu já comprou 13 mil milhões de euros de dívida portuguesa. Um ano depois, o mercado espera uma expansão do programa. Sem ela, Portugal pode sofrer.
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O Banco Central Europeu deverá nesta quinta-feira expandir o programa de compra de dívida lançado há um ano, acreditam os especialistas contactados pela TSF, que consideram que a "bomba atómica" de Mario Draghi tem sido pouco eficaz. O alargamento poderá ser feito no volume de compras, na extensão temporal da medida, ou em ambos, e poderá ser acompanhado de um corte adicional na taxa de juro dos depósitos junto do BCE.
O programa, que contempla compras de dívida pública e privada numa média mensal de 60 mil milhões de euros até março de 2017, poderá ser expandido "mais seis meses", explica à TSF José Brandão de Brito, economista-chefe do Millennium BCP. Já João Lampreia, analista do Banco de Investimento Global (BIG), entende que o alargamento também vai passar pelo montante mensal de compras, que "deverá subir entre 10 e 15 mil milhões de euros", podendo ainda ser acompanhado de um corte adicional na taxa de juro aplicada pelo BCE aos depósitos dos bancos no supervisor europeu, levando-a para terreno ainda mais negativo: -0,4%.
O especialista considera que "continua a haver um problema muito grande na transmissão da política monetária dos bancos para a economia real" e que "o mercado já se está a posicionar para um alargamento do programa". João Lampreia entende por isso que o mercado prevê que, após a reunião de governadores desta quinta-feira, Mario Draghi anuncie um "reforço de 10 a 15 mil milhões de compra de ativos, elevando o valor mensal para 70 a 75 mil milhões", e uma extensão de seis meses ao programa. O analista acredita ainda que o BCE poderá dar sinais de vir a abrir ainda mais o leque de ativos que está disponível para comprar: "poderemos também ter uma surpresa com a inclusão de dívida bancária, dívida corporativa, ou compra direta de crédito mal parado aos bancos", afirma, sublinhando, no entanto, que "isso surpreenderia o mercado pela positiva".
Portugal ganhou?
Desde o início do programa, o BCE já comprou 13 mil milhões de euros de dívida nacional. João Lampreia considera que o programa teve um impacto "claramente positivo, nomeadamente ao nível da descida do custo de financiamento da dívida pública, e também de forma indireta, na medida em que resultou na depreciação do euro, o que tem um impacto positivo nas exportações".
Já o economista-chefe do Millennium BCP olha para os resultados com menos certezas: "é difícil dizer [se o impacto foi positivo], até porque quando olhamos para a evolução da dívida pública portuguesa, observamos que a trajetória de redução das taxas começou em 2012, muito antes do programa de compra de dívida do BCE, que começou em março de 2015, e constatamos que é exatamente nesse momento que as taxas iniciam a trajetória de subida que tem perdurado", afirma José Brandão de Brito. Quanto ao efeito benéfico nas exportações, o responsável é mais cético, observando que "as exportações portuguesas arrancaram entre 2010 e 2011, numa altura em que o euro até ganhava valor". O "bom desempenho das exportações tem tido uma sensibilidade reduzida às variações das taxas de câmbio, e até têm abrandado no último ano, numa altura em que o euro depreciou face ao dólar", sublinha.
E se Draghi não mexer no programa?
Se o BCE não alargar o programa, Portugal pode sofrer consequências? Sim, mas não serão muito graves, acreditam os especialistas.
João Lampreia considera que se Draghi não mexer no pacote de estímulo, "pode haver consequências nos custos de financiamento suportados por Portugal". No entanto, sublinha o analista, "vivemos nos últimos meses um contexto bastante volátil na vida pública, desde a alteração política de novembro, e não acredito que haja um movimento tão forte como tivemos com a questão do orçamento, até fevereiro".
Questionado sobre se pode haver consequências para Portugal caso o Quantitative Easing (QE) permaneça tal como está, o economista-chefe do Millennium entende que "poder, pode. Os mercados estão a antecipar a mudança e qualquer surpresa negativa teria certamente consequências negativas sobre as taxas de juro da dívida pública". José Brandão de Brito acrescenta, no entanto, que o programa, só por si, não é garantia de estabilidade: "pode ser entendido como um reforço do compromisso de partilha dos custos da fragilidade dos países da periferia, mas isto só é válido enquanto os países mantiverem políticas de consolidação financeira e reformas estruturais. A partir do momento em que isso deixa de acontecer, os programas tornam-se ineficazes". O economista-chefe do BCP olha para o exemplo da Grécia, destacando que o país "negociou um terceiro resgate no início do verão passado, quando o programa de compra de dívida já tinha alguns meses".
O problema
A inflação excessivamente baixa na Zona Euro é ao mesmo tempo uma consequência e uma ameaça sobre o crescimento: reflete o fraco desenvolvimento económico motivado pela falta de investimento e de consumo, e cria um clima desfavorável para os investidores. Taxas de inflação como as que têm sido registadas nos países da moeda única (em fevereiro a taxa foi negativa, de -0,2%) aumentam o peso da dívida pública e privada e incentivam a deslocação do capital para ativos de menor risco, desviando-o de investimentos mais arriscados, mas mais favoráveis ao crescimento.
A proposta de solução
Foi há um ano que o presidente do Banco Central Europeu (cujo mandato é o de manter a inflação ligeiramente abaixo de 2%) decidiu lançar a "bomba atómica" sobre o problema do crescimento económico anémico e da taxa de inflação excessivamente baixa na Zona Euro: Mario Draghi anunciou o Quantitative Easing. A designação técnica ("alívio quantitativo") esconde uma ideia simples: o BCE compra dívida pública e privada dos países da Zona Euro, libertando liquidez dos bancos para que estes aumentem a concessão de crédito, e através dela, o investimento e o consumo, elevando a inflação. O programa seguiu-se a um período de descida da taxa de juro diretora, e da taxa de juro cobrada aos bancos pelos depósitos, que já não têm mais margem para descer.
O resultado
Até ver, o resultado é insuficiente, dizem os analistas contactados pela TSF. Porquê? Porque este tipo de programa não funciona bem num clima de taxas de juro baixas, como o que se observa nesta altura. José Brandão de Brito, do Millennium, sublinha que "tal como noutras geografias, esses programas têm sido ineficazes a gerar inflação, porque a liquidez que é injetada no sistema financeiro não passa para a economia real, e os preços no consumidor acabam por não subir".
E porque é que os euros injetados no sistema não chegam à economia? João Lampreia lembra que "as taxas de juro negativas são contraproducentes para concessão de crédito". O analista do BIG sublinha que "as taxas negativas pressionam a margem financeira dos bancos, que não conseguem passar o custo total do crédito para os depositantes, e apertam a concessão de empréstimos". Nos Estados Unidos, o programa resultou porque havia margem para uma queda das taxas; na Europa, essa margem já não existe: há vários países, como a Alemanha, com taxas "negativas até aos nove anos", lembra. "Os mercados", acredita João Lampreia, "já estão a antecipar uma descida adicional na taxa de depósitos junto do BCE pelo menos em 10 pontos base, para 0,4 negativos". Esta medida, que significa que os bancos pagam para depositar dinheiro no Banco Central Europeu, é mais um incentivo para que as instituições financeiras canalizem liquidez para a economia real.